domingo, 30 de dezembro de 2018

O caos confortável da barbárie

O caos confortável da barbárie
por Démerson Dias


    Estou preocupado mas não é com o governo Bolsonaro. Os anúncios, avanços e recuos antecedentes sua posse estão aquém das barbaridades que sabemos estarem inseridas no contexto do protofascismo que ele representa.
    Aliás, até o momento prevalece o improviso estabanado e inconsequente, típico de pessoas que não geriram nem um ponto jogo do bicho.
    O capitalismo haverá de vendê-los como uma família vencedora, empreendedora. A mídia já entronizou a gang no poder, até seus laranjas ganham horário nobre nas emissoras do país. Alguém já viu acusado do campo progressista ter uma tribuna equivalente para ter sua versão legitimada?
    Os “jornais de oposição” farão suas críticas nas colunas sociais. Até um ex-porta-voz do Figueiredo voltará a ser lacaio.
    Não podemos nos iludir, todos os de cima estão felizes e se sentem aliviados e representados pelo seu servo mais estúpido estar a postos para fazer todo o serviço sujo e abrir espaço para um salvador da pátria que virá após a terra arrasada. Bolsonaro, se for bem sucedido (o que quer que isso signifique), será destroçado. É evidentemente um elemento descartável da equação que ainda não está concluída.
    O que me espanta mesmo são setores progressistas assustados com o descalabro entorno da família presidencial.
    Como podemos ficar surpresos que os bolsonaros estejam cercados de laranjas por todos os lados? E o mais grave é que a mídia já reduziu o problema aos laranjas, garantindo que não existe a menor intenção ir à raíz do problema, a família presidencial. O tal de Queiroz foi acolhido em rede nacional e pode mentir da forma mais descarada possível, sem que a imprensa tivesse o menor pudor em validar seus álibis tão mal forjados.
    Quando a esquerda compara os montantes das falcatruas bolsonarianas com as acusações a Lula, quando questiona a integridade do ex-füher de Curitiba, estão esquecendo que o candidato campeão de mentiras e falcatruas foi eleito e legitimado por conta delas, não apesar delas. O TSE já fechou questão. A corrupção à direita é conveniente, à esquerda um erro de digitação é prova cabal de má-fé. O TSE se rendeu bem antes que o STF.
O republicanismo do PT foi seu cadafalso. Ceder ao clientelismo das indicações do STF, subvertendo até mesmo a vocação corporativa do campo judicante foi exatamente a porta de entrada para a derrocada petista. Sem a AP 470, patrocinada febrilmente por um dos indicados do lulismo, as gangues parlamentares não teriam conseguido erguer o repúdio dos remediados contra os marginalizados.
    Dilma caiu porque Zé Dirceu caiu. Se não era possível, num primeiro momento atacar Lula de frente, comeram pelas bordas. E o lulismo minou a capacidade de resistência do PT, desarticulando, tornando-o ineficaz confrontar para a fisiocracia. Até que um dia um deslumbrado se apresentou para ser o carcereiro de Lula. São sempre os mais estúpidos agentes da ordem que cometem os delitos mais graves.
    E o que impressiona, de fato, é que as pessoas seguem promovendo as denúncias ao bolsonarismo como se houvesse um país, um judiciário, uma imprensa isentos. Sendo que, de fato, nunca houve. O Brasil ainda não se constituiu enquanto nação. Surge com a espoliação dos povos originários e se mantém por meio de golpes (fico, independência, Dilma), quando não quarteladas explícitas (República, Estado Novo, 1964). Esse modelo atinge agora sua maioridade. A constituição convertida em suporte à ditadura do mercado elegeu, enfim, não seu representante, mas seus mais venais aduladores. Não são ameaça de terra arrasada. São a própria terra arrasada.
    Essa hipótese vem sendo construída e experimentada no parlamento desde os anos Sarney. “Anões” que controlavam o orçamento. Elevação do baixo clero à posições de comando (Temer, Inocêncio Oliveira, Severino Cavalcanti). E assim chegaram a um dos mais ardilosos entre eles, Eduardo Cunha. Bolsonaro será o Eduardo Cunha do executivo (Como Peluzzo e Joaquim Barbosa e Carmen Lucia o foram no judiciário).
    Mas a militância precisa ser despertada para o fato de que estamos conjunturalmente derrotados. Não existe disposição republicana em qualquer das instituições com capacidade de intervenção. E isso foi gerado, exatamente pela inocência de achar que o lado de lá aceita conciliação. Essa é sua resposta. Conciliar implica em colocar os lados em pé de igualdade. Mas o lado de lá prefere morrer afogado do que ver os excluídos sentados à mesa da negociação. Antes um escroto no comando que um milímetro de dignidade aos marginalizados.
    A criminalização da luta política é apenas a face institucional do reacionarismo. As mortes que eram contextualizadas materialmente serão “obras do espírito”. A intolerância ocupa o lugar de mediação dos conflitos, ou seja, na dúvida, vale a resposta mais violenta.
    O “Não verás país nenhum” deve ser conjugado no presente. E quanto mais cedo admitirmos, mais chance temos de nos preparar. Do contrário, entraremos num ciclo de chorar os mortos, conformação, indignação, recomposição que não levará menos de um século. Como o outro lado tem predisposição para hecatombe, não sobrarão, sequer, bases sólidas, para reconstrução. Teremos que derrotar a barbárie para reerguer o país do zero.
    Se o campo progressista, possui alguém com o perfil para liderar essa resposta imediata, essa pessoa ainda não foi apresentada às vanguardas. A luta por justiça é extemporânea.
    O descalabro e a injustiça tomam assento em 1 de janeiro e será saudada por ninguém menos que  Benjamin Netanyahu, um dos patronos do pior Apartheid ainda em curso no mundo e sócio de todas as piores chacinas das últimas década. Assassinos e genocidas, esse é o clube no qual o país acaba de ingressar “democraticamente”.
    Agora somos sócios coadjuvantes, minoritários e descartáveis do “império do mal”. O terrorismo já não precisa mais de grandes planos para afetar o imperialismo, temos, inclusive nossas próprias torres gêmeas. Qualquer embaixada brasileira possui agora um grandioso alvo pintado no teto.
    Essas são as conclusões preliminares. Acho que são otimistas.
    Convém parar de fantasiar sobre democracia. Ela foi integralmente extirpada do estado brasileiro. Em seu lugar temos o pior de todas as mais perversas e venais camarilhas.
    Em tempo: Bem-vindos à uma república policial. Alguma coisa entre o "salve-se quem puder" e "quem viver, verá".

