quinta-feira, 12 de maio de 2016

O fator da crise é a legitimidade

Démerson Dias

A Justiça entra em campo quando a Política deixa de ser possível. Trágico é que o PT tenha precisado se apegar a firulas legais para tentar defender sua legitimidade. Trágico, não para o PT, para o país, já que o partido precisa assumir o ônus de seus equívocos. Lamentável é que o país todo tenha que fazê-lo solidariamente, ainda que num nível menos definitivo. Ainda assim, o país tornar-se uma democracia de fato é responsabilidade de todos.
Fala-se muito sobre o momento atual brasileiro, mas pouco se tem a dizer. Do lado dos ufanistas da ordem e progresso, temos, setores despejados diretamente dos confins das caquéticas aulas de educação moral e cívica, repetindo razões desconexas, bordões, ou puro besteirol, constituídos a partir de “verdades eternas” inventadas pelo marketing.
Não são diferentes da propaganda em que cada comerciante jura que tem o melhor produto do mercado, ou que vende produtos personalizados feitos nas linhas de montagens chinesas. O país acalentado pelas fileiras do ódio é impossível. A moral e os bons costumes são a fachada primordial dos piores canalhas. A vida é plural, e todos nós somos falhos. Podemos realçamos apenas nossas mazelas ou construir um país na soma das nossas virtudes. Mas não é possível, defender um país livre apostando no salve-se quem puder.
É como um dos líderes do movimento anticorrupção ser um corrupto contumaz tungando, inclusive direitos trabalhistas.
Crise política, crise econômica, crise fiscal, crise moral, crise de governabilidade. Essa última palavrinha bem que deveria ser abolida do dicionário político, simplesmente porque não existe como unidade lógica é uma invenção neoliberal para afirmar que governos precisam agradar apenas os donos do dinheiro, do contrário serão desestabilizados.
Estamos nos aproximando de um fenômeno político interessante que é o acirramento da contradição entre a ditadura burguesa, dita democracia e a realidade que esbofeteia os brasileiros cotidianamente. Não quero dizer que o o confronto final está ali na esquina. Mas que nossa realidade toca a crise de legitimidade da democracia, perdão, ditadura burguesa em voga no país.
Insisto em ditadura por razão filosófica. Nem de longe o país vive em conformidade com o que espera, necessita, ou acredita a maioria, e é essa quem arca com o ônus mais pesado da sustentação do país. Uma vez que não existe equidade, que o custo fosse, ao menos, proporcional (se tem que haver ditadura, que, ao menos, seja da maioria, diria Marx).
No caso presente, há um aspecto da legitimidade que corresponde à fisiocracia que caracteriza a política. Outro, um pouco menos raso, consiste na contradição superficial entre as ambições do lulismo e o confronto entre essas e a realidade. Lula era um bom costureiro. Aparentemente imbatível, conta a história recente. Mas um estrategista desastroso. Quase supreende que só agora isso esteja evidenciado.
Confesso que nessa esparrela, minha solidariedade está com Dilma. Em seu lugar, com seu perfil, eu jamais teria admitido concorrer à vaga para a função máxima da articulação política do país. Entendo que a realidade lhe pareça dramática.
O que é ilegítimo no país é o próprio uso do poder e o equívoco do lulismo foi supor que as víboras com as quais concorre se pareceriam com os leais companheiros da esquerda do PT e da CUT, sempre tratados, no mínimo, com desdém, via de regra com truculência bastante parecida com a que vive agora o PT. Manipulações, destruição de reputações, isolamentos e, por fim, uma reapropriação da ditadura anterior: o PT, ame-o, ou deixe-o.
Mas a ilegitimidade decisiva está na exclusão patrocinada pelo modelo político e econômico que se contrapõe à necessidade de existência digna de praticamente toda a população do país.
O PT dispôs o país a corrigir as distorções mais graves, sem onerar os principais exploradores. Ao contrário, manteve e aperfeiçoou o conluio entre governo e os “de cima” pela expropriação da riqueza gerada no país por todos, mas que é destinada a muito poucos. Diante da quase absoluta incapacidade para o diálogo político por parte do governo Dilma, faz sentido que a parcela mais ávida dos donos efetivos do país, prefiram albergar na direção política alguém mais parecido com seus desvios de caráter.
Eis o que condena Dilma. Lula tinha maior empatia e verossimilhança com os exploradores. Dilma é apenas uma infeliz burocrata que um dia pensou entender a que se prestava seu mandato. Como o PT no poder nunca se dispôs a democratizar o país, o peso da truculência política agora recai sobre seu mandato. A legitimidade popular idealisticamente é vã, ou se expressa pela contundência das ruas, ou é adequadamente sujeitada num escaninho formal das instituições, vez ou outra e por conveniência rotulada de opinião pública.
Democracia alguma comporta o capitalismo. O esforço para mantê-los conexos lança o mundo em crises sucessivas, às vezes cumulativas. A democracia foi chamada para escudar os 12 (ou mais?) trilhões de dólares exterminados pela pujante volúpia da sagrada economia de mercado. Seu bastião: o Estado, não é apenas conivente com a corrupção oficializada da expropriação de riquezas, é seu patrocinador. Pelo visto é preciso vestir uma toga num recanto inexpressivo do cenário judicante para se deixar engabelar pela fantasia mais mal ajambrada dos últimos três séculos: A corrupção possui responsáveis, começo, meio e finalidade.
Só mesmo um obscurantismo avassalador para validar uma travessura tão desinteligente.
A suposta democracia do país, de democrática tem muito pouco. Aliás, pouco mais do que o suplício, digo, sufrágio universal, que, por sua vez, possui mais validade para a vigilância pública do que para a democracia.
De tão bizarro, pouca gente realçou que manifestantes pró e contra impeachment reivindicam basicamente um mesmo país. Estudantes clamam ao país condições mínimas de dignidade, que são dilapidadas pela desfaçatez governante. O que torna ainda mais assombrosa a inabilidade do até então principal partido progressista dessa fase republicana (e que, não por acaso, foi o partido de Paulo Freire e Sérgio Buarque de Holanda, dentre tantos).
E quem há de negar que saúde e educação, ou seja temas cruamente sociais são mais importantes para todo o país, do que a sustentação dos agiotas? Sendo bom que se diga, que são os agiotas também os operadores principais da corrupção no país. Onde, raios pretendem chegar nossos governantes?
Impedimentos, interdições, juizes peraltas, novas eleições, corrupção, e quantos engôdos mais se pretender elencar, não irão aplacar a necessidade de mudança de modelo socio-político. A sociedade está buscando uma proximidade maior com o status político dos países que nos são referência.
Se aulas de história e geografia cumprissem seu papel curricular (que o lulismo também negligenciou), a população teria clareza que tem como ideal político a social-democracia europeia. O país não flerta com o Estado mínimo e a livre iniciativa, apenas os mais iludidos com o apocalipse capitalista. Nossa raiz lusitana e latina, felizmente entende que o todo da sociedade deve incluir as garantias gerais e permitir que as pessoas possam cuidar de seus valores primordiais. Sem indigências, exclusões, explorações ou injustiças.
A crise que vemos nas ruas, muito mais que uma luta anti-governamental, é o prenúncio de que uma primavera brasileira está em germinação. Sem prejuízo de que dores e desesperos se instalem antes do desabrochar das flores. Diante da ausência de representatividade política, a sociedade espera dar a luz a um país. Nem que seja a fórceps.


