sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Black Blocs fora da ordem


“É melhor ser violento, se houver violência em nossos corações, do que colocar o manto da não-violência para cobrir a impotência. Violência é sempre preferível à impotência. Há esperança para um homem violento em tornar-se não-violento. Mas não esperança para o impotente.”
Atribuída a Mahatma Gandhi





Um tanto afastado das trincheiras, por razões alheias à minha vontade, decidi romper um jejum de análises pra mexer num vespeiro que vai me indispor com alguns dos meus companheiros a respeito dos Black Blocs (doravante BB).
Não se trata de fazer apologia, aliás, nem mesmo é um tema que me interesse a ponto de buscar aprofundar a discussão. Tenho como parâmetro minha própria experiência de militância em contato com práticas anarquistas.
Talvez devesse começar esse comentário corroborando que, nesses tempos de pré-história humana, a violência ainda é a parteira da história. Mas temo que isso iria suscitar um interminável debate hermenêutico sobre o sentido dado por Marx. Apresento, portanto, meus próprios argumentos a respeito.

Causa ou consequência?
Antes de entrar propriamente no tema, creio serem necessárias duas preliminares.
Uma situação de violência unilateral despropositada, nunca vai perdurar, sem reação, em ambiente social. O grau de tolerância em agrupamentos humanos não é uniforme. O uso sistemático e geralmente indiscriminado por parte de aparelhos repressores sempre será ambiente propício a retaliação. Como se diz, paciência nem sempre é virtude, muito menos eterna (e “paz sem voz é medo”).
Por mais que nossas convicções queiram crer no contrário, para toda ação haverá uma reação oposta e em igual intensidade. O ambiente social não está imune à terceira lei de Newton. A diferença está no ponto em que a ação encontra sua oposição.
A segunda preliminar deriva exatamente do conformismo com que alguns setores tratam o fenômeno da violência oficial. A ideia de movimento social “ordeiro e pacífico” é um mito ideológico criado pelos vencedores. A história do Brasil está coalhada de rebeliões e os momentos de alteração institucional ocorreram em meio a golpes em que o uso da força foi alavanca de transformação, ainda quando não tenha produzido vítimas notáveis, nem resultados imediatos.
Episódios como Palmares e Canudos não foram situações excepcionais. Algumas dezenas de revoltas quase nunca pacíficas lastrearam quase todas as mundanças importantes na história do país e mesmo as derrotadas em seus propósitos geraram repercussões. Considerando as promessas de democratização e as fábulas a respeito de uma democracia existente no país, mas que alcança, quando muito, apenas uma fração dele, temos um ambiente propício para fomentar reações que não se sujeitem ao ordenamento vigente.
Parte da sociedade é de uma geração que assistiu a derrota da luta armada e as trevas democráticas em que o país adentrou. Mas um olhar atento sobre a história, demonstra também que a reação à ameaça comunista era apenas parte da motivação da intervenção militar patrocinada por organismos internacionais.
Existe uma geração que não conviveu com essa experiência e não olha pela mesma perspectiva a paulatina degradação do ambiente democrático. A rigor os fenômenos “diretas”, “constintuinte” e “impeachment” foram elementos historicamente fugazes (há até um incerto ex-cara pintada que hoje, já grisalho, vai se parecendo demais com o collorismo político que supostamente repudiou).
Felizmente alguns desses insurgentes atentam para as causas efetivas e materiais. A ameaça das corporações econômicas, bem como da religião do mercado sobre a vida e até mesmo o bom senso nas relações sociais. Que as revoltas se misturem às causas envolvendo o Estado, não é mais do que a correta identificação de que o estado é apenas o administrador das crises do capital.
Some-se a isso um aspecto que coincidentemente está relacionado à atuação justamente de alguns dos segmentos de esquerda que repudiam as intervenções em bens corporativos. As causas dos movimentos por dentro da ordem cada vez mais perdem terreno diante de avanços cada vez mais avassaladores dos interesses do capital. Recentemente o planeta jogou fora, dezenas de trilhões em recursos que, se aplicados nas causas efetivamente públicas, teriam solapado de forma bastante razoável questões como a fome, a miséria, doenças e exclusões.
Não é preciso grande exercício analítico para deduzir que em algum ponto da periferia da sociedade, ou mesmo de seu centro, surgiriam repúdios mais veementes e que não se pautam pelas mesmas razões “civilizadas” da barbárie em curso.
A síntese é que barbárie por barbárie e diante da ausência de resistência efetiva, alguns se cansam de ter paciência. Contraditoriamente parcela significativa da esquerda parece se distanciar, cada vez mais, da “desobediência civil” às causas do capital.