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Colapso cognitivo e impasse civilizatório

Colapso cognitivo e impasse civilizatório
por Démerson Dias


Napalm by Banksy
    Eu deveria ter escrito antes sobre a pós-verdade e seu entorno (logo desde do evento Oxford), inclusive algumas considerações sobre Zygmunt Bauman. Terei que recorrer a uma síntese imprudente, pois inúmeras reflexões estão pendentes dessas considerações.
    Pós-verdade é um “não algo”. É basicamente a mentira com outro nome, só que elevada a um status de valor transcendente. Como se houvesse algo acima da verdade, capaz de estar além dela. No entanto é  apenas uma mentira que não se pretende nominar. Nesse sentido é “não algo” descrito a partir de seu avesso. Ou a afirmação da negação pura e simples. Algo como se uma sub-dialética fosse apresentada como anti-dialética.
    Convém ressalvar que a “verdade” para os que se ocupam sinceramente do conhecimento não é um estado, mas, no máximo, estágio. Está circunstanciada tanto na história, quanto no contexto, dentre outras características. Sempre podem existir verdades contraditórias se os contextos o forem e, dessa forma, quem lida com o conhecimento pode apreciar, não apenas as verdades restritas, ou circunstanciadas, como ter certeza que uma verdade não necessariamente anula a outra. O conhecimento, nessa perspectiva é, portanto, território de tolerância.
    Deveria concluir assim, e teria uma boa inscrição lapidar. Mas a realidade não nos permite esses luxos.
    Sobre a pós-verdade, trata-se, basicamente, da exaltação da representação das coisas em oposição à própria realidade (no nível em que é possível reconhecê-la). Ou seja, não é apenas um equívoco de percepção. Ela existe com o pressuposto de que deve, necessariamente, negar, enquanto representação, aquilo que supostamente afirma.
    Estamos de volta à “Alegoria da Caverna”, agora, na perspectiva daqueles que, como numa síndrome de Estocolmo, reivindicam ferozmente a validade das sombras, contra a voz do inoportuno rebelde, que teima em alertar para a origem e definição das sombras. Adicionalmente, a primazia das sombras se sustenta também pelo medo à liberdade.
    A “realidade virtual” potencializa essa paranoia, proporcionando uma “repaginada” das sombras que, agora, apresentam cintilações que as tornam ainda mais atrativas e “reais “, inclusive algoritmos “inteligentes” e bolhas de confirmação para nossas ignorâncias.
    O que Platão propunha revelar, a apropriação dessas novas terminologias se esforça para mistificar, validar e revigorar: a atualidade e o dogmatismo em torno das sombras. E cabe, inclusive, a banalidade do mal nessa perspectiva. A necessidade de validar as sombras justifica até o extermínio dos que enxergam, ou anunciam, a luz (dialogando com as equivalências simbólicas). Surge como um imperativo moral diante da manutenção da ordem e da realidade como conhecida. Qualquer semelhança com o ciclo político que o Brasil está adentrando não é acidental, ou coincidência.
    A pós-verdade é velha conhecida nossa, cresceu exponencialmente com o surgimento do mercadismo, vulgo marketing.
    Através do mercadismo, o pior produto pode se tornar o “mais” imbatível (superlativos, hipérboles e pleonasmos apelativos são apreciáveis) e eficaz,  a opinião do marqueteiro, imediatamente, se assenhora da consciência social (projetada), ou é guindada a palavra de autoridade. E sempre será possível atribuir autoridade a algum manequim profissional que disponibiliza seu nome ou imagem. Não importa a verdade, importa a verdade que se pretende proclamar. E essa é a principal síntese da chamada pós-verdade.
    Importante advertir que a mídia comercial (dita imprensa), não apenas se apropriou, como ampliou efusivamente o mercadismo e a pós-verdade, editorializando propagandas e, sobretudo, a ideologia vigente, a ponto de tornar-se seu principal partido. A pós-verdade não alcançaria o atual status sem o “index” da mídia. Por isso sempre que essa afirmar querer prevenir ou combater as fakenews (sinônimo da pós-verdade) devemos entender essa investida como uma batalha pelo monopólio da pós-verdade.