Démerson Dias. Trabalha há 29 anos no Judiciário Federal tendo sido por 20 anos dirigente sindical nessa categoria.

Lula e o legado da demagogia

Démerson Dias


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Foto: Acervo Memória Sindical - Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo em comício pelas Diretas Já, Praça da Sé, São Paulo, 25 de janeiro de 1984. Foto Quilica Saia.

Evitei fazer as críticas maiores a Lula para não parecer que legitimava o golpe, ocorre que mesmo o tema golpe só faz sentido dentro de uma percepção democrática da política e Lula não fez avançar a pauta democrática interna do país. Fez mais pelo mundo, nesse sentido, do que por nós mesmos, e suponho que o mérito maior seja da turma do Celso Amorim. Para que o país não se tornasse golpista era preciso ter apostado fortemente numa inflexão profunda na democracia e na política educacional. Construir escolas, abrir vagas são medidas de impacto econômico, não pedagógico. Pra não falar no financiamento ao ensino privado, o BNDES das pastelarias de ensino. Um engodo no lugar de política educacional.
Evidente que a inclusão social além de pauta política é também uma pauta democrática, ocorre que Lula deliberadamente abriu mão de potencializar a democracia nessa área quando sabotou o próprio projeto de segurança alimentar. Não por outra razão, a primeira debandada à esquerda no governo Lula foi desse setor, inclusive Frei Betto.
Esse aspecto por si só já explica Lula e seu legado. A ver o povo tomar o poder (inclusive econômico) com suas próprias mãos, preferiu deixar o poder para si e usá-lo como barganha com prefeitos principalmente da oposição. Não me lembro de notar Lula comprometido com a democracia interna no PT e CUT, sempre esteve do lado dos opressores. Aliás, os opressores é que agiam sempre a seu serviço.
Quando comecei a escrever esse texto, Rodrigo Janot, Procurador Geral nomeado por Dilma Rousseff estava descendo a lenha nela, em Lula, e todo mundo que algum dia já tenha cruzado na rua com algum petista. Parece que esse menino, Janot, já considera há tempos, o PT como cachorro morto e deu tesão chutar. Nas conclusões, já é o dia da votação no senado afastando Dilma.
A debacle institucional do Lulismo teve início com a investida rasteira de Joaquim Barbosa sobre a trupe Lulista. Inclusive seu suposto braço direito, José Dirceu. Barbosa também foi nomeado por Lula, segundo este, porque não havia outro negro com currículo que fosse páreo para o dele. Se tivesse estudado Marx, Lula saberia que o conhecimento é fundamentalmente ideológico. E o Supremo Tribunal Federal é uma casa política por excelência. Se não colocamos ali os representantes do pensamento mais arrojado do país, prioritariamente acima de qualquer outro critério, estamos apenas contribuindo para que o Supremo seja uma casa de oportunistas do “status quo”.
PGR e STF são apenas o creme e cereja do confeito lulista para o serviço público. O lulismo sempre teve aversão ao Estado, e, surpreendentemente, aos funcionários públicos. Eram os petistas, mais conscientes e comprometidos com causas efetivamente sociais que defendiam o setor público. Lula, pelo visto, cuidou apenas de consolidar seu cacife para ir assumir os interesses do capital à frente do Estado, essa ditadura de classe, como dizia singelamente Marx.
FHC privatizou o pensamento estatal de inúmeras maneiras, inclusive a formulação de uma concepção de Estado. Neoliberalismo tropical. A pretexto de profissionalizar o setor público, Lula levou a cabo um processo de elitização, privatização (agências reguladoras) reacionarismo e estratificação social. Já que nomeou Barbosa, deveria ter se empenhado em cuidar da inclusão dos excluídos sociais no serviço público. Ao contrário, flertou com os filhos prediletos de um modelo de ensino privatista, estreito e obscurantista. Advocacia Geral da União e Polícia Federal são polos francamente reacionários (recentemente a Fenapef - outrora combativa organização dos policiais federais ameaça estrangeiros de prisão e extradição caso se manifestem politicamente, coisa típica de talebans e estado islâmico), para não mencionar a própria procuradoria e judiciário.
Lula atualizou o neoliberalismo de FHC criando algo muito distante do desejável e próximo demais das verdades de seu antecessor.
Ironicamente, Lula está sendo carcomido justamente pelos setores que buscou legitimar, dando as costas aos heróis petistas históricos, existentes nas áreas sociais, da saúde, educação etc. Equivoco cavalar na cadeia alimentar política. Carisma não locupleta os cletocratas. E política à esquerda se faz com base de sustentação social sólida, não com bajuladores.
O que presenciamos é o angustiante desfecho do lulismo após três mandados à frente da Presidência da República. O Lulismo deu nisso. Ação e reação, causa e consequência.  Por mais que meus amigos petistas clamem o contrário, ou se ressintam das minhas palavras.
Poder-se-ia dizer que destino histórico pior sofreram os que perderam as eleições para o Lulismo. Eu contestaria (formalmente, agora o programa derrotado chega agora ao poder sem intermediários). Grave é que não estamos falando de qualquer governo, nem qualquer partido, e sim, da maior e principal promessa histórica das esquerdas na América Latina, com repercussão sobre o mundo. Há um argumento importante, a crise de rumo do neoliberalismo. Mas este explica os percalços, não os equívocos.
Meireles o czar do banco central no lulismo volta agora ainda mais soberano para concluir, não o projeto fernandista, mas a versão revisada pelo lulismo da reforma da previdência. Kassab, queridinho de Lula no desmonte do antigo PFL simplesmente trocou de cadeira. E Dilma ao sair, leva seus ministros, mas deixa Tombini, prestigiando o mercado falando em transição “segura” na área econômica. Ou seja, mesmo caindo, o lulismo não perde a oportunidade de beijar os pés do mercado.
Custa crer que esperam que alguém de esquerda se comova com o despejo petista do Planalto.
Concretamente, Dilma deveria ser apeada do cargo pelos seus eleitores. Lula deu um passa moleque nos apoiadores históricos (bem entendido, a lutadora classe trabalhadora do país), com a “Carta aos brasileiros”, há seis meses da eleição. Dilma foi ainda mais foi desastrosa. Prometeu uma coisa, para garantir uma vitória apertada no segundo turno e correu para cumprir a agenda derrotada e antissocial. Nesse sentido, não é um destino imerecido. Os tucanos se tivessem vergonha na cara deveriam se sentirem ultrajados por oferecerem o ônus do programa de governo, mas sem ter acesso ao ônus dos milhares de cargos em comissão existentes na união federal.
É possível que Lula recupere seu “capital político” (para ele, faz sentido a expressão) mas nada o protegerá historicamente de ter contribuído para lançar o país numa aventura conservadora e golpista.
Se o mote político de Lula for apenas ter sido vitimado por um golpe, ele estará apenas aprofundando obscurantismo que ajudou a sacramentar. Bem entendido Lula aliou-se aos papas (ou melhor, bispos) do obscurantismo e nesse sentido foi mais ousado do que os tucanos, de outro lado corroborou com a deslavada tutela do agiotismo institucionalizado garroteando ainda mais a democracia e a economia do país.