A partir dessa perspectiva, eu prefiro não lançar pedras, mas se o fizer, prefiro seguir mirando os reais adversários. Não vejo ganho algum à causa progressista em abrir polêmica pública com os Black Bloc quando eles são, no máximo, reação ao status quo. Nada de novo há no rugir das tempestades. Nossos inimigos ainda são os mesmos.
O que me parece extravagante é que, diante de um agrupamento que se propõe a agir fora da ordem, alguns (ou vários) exijam deles, justamente que atuem por dentro dela. Ou seja que deixem de ser o que são.
Que coisa estranha!


Ressalva subjetiva
Antes mesmo de pensar se apoio ou não, preciso saber se, realmente, entendo. E não entendo algo se quero que ele seja o que não é. O nome disso é intolerância. Então, vamos condenar a intolerância (supostamente), nos somando às suas fileiras?
Como não pretendo ser porta-voz de nada, já antecipo que, desde sempre, considero incômodo o uso das máscaras. Elas, de fato, são um flanco que dificultam, por exemplo, a identificação dos infiltrados da polícia. Mas meu questionamento para por aí.
Não considero o anonimato o melhor caminho na luta política, mas daí a condenar de forma definitiva o uso de máscaras é uma atitude que me agrada muito menos. Palestinos os usam, bem como zapatistas, esses os que me ocorrem de pronto. Nesse sentido, preciso convir que entre questionar o uso e condenar o movimento, prefiro dizer que me incomoda, mas o pressuposto elementar no contexto da democracia é admitir que o outro tem o direito de atuar conforme suas convicções. Posso deixar de ser democrático com os BB porque considero que eles também o são?
E afinal, qual é o pressuposto necessário para que alguém queira cobrir o rosto?
Novamente recorro à conjuntura imediata. A reação que convencionou-se reconhecer por Anonymous utiliza as máscaras que estiliza (e eterniza) a imagem de Guy Fawkes para dispersar a atenção a esse ou aquele indivíduo. Curiosamente um período histórico que enaltece fetiches condena um movimento justamente por recorrer a um deles.


Black Blocs Sociedade Anônima
Seguindo adiante, a caracterização dos BB parece-me a primeira questão sobre a qual é preciso fazer considerações. Assim como o Anonymous, quem é que pode, de fato, dizer que os centraliza? Estamos diante de uma prática, não de um destacamento. Ainda que alguns se disponham a “colocar ordem no movimento”, a não centralidade é marca definidora. Será que nos institucionalizamos a ponto de renegar manifestações que não orbitem nossas convicções e ritos? Triste isso, está aí o germe do autoritarismo. A negação do outro em suas formas, condições e expressões.
A mim incomoda que “embarquem” nas “nossas manifestações”. Claro, mas daí a sugerir que, por exemplo, são o pretexto necessário à violência da polícia é de uma perversidade palpável. Desde quando a polícia precisa de pretexto pra descer a porrada? A PM está tão fora de controle que agora até ataca motoristas de ônibus em pleno exercício, largando passageiros no coletivo e obstruindo de forma absurdamente irresponsável o trânsito.
Pretos e pobres sabem muito bem que não precisam nem respirar pra levar bordoada da polícia. A primeira linguagem da polícia é a agressão. O idioma é de uso quase acessório. Se assim não fosse, nem existiria essa barbaridade chamada tropas de choque.
Acho que algum dia acreditei nessa tese de que nossa desordem era a responsável pelo recrudescimento da ação policial. Mas tenho ainda na memória as cenas de um longínquo 2000, em que durante o governo Covas, a polícia era lançada truculentamente contra os mesmos professores que hoje ainda seguem sua jornada por mais dignidade e respeito. Naquela oportunidade, talvez a primeira do pós-ditadura civil-militar a transformar a avenida Paulista numa praça de guerra, não foram os manifestantes, mas a bestialidade policial, ainda que sob a gestão de um devoto da democracia. Note-se que praticamente todos os atuais black blocs basicamente recém deixavam as fraudas.
A única finalidade da existência da tropa de choque é descer a porrada, seja nos bonzinhos, nos mauzinhos, nos tolos, nos bem intencionados, nos covardes e até mesmo em quem não tem nada a ver com isso. Vez ou outra chacinam presos.
O que me espanta atroz e profundamente é que pessoas esclarecidas acreditem e discorram sobre uma relação causal entre a as “depredações” e a violência policial. Até os irmãos Grimm são bem menos fantasiosos  que isso.