    Realidade alguma foi alterada, nem tornou-se líquida, Mas algumas pessoas insistem em relativizar de tal maneira os referenciais da realidade, que mentira pode se tornar verdade e concreto pode se tornar líquido.  Mesmo esse fenômeno não pode se reivindicar original. Impérios foram construídos sobre perspectivas particulares da realidade, geralmente porque dependiam da exclusão dos fatores que os contrariam, ou confrontam como realidade válida.
    Tampouco se deve buscar fantasmas ou demônios por trás desses desvios cognitivos. O recrudescimento do individualismo parece ter propiciado uma espécie de validação narcísica em que, mais importante do que a realidade, é a fé pessoal depositada na mesma. Realmente, não se trata de nenhuma novidade.
    A virtualização da realidade ofereceu possibilidades de representação quase infinitas em comparação com  nosso estado cognitivo. Poderia dizer, epistemológico. Mas não me disponho a levar o debate a uma nova celeuma representativa, qual seja, a da própria apreensão (ou “revelação”) do conhecimento. E as teorias do conhecimento também foram afetadas pelo obscurantismo que reivindica niilismos e inconsistência silogística.
    Cabe uma ressalva em defesa de Einstein e da física quântica, utilizados, de forma deturpada, como álibi para justificar o relativismo da pós-modernidade. Os fenômenos físicos relativísticos não respaldam um relativismo absoluto. A relatividade é sempre delimitada por referenciais finitos (e conhecidos, frise-se). O que é relativo, o é, em aferição a determinados referenciais, não em relação A TODOS eles. Como se vê, nem mesmo a física escapou de ser vítima de leitores vulgares.
    Retomando, nosso sistema cognitivo, para evoluir, depende de forma crucial, não apenas de conseguir explicar a realidade que nos cerca, como também de ser capaz de categorizá-la.  Já a avalanche que nos assalta os sentidos na atual versão da evolução da mercadoria (fetiche), não apenas impede, mas também obstrui essa possibilidade.
    Conhecer o fenômeno é resolvê-lo, e um sistema baseado no obscurantismo, para seguir existindo, depende decisivamente de manter as pessoas em desequilíbrio.  Ao nos colocarmos “de pé” diante da realidade passamos a nos tornar sujeitos, e um dos pressupostos da realidade vigente é que nunca nos libertemos de ser objeto.
    Até pouco tempo, esse fenômeno transitava por aspectos da realidade que nos permitiam manter uma perspectiva de razoabilidade em relação a eles. De certa forma era possível entendê-los como licença criativa, considerá-los numa esfera lúdica, é mesmo tomá-los como parte mesma da esfera do consumo, nas quais seriam cabíveis essas flexibilidades e até uma certa promiscuidade entre forma e conteúdo.
    Descuidamos de nos preparar para a predominância das “pessoas jurídicas” sobre as físicas. Permitimos que o direito à propriedade fosse estendido aos objetos que o capitalismo decidiu chamar de pessoas jurídicas,  e hoje esses fantasmas controlam, tanto a produção das pessoas, quanto elas mesmas.
    Daí inclusive a propriedade intelectual em poder de coisas absolutamente incapazes de possuir qualquer intelecto. A esse respeito convém discernir e contextualizar os critérios e disposições do ambiente acadêmico, em que o conhecimento particular é disponibilizado a coletividade, sendo que essa, via de regra deve anunciar os pressupostos, origem e fonte em que suas conclusões são referenciadas.