A tese do golpe faz sentido quando nos posicionamos no polo progressista do campo político e não é automática a inclusão de Lula nesse polo. Para os aliados de Lula faz muito sentido pensar que ele próprio vem golpeando a democracia ao não dar o “legítimo” espaço aos seus aliados. E Dilma elevou isso a degraus  insustentáveis, por isso cai. Bem entendido, Dilma presidenta, invenção de Lula.
Considero nada aberrante a hipótese de Lula ter remedado Jânio Quadros oferecendo uma overdose de Dilma para que, ao final de dois mandatos, ele saltasse para a história como o melhor que o petismo tinha a oferecer ao país. E sendo aclamado como a versão ilustrada e palatável da política assistencial no país. No entanto, Lula abusou das chances de cometer erros.
Ainda que ressuscite, caso o faça sem autocrítica pública, caberá à esquerda progressista reiterar não apenas as promessas traídas pelo lulismo, mas, sobretudo o atraso que impôs à pauta progressista e à unidade da esquerda.
O país “dividido”, convenhamos, não é produto do governo Lula. Mas irrompeu sob seu domínio o ódio de classe. E o que fez seu governo, ao menos para entender, se não combater, o fenômeno? Seja por arrogância, seja por estupidez, Lula não foi capaz de realizar nem mesmo um solavanco na mediação capitalista da nossa democracia. Relegou tudo ao capital. Lula, decididamente colocou o velhíssimo Joaquinzão (CGT) no chinelo.
Era incabível para a vaidade de Lula, escalar um quadro político experiente para sucedê-lo. O risco de ter outro lhe fazendo sombra deveria atormentar o petista desde os primórdios, acostumado que ficou com uma bajulação nauseante à sua "liderança incontestável".
Tivesse respeitado e delegado atribuições a outros petistas, aos operadores sociais, base histórica e estratégica do petismo, que tornou o PT o palanque formidável para o Lulismo, seu sucessor petista ainda estaria sendo ovacionado por uma segura maioria. A oposição de direita, não apenas estaria constrangida, como a parte dela que é fisiocrata estaria comprometida com os projetos sociais do lulismo.
Lula correu para abraçar seus novos parceiros dando as costas àqueles que lhe deram vida, eis o abraço de urso, ou a facada nas costas que ele ganha pela fatídica escolha.
Nesse aspecto, é bom que se diga, lula privilegiou setores do estamento sindical e dos movimentos sociais, mas apenas aqueles que colocavam o partido acima da classe e Lula como mentor incontestável. Esses foram para os cargos na gestão pública. Mudaram de vida, ao invés de criticar e combater as chefias autoritárias passaram a nomeá-las. Se Dilma é traída pelos aliados, o que dizer das bases sociais do  PT?
Não sei se Lula quis fazer graça com a esquerda crítica, ou se cometeu o equívoco banal e vaidoso de se julgar mediador político no país. E ainda que se recupere, o fato é que a primeira investida do Lulismo no poder vai sendo encerrada de forma miserável. Considerando o apogeu que alcançou, é um tombo impressionante.
No início de 2003, já em vias de ruptura com o petismo, estive em uma reunião de um setor até hoje  fiel ao lulismo e defendi que a melhor (ou única) alternativa de Lula seria promover uma radicalização democrática no país. A única voz naquele evento que, como eu, não aderia incondicionalmente ao lulismo falava em choque republicano apontando para o mesmo sentido. Será que o PT é um partido politicamente surdo, ou é somente incompetente para a disputa política real?
A questão é que política distributiva assistencialista é ótima enquanto não é assimilada culturalmente. Caso não seja lastreada em bases políticas e econômicas sólidas converte-se em armadilha. Lula ousou pouco demais, se é que ousou em algo. De minha parte, reitero que o primeiro grande desastre do lulismo, foi alvejar o funcionalismo logo no início de 2003. Invocando governadores para uma simbólica cruzada para vandalizar os direitos de aposentadoria do setor público.
O único setor que conseguira até então, conter, na luta, a onda  neoliberal fernandista, mas o petismo mudou de lado. Aquele fatídico movimento do lulismo a um só tempo, cindiu a organização de classe, a CUT, como estendeu um tapete vermelho para o saque da gatunagem financista sobre os interesses da coisa pública. Se Lula supôs que teriam uma moral virtuosa para conter a voracidade dos saqueadores, errou miseravelmente.
Assim como é certo que o PT não faz o governo mais corrupto da história (ranking idiota, convenhamos) o Congresso que cassa Dilma não é mais corrupto do que o que deu sustentação aos três governos petistas. E o que fez o PT ao conviver com os 300 picaretas com anel de doutor? Aliou-se a eles.
Nem sequer se pode dizer que Lula adotou qualquer salvaguarda para, ao menos, constranger a corrupção. Supostamente deu maior liberdade para investigação. Mas qualquer partido, menos o PT, poderia supor que corrupção é meramente questão policial. Daí que o PT ser surpreendido cometendo os mesmíssimos expedientes seria hilário, não fosse aberrante.
O PT padece pelo preconceito histórico do grupo lulista com a esquerda formal. Por mais que diversos de seus quadros tenham se radicalizado em suas origens. Sobretudo por não notar que essa esquerda, no Brasil, é fundamentalmente anti-estalisnista, ou seja formalmente heterodoxa em relação ao “socialismo real”.
O que cai no chão hoje não é o governo Dilma, mas a concessão à direita empreendida pelo lulismo. Como alguém que chega ao poder pretendendo tosquiar a lã e sai tosquiado.
Pelo que vejo, percebendo ou não, o Lulismo deixou-se ser devorado por dentro, por uma fera que se assemelha ao Alien da ficção cinematográfica. A diferença é que Lula teria se oferecido como receptáculo (hospedeiro?). Se assim for, a “semente do mal estava incrustada na vaidade, ou presunção, do próprio Lula.
O mote desse texto cairia bem num calhamaço acadêmico, sendo que o desfecho onde pretendia chegar era exatamente nessa imagem. Tanto pior que o coração do Lulismo possa estar sendo explodido por um embrião de Alien. Mas isso não chega nem perto do destino aterrador que parece acenar no futuro, com o monstrengo já maduro, irrefreável e faminto de mortes. E Lula acalentou essa fera.
Nunca faltou petista afirmando que todo e qualquer problema vivido pelo lulismo era culpa das esquerdas que não aderiram cegamente à egotrip Lulista.
Fato é que o governo do PT enfraqueceu, corrompeu a esquerda e desmoralizou  suas práticas. Tanto pior que a esquerda, de um jeito ou de outro, terá que superar mais essa cilada petista, só não temos razão para chorar abraçados, nossas dores são maiores e algumas delas causadas pelo Lulismo.
Estaremos mais uma vez nas ruas resistindo pelos direitos da classe trabalhadora. Novamente tendo que consertar as presepadas dos lulistas. Nunca acreditamos em governo dos trabalhadores pautado na conciliação de classes. Lula delirou que seria ele o próprio algodão entre os cristais.
Importante frisar que o lulismo não cai por levar adiante um programa de governo de esquerda e sim por mimetizar de forma estabanada um programa de direita. Não foi por falta de aviso.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Delinquência Republicana