E o que me tranquiliza é que se o povo, de fato, se organizasse, não haveria choque ou exército capaz de detê-lo. Acho que excesso de ingenuidade é imprevidência. As pessoas estão assistindo o “movimento ordeiro” perder terreno ao longo da história recente.
Bem entendido, desde o marco histórico da constituinte (mitigado à época, lembram-se?) vimos sendo permanentemente acuados. Muito poucos resistiram aos avanços do neoliberalismo. e ao retrocesso democrático. Estamos aí, de volta aos sintomas da ditadura gorilesca (desculpem-me os símios) com bate-paus sedentos por hematomas.
Considerando que a coisa mais formidável que os governantes oferecem à plebe é o assistencialismo indutor do consumismo, por que negar a alguns o direito à impaciência? Só porque discordam do alcance estratégico da nossa mitologia política e paciência cívica?


A sagrada mercantilização do uso dos aparelhos repressores
Uma das bases dos estados autoritários (desses todos que existem no mundo, inclusive o Brasil) é deterem monopólio do uso da força. Ação coercitiva. Eu acreditei nesse postulado teórico por muito tempo, até que soube, tempos atrás, que os gastos com segurança privada no país superaram o orçamento das forças armadas e o contingente é maior do que o conjunto das forças policiais estatais.
As milícias legalizadas, são, há muito, a maior fração do aparato de “segurança” no país. Os jagunços dos latifundiários são os sucessores do esquadrão da morte plutocrático.
Parece-me certo que a escalada da violência não é a melhor via para a confirmação dos nossos direitos. mas o que não que me parece nem mesmo lógico é supor que as vítimas dos jagunços não têm direito a responder fogo contra fogo. Para mim a questão é tática, não de estratégia. às vezes o empenho de argumentação de alguns companheiros me faz supor que acreditam que quem leva porrada não tem direito a se defender.
Todos nós assistimos bestializados a profissionalização dos antigos jagunços e capitães do mato. Não houve maior repúdio à instalação progressiva e paulatina dos aparatos privados de segurança. Mas somos capazes ser laudatórios quando insurgentes se movem no mesmo sentido, na direção oposta. Porque será que uma manifestação insurgente tão comum no passado torna-se inaceitável para alguns, quando a violência dos opressores adquire requintes de crueldade que cada vez a aproxima mais da recém superada ditadura civil-militar?
Prefiro nem entrar aqui nas minhas considerações a respeito da ditadura constitucional instalada atualmente no país. Acho que as afirmações de que vivemos, de fato, numa democracia são exageradamente otimistas.
Concordaria com o monopólio estatal da violência 1) se o Estado efetivamente garantisse a segurança de forma isonômica; 2) que ele não terceirizasse, ou concedesse essa prerrogativa ao mercado.
Não vou condenar os BB, pois em nosso país, nada é mais violento que as próprias ações do Estado. Alguns acusariam minha heresia, mas a vocação para a tortura e crueldade praticamente faz parte de sua natureza, no entanto, a obrigação formal, ou retórica do Estado é proteger e dar segurança.
Há gente paciente demais relevando o fato de que alguém rendido, sob a custódia do Estado é sua responsabilidade. E isso vale, inclusive para as situações na principal exceção de violência que são as guerras, como não valeria para um contexto de cidadania.
Posso até insistir e reiterar que responder a isso com violência é equivocado. Mas como parcela da própria cidadania, que condições tenho eu de negar às demais vítimas o direito de resposta conforme for seu entendimento. Violência não é uma situação de grande relatividade. Alguém moralmente atacado pode agredir fisicamente quem o ataca. Outro, em defesa própria pode exagerar na resposta e tirar a vida do agressor.
Condenar a barbárie pelos seus sintomas é prestar um desserviço à causa democrática. Não me parece legítimo querer subordinar todos a terem a mesma paciência que nós.
A novidade é supor que determinada violência, porque premeditada, deve responder a um conjunto de categorias racionais. Talvez isso fizesse sentido se a violência estatal fosse pontual e exceção e não contumaz e corriqueira.


Qual a raiz da violência?
Especificamente nesse debate creio ser cabível uma exigência categórica do debate legal. Considerando o papel, prerrogativas e responsabilidades do aparato policial, de antemão, e na medida em que a truculência e a inépcia são marcas definidoras da atuação policial, não considero descabido, atribuir exclusivamente à responsabilidade da corporação policial toda a responsabilidade por qualquer dano ou violência física.
Já que a polícia não apresenta à sociedade os infiltrados sob seu comando, não há porque conceder-lhe o benefício da dúvida. Esse benefício eu reservo aos BB.