    Nas corporações comerciais, muito ao contrário, essa prática é terminantemente proibida, exceto para os donos e sócios dos empreendimentos, sendo que os profissionais elaboram e aperfeiçoam o conhecimento, em geral, assinam acordos de confidencialidade, não apenas para que não se conheçam as autorias, mas sobretudo para que os próprios autores jamais possam anunciá-las ou reivindicá-las. Inclusive das que são desastrosas para o conjunto da humanidade.
    Por esse viés, não apenas os produtos dos indivíduos como também suas próprias existências são tuteladas. As corporações enquanto pessoas jurídicas são exemplos muito bem acabado de sombras de algo que simplesmente não têm existência real embora tudo seja elaborado para que sejam presumidas como se, de fato, existissem.
     O fim da guerra fria desconstrói a existência do pólo opositor necessário à sustentação auto-reprodução capitalista, em que o “mal” depende da existência o “pior” para justificá-lo. As contingências e complexidades em torno do islamismo não oferecem fantasmas e demônios grandes o suficiente para fazer frente à ganância sem precedentes no modo de produção atual. A lua é insuficiente para explicar as sombras que se espraiam por todas as frações da realidade.
   Enquanto a dominação absoluta de todas as formas de realidade ainda está fora de alcance uma forma de transição se faz necessária. Como o controle social ainda depende dos últimos dispositivos nas mãos da instituição em forma de “Estado”, mediações sociais ainda são necessárias e sua instância ainda é a política institucional.
    Dessa forma, a pós-verdade é entronizada na política como recurso de transição para um modelo de negação da coletividade através da supremacia das individualidades sob tutela. Se a verdade pode ser individual, pode ser a verdade do tutor. Hoje esse tutor pode dizer estar a serviço de um deus, amanhã será apenas o melhor slogan ou logomarca.
    No caso do Estado os intelectuais e cientistas instrumentais foram os cientistas políticos, mercadistas da sociologia. Ainda assim, tampouco estes são os demônios, são basicamente tecnocratas aplicados, como Eichmann. Que sempre estarão dispostos a aprimorar os instrumentos de dominação para o bem geral da coletividade anônima.
    Caminhar por entre essas novas tecnologias é como transitar por inúmeros paradoxos, sem saber se romper algum deles pode implicar em dano maior do que o que nos cabe combater. O estado daqueles que confiam nas sombras é o de quem sempre vai recusar a hipótese de que projeções negam a realidade conhecida. Pouca coisa assombra mais a consciência humana do que a negação de uma realidade confortável e aceitável. Inclusive porque a própria mística está embutida nesse contexto. Nas sombras sempre existirão desígnios desconhecidos e inexplicáveis. Mas os senhores e tutores sempre estão à frente dizendo-se portadores, ou detentores da ordem mística.
    No caso, a negação das Sombras instala uma gama tão vasta de risco que, por mais desconfortável que seja, o apego às sombras é menos aterrorizante que as possibilidades que se abrem diante de sua inexistência.
    Setores do conhecimento tem se enganado na forma como lidam com o obscurantismo. As vítimas do obscurantismo não anseiam pelo esclarecimento, o repudiam por razão sólida. Sabem que o que existe é muito mais do que admitem contemplar. Não lhes falta, portanto, conhecimento. Sobra-lhes certeza de que o mundo em sua completude perceptível é muito mais do que suportam, ou se dispõem apreciar.
    É preciso reconhecer que não fomos capazes de garantir uma disseminação  equânime do conhecimento. E embora essa questão esteja na raiz da política de destroçamento do ensino forma “partidarizado”, a dicotomia entre obscurantismo e conhecimento, implica também na vitória da indústria cultural sobre o conhecimento (e a pedagogia em voga).
    Ao invés de criaturas do aprendizado, nos tornamos criaturas do consumo e, por fim, consumíveis. Nunca foi acidental a formulação da escola sem partido, enquanto a escola estimular a dúvida ao conhecimento estabelecido ela será potencialmente rebelde.