Um Executivo desgovernado, um Legislativo que é simultaneamente réu e juiz e um Judiciário arvorando-se partido tutor das instituições e o povo bestializado.
Sempre que pretendo fazer uma síntese do momento político do país deparo-me com a insuficiência de condições para resumir uma história em andamento com disposição irrefreável para produzir bizarrices. O Brasil tornou-se uma instalação  surrealista composta por artistas de talento precário e altamente duvidoso.

O povo, o Judiciário e os idiotas da objetividade
O país vive um surto de exaltação delirante aos idiotas da objetividade. A mídia, cada vez mais goebbeliana produz informações milimetricamente calculadas para induzir humores tais e quais em seus súditos (ledores e audoentes). Economistas selecionam os piores indicadores, encobrindo as implicações globais e a reestruturação produtiva, para forçar os arreios da economia contra os interesses da sociedade e a favor da expropriação vertiginosa das riquezas (e, isso, o governo endossa). E, nos últimos tempos, assistimos o engajamento de um novo grupo de finórios oriundos do Poder Judiciário.
Esses últimos, estão se arvorando a fazer a reforma política que os país não fez. Esse mandado de injunção “extra petita” evidencia que a república, e não apenas ela, está doente. A democracia está na UTI.
De tão gritante as estripulias brasiloides, até a mídia internacional conservadora começa a mencionar o descalabro da situação golpista no Brasil. Seria de dar dó, já não desse nojo.
A sociedade que vai às ruas pedindo providências e mitificando o judiciário (apartemos os viúvos de 64) embala uma deturpação republicana perigosa, que sabota o árduo avanço da democracia que palmilhamos nessas primeiras décadas, em que buscamos alcançar aquele padrão civilizatório elementar, o instituído na declaração dos direitos humanos. Convém frisar, padrão sem o qual não iremos, sequer, conseguir convencer nossa próprio classe, da necessidade de superação do capitalismo.
No Brasil, os delinquentes no poder fazem questão de exigir um país com os requintes dos países centrais, mas com a permitividade à bandalheira e achincalhe que patrocinam em nossas instituições, nas vidas públicas e coletividades privadas.
No ordenamento político, constitucional e jurídico vigente, o Judiciário é o Poder conservador por natureza. É o responsável dentre outras coisas, por prevenir que o Estado não aplique ou pratique atos que não tenham sido sacramentados em lei, sob o pressuposto ‘positivo’ de que a lei expressa a vontade e o pensamento geral da sociedade.
Por isso também, o Judiciário, em suas atribuições judicantes, não age “de ofício”, somente quando provocado, e o magistrado é o polo ‘independente’ entre os que acusam e os que se defendem. Ou era assim, até Joaquim Barbosa subjugar o ministério público enquanto acusador, no julgamento do “mensalão”. Surpreendentemente, seus pares não apenas não contestaram tal deturpação, como endossaram com tímidas e esparsas ressalvas as estripulias do colérico magistrado.
O julgamento do mensalão e o lava jato são, na verdade, o que, em lógica, chamamos de “argumentum ad hominem”. Um dos exemplos mais crassos e pérfidos de falácia. Essa frase pode soar petistóide ou lulista. Mas minha preocupação é muito menos prosaica e bem mais cautelosa. É quase absoluta minha certeza de que ninguém, incluídos, Joaquim Barbosa e Sérgio Moro, admitiria ou deixaria de se insurgir, caso prevaricação de tal magnitude repousasse contra si.  Deve ser por complexo e culpa que o lulismo não reage a altura (isso e a surpreendente tolerância de José Eduardo Cardozo ao achincalhe contra o poder constituído).
E sob risco de me considerarem estupidamente burguês, qualquer um que já tenha sofrido perseguição arbitrária será capaz de entender que condenação alguma justifica a punição a um inocente que seja.