Infiltração, ou melhor, espionagem (está em voga!) oficial em torno dos grupos insurgentes é quase mais antiga do que a própria insurgência. Nos meus quase 50 anos de vida, não creio existir algum momento em que a gorilagem oficial esteve um passo atrás sequer dos movimentos sociais em termos de táticas de ação.
Nas manifestações do meio do ano, não só os policiais infiltrados inauguraram  depredações, como emboscaram militarmente os manifestantes. Não tenho absolutamente nenhuma razão para confiar que exista alguma disposição na polícia que não seja fascista. O que não farei é ditar a cada um a forma como deve manifestar seu desagrado com a truculência.
A resposta necessária é a cessação da hostilidade oficial. O respeito aos manifestante. Num plano mais amplo, é o fim da exploração, da exclusão e da intolerância. Eu posso me contentar com uma resposta retórica sobre os passos necessários à revolução, mas hierarquizar teoria e prática nesse nível beira a leviandade.
Força policial que é lançada armada contra a população e mira na cara dos manifestantes é fascista. Simples assim, e o erro de um que fosse já condenaria toda a corporação.
Não posso obrigar que todos respondam a isso fugindo da polícia. A lista de agressões não é banal ou tolerável:
A repórter Giuliana Vallone, o jornalista Fábio Braga, o repórter fotográfico André Borges,  a professora Maria Bernadete de Carvalho, todos foram atingidos no rosto. NO ROSTO! Como a PM é ruim de mira, não? Ou é boa demais? Mas não para por aí.
O fotógrafo Sérgio Silva, está cego de um olho. A gari Cleonice Vieira de Moraes, morreu sufocada pelo gás lacrimogêneo. Isso e centenas de outros casos, sem falar nos garrotes, espancamentos, humilhações e até cantadas. Quanto falta para que ocorram estupros?
E temos tempo e paciência pra fazer ressalvas aos BB? Louvo a capacidade teórica dos camaradas.
Por falar nisso, não sei de notícia de algum ferido por ação dos BB. O que tenho visto é “dano a patrimônio” Aí outro tema instigante (Esse texto foi todo gestado até o pico das manifestações dos professores do Rio em meados de outubro. Alguns fatos reiteram o que eu já disse, mas há elementos ainda mais escandalosos. Para não prejudicar essa abordagem introdutória, deixo as considerações sobre as situações posteriores para outra análise).
Não me causa absolutamente qualquer comoção a quebradeira nas instalações corporativas. Nem mesmo saques são vistos com a frequência esperada. Acho que já estaria em tempo de evoluirem também para estilingues e bolas de gude. Porque não destacamentos de infantaria e artilharia?
Podem nem mesmo ser algo consciente, ou voluntário, mas os BB são, uma resposta às décadas de baixa efetividade dos movimentos por dentro da ordem. Dito de outra forma, BB são consequência, não causa. A linguagem da violência atinge a população, muito antes de retornar ao Estado que a origina, ou à civilização que a fomenta. Talvez caiba indagar porque só agora?
Surpreende-me a facilidade com que alguns companheiros deixam de lado a genealogia da violência em manifestações. A violência incontinente tem partido do Estado, sendo que sua função precípua seria proteger pessoas, não espancá-las. Não há outro responsável pela violência e as ações que dela decorrem que o próprio Estado em todas as esferas e poderes. Vide Pinheirinho!
A disposição do Estado em ser violento é que é absolutamente inadmissível. Quem autoriza e chancela a truculência está autorizando a vítima a adotar as medidas que considera cabíveis. Mas os BB não estão marchando contra os soldados, estão atacando instalações, símbolos do patronato da opressão.
E mesmo assim, nada que tenha ocorrido por ação de qualquer civil justifica tanta violência policial. Nem mesmo molotovs, se é que algum partiu de populares. Por precaução, devo lembrar que todos são inocentes até prova em contrário. Dúvida que já não alcança a polícia pois só eles usavam balas de borracha e, novamente, numa corporação militarmente hierarquizada o erro de um condena a todos.
As pessoas relevam com muita facilidade que esse Estado produziu Carandiru, Eldorado do Carajás, e sua omissão e leniência condenaram milhares na luta contra o latifúndio, Índios, retirantes, pequenos produtores, assentados.
Às vezes parece-me que a memória da esquerda anda perigosamente curta ou seletiva em relação a um dos incidentes cruciais da nossa história, a bomba no Rio Centro. Era pra ser um pretexto para um novo recrudescimento da ditadura, posto em prática pelos setores que discordavam do “abrandamento” da truculência.
