segunda-feira, 1 de março de 2021

Somos nós em banho-maria

Somos nós em banho-maria

Démerson Dias

   Comemorei a prisão de Daniel Silveira e sua reiteração pela câmara dos deputados. A menção a Marielle Franco por Taliria Petrone e, em especial, por Marcelo Freixo me comoveram a ponto de perceber que nossa sede de justiça nos aproxima de narco dependentes. Comemoramos qualquer quanta de justiça, e sorvemos até os dedos para não deixar sobrar nada.
     Como esses delírios duram pouco, mal temos tempo para comemorar e já percebemos a conformação de um contorno na prisão que nos embala como ópio.
     A burguesia tem permitido quase tudo aos bolsonaristas. Não me refiro às milícias, ou ao genocídio, porque esses são as tarefas liminares que a burguesia lhes atribuiu. Aceitam bem os impropérios, e até se divertem com eles, assim como a cloroquina (que descartaram para uso logo nos primeiros relances), trumpismo, pão com leite condensado, e essas coisas.
     Pensando bem, Bolsonaro é basicamente um palhaço muito bem remunerado, nem bem é a caricatura da burguesia. Corrupção? Não é exclusiva da burguesia, mas é sua forma predileta de intermediação econômica, vide as prescrições fiscais do consenso de Washington.
     De quase tudo que se desmancha no ar na institucionalidade brasileira, o Supremo Tribunal Federal tem sido um pilar constante e quase sólido. Os bolsonaristas só não entendem por falta de capacidade neurológica. E a questão é elementar: a manutenção da "lei e da ordem".
     Só a consciência da luta de classes garante que as pessoas percebam o estado de barbárie. A burguesia pode absolutamente tudo nesse país, mas a sociedade, sobretudo os excluídos, não podem perceber isso, já que é, basicamente, o componente que falta para uma insurgência civil.
     Daí, que o STF funciona como esse marco abstrato. Não porque sejam inatacáveis, não porque o sistema de justiça é necessário, mas porque a ilusão de que alguma justiça existe é decisiva para nos manter na coleira.
     Daniel Silveira estaria livre, de fato, se sua verborrágica tivesse ajudado a precipitar o ajuste fiscal. Como não surtiu efeito, e ainda abriu uma remota possibilidade de que o conjunto da sociedade percebesse o misancene institucional, o escudo da ordem foi acionado como política de controle de danos.
     A confirmação pela Câmara de deputados do gesto do STF corrobora e legítima ação preventiva do judiciário. E agrega com componente ao contexto. O mesmo centrão, supostamente fisiológico, sem receber um centavo sequer, deu um soco no queixo do bolsonarismo, e não foi apenas para dizer quem é que manda.
     Bolsonaro foi basicamente um espasmo reacionário preventivo que funcionou como tranco de arrumação a escalada progressista originada na constituição de 1988. Foi, basicamente, o "dono da bola", dando uma banana para ilusão democrática dos setores progressistas, e sinalizando, da forma mais ostensiva possível, que democracia aqui, apenas sob o tacão do coturno. Mas eloquente, impossível.
     Como os bolsonaristas são estúpidos a ponto já acharem que possuem alguma virtude política, o legislativo cumpre o papel de mensageiro e mediador. E a mensagem é simples e clara o suficiente para ser entendida até mesmo pelo mentecapto bolsonarismo: o arreio pode virar forca.
     Contudo nada disso está centralmente voltado para as rusgas no interior da burguesia. A única estratégia que importa e manter a hegemonia sobre a sociedade.
     Estamos, como que na fábula do sapo na panela, em banho-maria.

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