O golpismo dentro e fora da ordem
A confusão para entender o que é golpe, o que é rito e o que é simplesmente barbárie não se deve apenas ao festival de bizarrices. A esparrela em que o PT se meteu , e consequentemente ao país,  diz respeito, sobretudo, à cristalização da democracia mitigada sob a vocação da inserção consumista das classes excluídas. O Lulismo, indigente de ousadia, preferiu manter o povo a pão, circo e linha branca, sem garantir ampliação do protagonismo democrático. Poderia ter feito, acho que não é do feitio do lulismo ampliar espaço de poder que ele pode ou pretende tutelar (vide o semi-revolucionário programa de segurança alimentar, abortado inapelavelmente no nascedouro em troca de barganha com prefeitos).
Diante de um Prometeu que se recusa a compartilhar o fogo, ficou fácil para o campo conservador assumir espaços em que o PT deixou ociosos. Daí que parece milagre a direita, os conservadores, os falsos liberais e até mesmo os viúvos de 64 seguirem as pegadas deixadas pelo petismo retificado e darem vazão a um povo disposto a transformar as cartilhas de educação moral e cívica em agenda de mobilização.
Não faltam nem os bons costumes e o ufanismo com aquela seleção canarinho que já morreu à estilingadas décadas atrás (e hoje é símbolo mor da corrupção no Brasil e no mundo. Pra que ironia maior?).
O conflito mais pitoresco está entre a intentona judiciária e as sarandalhas da boquinha fisiocrática. Não foi a desmoralização de Dilma tentando blindar Lula do Moro que precipitou a agenda golpista. Foi a proximidade do Sergio MIB dos alienígenas do interesse publico, de Cunha e Temer. Assim como Antonio Ribeiro de Andrada, os prestidigitadores do Legislativo decidiram depor Dilma antes que Moro e cia depusessem a todos.
Esse é o ponto em que a intentona Moro mais se aproxima da fase desmoralizante das mãos limpas italianas. Tirar corruptos amadores e burocráticos do poder para entregá-lo ao que há de mais exímio em competência corrupta. Lá, Berlusconi, aqui o PMDB.
Esses movimentos vem encobrindo pistas importantes para uma análise sóbria do momento político. A esquerda, especialista em fragmentação, tem dificuldade enorme em reconhecer que o campo capitalista possui suas próprias contradições e até aporias.
Vendo o pau dar em Chico, Francisco, Frank e Francis, parcela da esquerda é incapaz de, dialeticamente, entender a que distância está cada um deles dos interesses democráticos e/ou progressistas. Sintomaticamente tascam um cômodo “fora todos” como se houvesse estrutura política no país para fazer esse lema configurar-se em avanço democrático.
O Fora Todos acaba por reforçar um darwinismo político. Erro que o lulismo também comete. A certeza mais plausível é que o que sobreviver ao fora todos será o mais anti povo possível.
A capacidade estratégica da esquerda vem se degradando assustadoramente.

Críticas de esquerda à Lava Jato
Essas reflexões tardias, são parte de um conjunto de reflexões que, a contragosto, venho acumulando e que, já não sei em que medida, faria sentido divulgar. A realidade nos assombra mais veloz que nossos  pesadelos.
Passa da hora das esquerdas despertarem para o alcance da intentona judiciária pitorescamente chamada Lava Jato. O que me pareceu cada vez mais escandaloso foi ver paulatinamente um flagrante e formidável esforço de eliminação da concorrência nacionalista em favor do capitalismo internacional. Áulicos da devastação nacional, conseguiram montar uma banca judiciária à disposição, não apenas do desmonte de nossa maior marca empresarial no mundo, a Petrobras, bem como de todas as empresas subsidiárias privadas. Várias delas instaladas mundo afora e vendendo produto de maior valor agregado.
Nem a paralisação assombrosa do poderio produtivo nacional fez os capitalistas notarem qual é o alvo estratégico de Sergio Moro. Aliás, ou as federações das industrias se tornaram sucursais de multinacionais ou se abateu sobre elas, cegueira mais absoluta e sumária do que a que desceu sobre o romance de Saramago.
É certo que os problemas dos capitalistas são primordialmente deles, mas o internacionalismo do capital em absolutamente nada se confunde com o internacionalismo das esquerdas.
Daí que a miscigenação entre capitalistas entreguistas, nacionalistas, ufanistas e prosaicos conseguiu ludibriar as esquerdas a ponto de não saberem sequer aferir quem é nêmesis, Leviatã ou apocalipse. O Lulismo é fundamentalmente um impressionante álibi, principalmente pelas vinculações do tucanato com interesses dos oligopólios internacionais, na comunicação, petróleo, etc.
Apesar de tentar manter seus passos e origens encobertos, é flagrante que Sergio Moro tenha inventado a Lava jato durante curso nos EUA e esteja com frequência prestando contas em atividades naquele país, “pari passu” com o andamento do processo.
O aparente álibi no conjunto das mobilizações tampouco é singelo. O PT é parte desse contexto e colaborou para que setores reacionários despontassem no horizonte da forma como ocorreu. Afinal, uma esquerda que desmoraliza a esquerda e flerta com a direita, naturalmente, iria tocar os brios do campo reacionário.
Esse segmento assistiu desde FHC o avanço da esquerda histórica (então, contra a ditadura) ganhar terreno em políticas que eram primordialmente suas. E os conservadores foram subalternos e incapazes de alcançar algum protagonismo. A derrota dos conservadores no próprio território para setores que antes consideravam-se de esquerda, revolveu a indignação dos que sempre acharam a democracia um fardo, ou fardão injustificável.
Ainda assim esse segmento jamais possuiria densidade política para suscitar qualquer clamor popular. A democracia mitigada, um movimento constituinte frustrado e garroteado, e a permissividade ao fisiologismo, ao clientelismo e também ao fiscalismo neoliberal, estão na raiz da deslegitimação democrática que agora move, e comove, militantes e paisanos da direita.
O texto longo não é pretensão, mas fruto de um represamento involuntário na análise política. Busco e espero alcançar um cotejamento de posições de um longo e, ainda vigente, período de ausência política por razões alheias à minha vontade.
As esquerdas ainda vivem sob um feitiço de contenção do lulismo. Há algum tempo já sabíamos que mal seria um governo de (tentativa de) conciliação. Parece que nem os mais céticos dentre nós foi tão pessimista quanto a realidade que se apresentou.
O que esses pouco mais de 10 anos nos provaram é que nossos esforços em nos distinguirmos do lulismo pouco efeito surtiram no conjunto da sociedade. Seguimos falando para poucos, movendo poucos e expressando nossas preocupações apenas para nós mesmos.
Já o petismo, ou lulismo, alcança novo patamar de movimento de massas cuja descrição não cabe aqui. Esse embate não irá superar a polarização de uma dicotomia política, forjada em sucessivos esforços de obscurantismo. Podemos rejeitar o lulismo como coincidente histórico da esquerda contemporânea, mas não é essa a compreensão que os ‘não iniciados’ possuem de nós, ainda que identifiquem nuances o que  também é raro.
Portanto independe de nossas considerações sobre a Lava jato a mudança de juízo de parcela da sociedade a nosso respeito.  Supondo que parcela da esquerda está mesmo preocupada com o “ibope”.
Se o país fosse uma democracia haveria melhores motivos para essa hesitação, ainda assim, é preciso estar atento às alterações políticas para verificar em que a democracia avança ou regride. Ou quando ataques miram apenas a governabilidade conservadora do PT, ou também objetivos mais relevantes com os quais estamos comprometidos.
Espero que tenha sido suficientemente claro que em momento algum confundo as críticas à Lava jato com a defesa do lulismo ou sua deturpação definitiva, o governo Dilma (que não será dilmismo pela evidente falta de tarimba e carisma do infeliz poste petista). Ainda espero crer que o futuro reserva a Dilma o resgate “em paz” de seu valor histórico na luta contra a truculência. Vendo sua atuação como governante sinto uma saudade imensa da combatente que nunca conheci, mas que, até numa expressiva fotografia diante de seus acusadores, era mais revolucionária do que foi em toda sua vida pública no governo federal.