Quem está ajudando a banalizar a violência é justamente quem acha que deixar que ocorram é a resposta adequada. Às vezes somos perversos, nós mesmos admitimos as baixas como efeito colateral.
As comoções que provocam à esquerda deveriam ter ocorrido reiteradamente a cada estrangulamento, cassetada, ou gás lançado pelo aparato repressor. Mas a mensagem que passamos é: a violência policial é inadmissível, mas é um fato. Então vamos tutelar e conter a resposta violenta dos meninos que ainda não entendem como os adultos fazem política. Espero nunca envelhecer a esse ponto.
Temo pavorosamente acabar ouvindo de algum companheiro que sabotagem ocorrida nos primórdios da organização de trabalhadores é tática inadequada ou não é válida.


O hipnótico conforto da barbárie.
Para mim o uso da violência contra o aparato dos opressores e eles próprios é e sempre foi mera questão de correlação de forças.
Admito que essa opinião deva ser cada vez mais minoritária. Ocorre que algumas críticas à guisa de atacarem as táticas dos Black Blocs passam, a meu ver, perigosamente próximas de legitimar o uso da força como exclusivo à defesa da ordem.
A mim soa aterrador que a insinuação de que a luta das massas deva seguir dentro de uma margem de conforto cívico institucional em que as violências policiais sejam tidas como mera contingência à qual devemos nos submeter passivamente (bem entendido, nem mesmo Gandhi cometeu tal leviandade, mas esse é um debate tangencial).
Não ignoro o risco de uma escalada de violência que pode levar a impasses. Mas alguém acredita realmente que o lado de lá vai esperar que reunamos condições ideais para apeá-los do poder?
Há pouco tempo, o campo progressista se estatelou contra uma muralha antireformista colocada em marcha antes mesmo que a Constituição Federal fosse aprovada. Ao longo desse tempo, temos visto antigos revolucionários cedendo táticamente ao reformismo. Embora o neoliberalismo tenha sido colocado em cheque, também nossa prática o foi. Agora, de reformistas, nos apegamos desesperadamente a uma pauta conservadora (ou mesmo formalmente reacionária, vide reversão da reforma da previdência). Quem avança é o campo politicamente reacionário. E não existe no horizonte qualquer vislumbre que iremos deter seu avanço.
Por que haveriam, novas gerações, de acreditar que os que seguem à frente das lutas sociais são capazes de apontar as melhores vias e métodos?
Também nesse contexto é apropriado invocar o tema da desmilitarização da polícia. A meu ver, é ela que justifica a violência e fomenta o crime organizado. Parte do que embala a existência da polícia é a exclusão política, social e econômica e ela existe para proteger o status quo que é venal, e não as liberdades.
Lamento que companheiros se entusiasmem em ponderar sobre erro e acerto de táticas violentas CONTRA COISAS quando temos um estado assassino que mata tanto ou mais que algumas guerras civis mundo afora. Violenta é a fome, dizia um amigo, o descaso, a corrupção, as discriminações, a criminalização dos movimentos.
Não pratico e não proponho uso da força (pelo menos por ora). Mas considero um contrassenso pautarmos como preliminar que Black Blocs e congêneres (exceto os bandidos “à paisana”) não podem depredar. Quantos desses agrediram pessoas que estavam se manifestando? Não soube de um caso, sequer. Então, podem não concordar com o que defendo, ou não estarem alinhados à minha luta pontualmente, mas estão longe, mas muito longe mesmo de serem meus adversários.
Parece até que o capitalismo no país não é predatório, violento. Essa leitura rasa de que violência material é tão grave quando as humanas é de uma infelicidade dolorosa.
BB são mais plausíveis que a luta armada, pois não está em questão a tomada de poder, apenas o transtorno cívico e material. Considerando a vocação absolutamente patrimonialista do capitalismo, não estão indo na veia, mas estão apenas falando uma língua que os opressores entendem muito bem. A tomar pelo pavor da mídia, braço ideológico da elite, entendem melhor do que a movimentação ordeira e pacífica que já faz parte da paisagem que está muito pouco preocupado com as prioridades efetivas da população.
Como uma dose quase inócua do próprio veneno do opressor que não vai destruir, mas gera contratempos e inconvenientes.
Pessoalmente, acho a tática dos BB menos nocivas e mais interessantes que as conciliações de classe à qual aderiram setores dos movimentos organizados, em particular o sindical.
Reações como Black Blocs existem, inclusive, porque as soluções "pacíficas e ordeiras" têm sido incapazes de produzir (ou conquistar) democracias saudáveis, livres da tutela e truculência.