Sentidos para o impasse
A parcela do país que se pauta por um mínimo de consciência histórica não deve titubear diante dos riscos de regressão política, inclusive em vidas humanas, quando alguém gira para trás a manivela da história.
Quando o obscurantismo se aprofunda, não há espaço para caprichos intelectuais ou vaidades vanguardistas. Quando o ódio é encarado como solução para divergências é preciso buscar restaurar a sanidade social. A sociedade está doente e esse ódio é contagioso.
Parece que, tamanha é a ojeriza pela forma de organização do Estado burguês que não vemos sentido em entender seu funcionamento. Isso provavelmente, não só deriva de uma leitura dialética vulgar, como de uma incapacidade de identificar atores e papeis.
Tenho o defeito de enxergar em parte da esquerda uma devoção utopista na ruptura revolucionária. Como se eventual revolução tanto fosse ressignificar a humanidade, quanto refundar nosso modo de existência. Para alguns, parece que nada do que existe no modelo burguês faz sentido, ou é válido. Não por acaso quando a superação dialética pressupõe realização do que está por ser superado. É por não acreditar nessa utopia que Marx estabelece uma transição entre socialismo e comunismo.
Queiramos ou não, será preciso aperfeiçoar o Estado burgues, assim como talvez, reconsiderar a ideia de “ditadura do proletariado” como denúncia à fragilidade teórica da democracia burguesa, muito mais do que um desejo de vingança do proletariado.
Podemos romancear esse raciocínio e redarguir que alcançar a universalidade dos direitos humanos é parte dessa trajetória. Digo “romancear” porque, da minha perspectiva, veremos mais sangue e tragédia do que sucessão explícita de conquistas.
Defendo que é nosso mister sustentar a superioridade do modelo burguês sobre, por exemplo o arbítrio e vocações milenaristas na condução da mediação de conflitos, ou na prevenção e tratamento aos distúrbios sociais. Enquanto críticos reacionários embalam “as letras mortas da lei”, devemos ressuscitá-las em seu sentido histórico, posto que foram fruto de reflexão revolucionária que combatia o obscurantismo. E é esse obscurantismo que temos diante de nós, buscando fazer andar pra trás uma trajetória de construções políticas progressivas.
Ainda que eu não tenha apetite para vaticínios, suponho ser fundamental considerar para onde essa crise não pode ir. Dito de outra forma, é preciso colocar em movimento iniciativas capazes de estabelecer margens seguras diante das virtuais tempestades que se anunciam.
Como não me parece lúcido supor que um partido, um segmento político, ou mesmo um segmento da classe isoladamente teria condições de construir pontes e diques em meio à procela, resta-me tentar fazer alguns considerandos específicos em relação à soluções por dentro do Estado.
Falamos em crise republicana, crise de poderes, ou de governabilidade. Ou seja, em questão está, necessariamente o Estado. De forma geral deixamos de nos apropriar de uma conceituação. De foram suficientemente eloquente e decepcionante, percebemos que a sabotagem à “Carta Cidadã” que começou mesmo antes de sua promulgação avançou de forma ainda mais violenta conforme eram criados expedientes transgressores de um lado e protelatório de outro.
É certo que o capitalismo possui mais condições de fazer valer suas intenções. Ainda assim, isso não exime o outro polo, a cidadania, de não ter constituído seu polo de resistência. Deixo o balanço ao sabor da conveniência de cada um, e agrego uma percepção de subordinação histórica dos campos populares: nos acomodamos.
Constituição é, ao mesmo tempo, carta de intenções e modelo inspirador. O que fizemos com esse documento? Esperamos que realizasse evoluções sobre si mesmo.
O próprio embate contra corrupção é tardio, na medida em que o pior e mais escancarado caso da atualidade foram as privatizações das empresas públicas. Aquela disputa, somada à privatizações de funções de coordenação e fiscalização através das agências reguladoras, se constituíram em verdadeiro fomento da corrupção.
Perguntando onde fica o passo adiante das inúmeras iniciativas populares com que  o presente vem nos brindando, percebo que o passo necessário está além do papel de cobrança política dos poderes constituídos. É preciso forçar a própria realização do estado burguês ideal.
Não basta apoiar a demanda de professores em greve, é preciso convertê-la em causa pública. Considerando que o desmonte no ensino pressupõe a sabotagem epistemológica da sociedade, a mobilização popular deve pautar ataque efetivo contra o obscurantismo. Ocupações nas escolas devem converter-se em aulas públicas permanentes. Cujo temário deve ser estabelecido não por linhas teóricas da ordem, ou ainda doutrinais.
Jovens e adolescentes nas periferias precisam de educação sexual preventiva, não apenas teórica. A matemática da vida deve se sobrepor à do mercado. E devemos projetar essa ambição à própria ideia de comunicação.
Ocupar hospitais igualmente debatendo prevenção, política sanitária, profilaxias à margem da ganância dos laboratórios. É preciso desmoralizar os indicadores do câmbio ou das bolsas de valores. A estatística quem importa é a da vida. Quantas vidas foram salvas, quantos partos bem sucedidos e óbitos. Quais males mais afligem as populações das diversas localidades.
Nas maternidades devemos saudar coletivamente o trabalho dos profissionais e recepcionar de forma efusiva novas vidas e famílias. Grevistas, estudantes, acadêmicos, sindicalistas, militantes de todas as áreas e cenários devem estar organizados e articulados em iniciativas plurais e incisivas.
A luta precisa deixar de ser um cenário no qual somos apenas paisagem. É preciso ler a paisagem atribuir-lhe valor e transformá-la conforme a necessidade de emancipação.
No mais, deixemos a política do necrotério produzindo seus cadáveres institucionais.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Por que Bolsonaro não está morto?!



ATENÇÃO! TEXTO ESCATOLÓGICO E RASTEIRO COMO BOLSONARO.
 
Tortura1.jpg O golpismo é uma constante em nossa história. Aliás, a história do Brasil, já era sinônimo de golpe quando aprendíamos que o Brasil fora “descoberto”, e, depois, que um Tratado de Tordesilhas anterior, garantia à coroa portuguesa que a terra existente a partir de um ponto a oeste daquele meridiano lhe pertenceria. Dom João dá um golpe fugindo para o Brasil, Pedro I, ficando aqui, Pedro II dá uma volta para que sua filha abolisse a primeira fase do escravismo.
Dezenas de rebeliões são golpeadas para fora da história “heróica” do país, para inventar um mito fundador de que somos “pacívicos”. E, depois, com a república, vieram as sucessivas quarteladas golpistas, inclusive a própria proclamação.
Consigo entendê-las à luz da nossa própria história.
O que não entendo é como um semovente como Jair Bolsonaro não somente tem direito a cuspir na cara do país da estatura de um cargo federal.
Ateu convicto, quase acredito que somente a providência pode ter ensejado o único gesto digno daquele 18 de abril: a cusparada profética que Jean Wyllys dirigiu àquela corporificação de dejetos naturais que, por uma conjuração diabólica, toma a forma humana. É um achincalhe contra a existência de uma humanidade que pretende justificar seu direito de estar entre as demais espécies.
É preciso declarar em som e tom notáveis que quem banaliza, naturaliza, ou ainda, acha graça nos comentários daquela figura nefasta, padece de grave disfunção civilizatória. Talvez devesse procurar um necrologista para atestar se, efetivamente, já não se encontra em estágio de putrefação, ainda em vida.
Podia jurar que ouvi um coro de satanistas travestidos de cristãos embalando a estolidez daquele milico torpe que até Ernesto Geisel abominava.
Interrompo aqui as comparações teístas porque se o salário do pecado realmente fosse a morte aquele ser desprovido de vocação humanal já teria caído fulminado eras atrás.
Pareciam realmente gracejos, e supostamente eram ditos com intuito basicamente provocador.
Nada foi tão grave naquela encenação bizarra do que a menção elogiosa a Brilhante Ustra, alguém que merece ser lembrado como símbolo do ponto em que a estupidez se converte em podridão moral. Não são heróis. Heróis são os que dão a vida, libertam e salvam. No caso, trata-se de um desvio biológico que se instala quando psicopatas são alçados a posição de poder. Por falar em corrupção, não há desvio de conduta ética no Brasil de hoje que não tenha raiz, lastro, ou sustentação nos porões ditadura.
Acho que vale contextualizar melhor, já que isso é raro de ocorrer em diálogos cotidianos. O padrão para tortura de “subversivos” no continente americano foi patenteado pela Escola das Américas. Em vigor até hoje, haja visto Abu Graib. Lá aprendiam-se diversas coisas, de manusear armas a consertar rádios na selva, mas também que torturar mulheres é sórdido e especialmente prazeroso. Os relatos percorrem todos os países do continente em que idiotas de farda se meteram a tomar de assalto o poder. Os mais sensíveis devem pular os próximos nove parágrafos.



tortura-mortos21.jpgFalta às pessoas noção mais precisa do tipo de escória que eram os sádicos torturadores nesses países. Ouvimos falar em pau-de-arara, telefone, choques, mas existem os menos mencionados, como estupro, inclusive, com varas e paus. Asqueroso, não? Imaginemos, então, que as vítimas fossem nossos filhos e filhas, esposas e maridos, mães e país, parentes de qualquer grau, ou ainda algum vizinho ou ser humano absolutamente desconhecido, mas, ainda assim digno de solidariedade humana. O repúdio à tortura deve tocar e honrar todas as vítimas inclusive os criminosos que tiveram o direito à julgamento negado. Ao Estado não compete a vingança ou a barbárie.
Despir os torturandos era condição preparatória. Note-se que até  a prática de deixar as vítimas vestidas compunha o ritual de desumanização e desconstrução psíquica a cada nova sessão. Isso era reforçado com discursos e frases de efeito.
Uma sessão de tortura poderia começar por um trivial espancamento, ou seguir direto para as formas mais brutais. Até mesmo a anúncio de que alguém iria para a tortura cumpria função de manipulação comportamental. Alguns já começavam a urinar e defecar só de ouvir o caminhar dos torturadores entre as celas, ou o tilintar das chaves. E encontrava-se insano alívio quando a vítima da vez era outra.
Quem já ouviu falar em gang-bang? São sessões de estupro coletivo por todos os orifícios possíveis. Como variável, há o bukake, quando todos os homens, ao final, sucessivamente, vão ejaculando sobre o corpo da vítima. Pode-se também fazê-lo na boca e obrigar que a vítima  engula o esperma de todos. Num filme pornô pode parecer excitante para alguns. Jamais, numa sessão de estupro. Enquanto para a pornografia essa prática é basicamente o ápice, nas sessões  de tortura o estupro era basicamente a preliminar. Triviais como espancamento.
Os choques eram administrados com larga criatividade em partes externas e internas do corpo. Orelhas, lábios, língua, mucosa, pênis, saco escrotal, lábios da vagina, ânus. Inserir objetos no ânus, vagina e uretra também eram expedientes admissíveis, aliás. Uma das técnicas de choque no pênis consistia em inserir um dos polos no canal da uretra. Asqueroso, não?
Imaginem, então, colocarem a mulher em pose ginecológica e inserirem na vagina ampla gama de objetos, animais ou insetos, ratos, lagartixas.
Chocante o suficiente? Pois esse era o padrão Escola das Américas e que poderia ser ainda mais “criativo”, ao sabor das depravações dos torturadores. No continente há descrição de sessões de estupro a mulheres realizada com cães. Caso alguém, por lapso considere, em algum nível admissível, imagine a cena com você como vítima.
E os canalhas especialistas em tortura tinham o eufemístico nome para sua atribuição: Interrogador da Inteligência Militar. Podemos imaginar outras especializações mais adequadas: Adestrador de cães estupradores, Especialista em estupros dolorosos. faz todo o sentido do mundo o Estado manter um quadro de torturadores profissionais.
E já que tipos como Bolsonaro e sua laia divinizam essa prática deveriam ser submetidos a ela diariamente pelo resto de suas vidas.
É necessário desmitificar as motivações da tortura. Por algum tempo no início, é possível que os rituais de degradação e tortura tenham tido função precípua de forçar delações. Assim como em Abu Graib, com o passar do tempo, além de divertir os dementes aplicadores cumpria o papel de rituais de sadismo e degradação, independente de cumprir qualquer tipo de  função tática.
A prática sistemática servia basicamente para gerar terror nas vítimas, entre as demais e eventualmente no conjunto da sociedade. Que tal a tortura apenas para desmotivar outras ações? Tão válido por exterminar toda a humanidade sob o pretexto de que em algum momento alguém irá me ofender a honra, ou o corpo.
Ainda razoável?
Vez ou outra eram promovidas visitações de parentes das vítimas. Filhos, e outros eram trazidos para encontrarem as vítimas nuas recobertas apenas com o silencioso clangor da violência desmedida e insensata. O suicídio de Carlos Alexandre Filho dos jornalistas Darcy e Dermi Azevedo que, torturado com menos de dois anos, e as sequelas seguiram torturando-o para a vida toda.
É isso que Bolsonaro gosta de enaltecer como herói. Ocorre que isso não é ufanismo, é demência!




 
Qualquer pessoa minimamente sadia deve sentir-se ultrajada lendo ou ouvindo descrições degradada, tanto quanto eu escrevendo-as.
Admitir a tortura sob qualquer argumento nos brutaliza. Distorce nosso senso de humanidade. A tortura nos converte na única espécie que cria uma vocação específica para infligir dor e degradação em um igual.
Da próxima vez em que ouvirem Bolsonaro elogiando essa laia imaginem essas cenas ocorrendo com seus familiares. Quando diz que deveriam ter matado toda a esquerda, não diz a forma da morte. Nada de cirúrgica execução sumária. A prática envolvia esquartejar física, moral e mentalmente os presos. Despedaçá-los física e mentalmente antes de exterminar a vida em seus corpos.
Então, aos idiotas saudosos da tortura, antes de acharem que é engraçadinho defender esse tipo de demência, imaginem seus parentes, podem ser os melhores ou piores deles, nas mãos de sádicos como Brilhante Ustra e diversos outros. Quem sabe se poupam de imaginar que sejam heróis de coragem e civismo inatacável.
Torturadores são a pior escória da humanidade. Não existe crime que justifique o uso de tortura dessa extensão, quanto mais dessas variáveis que atacam deliberadamente a integridade física e humana das pessoas. Ou é admissível, porque alguém roubou um banco sofrer uma sessão de estupro coletivo?
É preciso haver limite para a barbárie política, do contrário adentramos num território em que psicóticos violentos, amplamente rejeitados pela sociedade, sejam enaltecidos quando utilizados como arma contra qualquer que seja o tipo de crime.
Aos que por ventura preferirem assumir uma abordagem pseudo-moralista desse texto, em nada, aquelas práticas se confundem com práticas sadomasoquistas que alguns segmentos praticam, já que o pressuposto elementar consiste na concordância entre as partes. Tortura não traz prazer algum ao torturado pois não existe uma tara humana que implique em ser ultrajado à força, sem direito a reação.

Bolsonaro não está morto, porque muitos iguais a ele também não estão. Alguns consideram que é da democracia admitir que coisas assim ocupem funções públicas porque expressam percepção ou convicção de setores da sociedade. Estão enganados. Formalmente, Jair Bolsonaro tem direito de defender o que bem entender, mas não como autoridade pública. Temos obrigação de repudiar que se possa espancar pessoas pelas ideias que defendem. É preciso conter suas ideias para que o efeito de prática torpe não se estenda ao conjunto da sociedade, como forma válida de atuar na área política. Tortura é crime em qualquer lugar do mundo. E quem a pratica ou defende é, igualmente criminoso. E não me refiro a crime no sentido jurídico.

Falo de um tipo de crime que precisa ser extirpado da sociedade como tecido gangrenado, sob pena de condenar à morte toda a sociedade. Se eu admito a tortura como prática cabível entre agentes públicos, e dentro da civilização, como podemos achar que qualquer ato de corrupção é condenável. Se nem a dignidade das pessoas é freio suficiente para a defesa das nossas verdades e interesses.
Preferia que pessoas como Jair Bolsonaro fossem consideradas loucas, e trancadas como últimos prisioneiros em manicômios, que também foram casas de tortura. No limite para não perder tempo maior do que eles mesmos merecem, só posso torcer para que a morte lhes chegue o mais breve possível. E que seja fulminante, já que sentir prazer em infringir dor e morte lenta é muito menos digna em quem a pratica do que em suas vítimas.
Dessa forma, se alguém sente-se realmente à vontade flertando com esses aspectos do discuso de Bolsonaro, sinta-se instado a retirar-se da classificação de gênero humana. Inclusive por determinação biológica, os bilhões de pessoas que ainda podem se incluir como tal, estão empenhando-se árdua e diuturnamente para agregar valores à sua cultura e vocação biológica, não aprimorar nossa bestialidade. Deve existir uma subordem disponível para acomodar os tarados em degradar patologicamente seus supostos iguais.
Eu abomino Jair Bolsonaro. Em respeito à minha mãe, meu pai, todos meus ascendentes, esposa, descendentes. A todas mulheres, homens poli gêneros, os que conheço, desconheço, haverei ou não de conhecer, ou ainda aqueles que acreditam que o amanhã tem que ser melhor e não pior do que o hoje e ontem, sobretudo todas as crianças de antes, de agora e de sempre que devem poder olhar a vida com esperança,  e todos os que merecem encontrar diante de si um mundo de possibilidades, liberdades, afetos e superações. O que me dá nojo mesmo são homúnculos que sentem tesão inconfesso pelos torturadores. Por isso eu repudio e abomino Jair Bolsonaro.

Démerson Dias. Trabalha há 29 anos no Judiciário Federal tendo sido por 20 anos dirigente sindical nessa categoria.