    Suspeito que possamos estar diante de mais uma dicotomia evolutiva entre os que almejam dar um passo adiante, e os que se sentem realizados como os contornos das sombras. Talvez essa diáspora do conhecimento seja o mais trágico dos desterros. Mas não tem sido assim “desde” Adão e Eva?

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O clube dos cafajestes e os últimos humanos do país

O clube dos cafajestes e os últimos humanos do país
Démerson Dias

                                                                                                            “Vamos falar de maneira direta: fanatismo e racismo
                                                                                                                   estão entre os mais graves males sociais que assolam 
                                                                                                            o mundo hoje. Mas, ao contrário de uma equipe de super-
                                                                                     vilões fantasiados, eles não podem ser interrompidos com 
                                                                                                   onomatopeias, um "zap" de uma arma de raios. A única 
                                                                                                  maneira de destruí-los é expondo-os, para revelá-los pelos males insidiosos que realmente são.” 
Stan Lee  (28/12/1922 — 12/11/2018) 



Clube dos Cafajestes - Animal House (1978)
     O futuro presidente já ensinou aos seus eleitores que “Ideologia é muito pior que corrupção”. Então, o governo trata de aliciar todos os corruptos de sua facção ideológica para que seja possível protegê-los das ações  policiais em larga escala que serão despejadas pelo país a fim de exterminar os partidários das ideologias contrárias.
     E a lista é longa, o futuro governo quer acabar com LGBTs,  negros, índios, mulheres, professores, florestas, petróleo, estatais. E também, médicos que curem pessoas sem enriquecer a si, às seguradoras, ou laboratórios. Seus seguidores não ligam para formalidades, querem resultados, e já existe um rastro de sangue demarcando o trajeto entre a eleição e a posse.
     Como se vê não é um governo mas um empreendimento de assassinato e demolição.
     De outro lado temos republicanos de esquerda que estão desarmados, desarticulados, indignados, confusos, assustados, e que, a cada movimento anunciado pelo presidente sonegador, corrupto e cretino, aumentam a dose do antidepressivo. É como se as pessoas acreditassem tanto na vitória da resistência contra o protofascismo que, agora, se espantam a cada confirmação do repertório de maldades. Sim, é real, gente!
     Isso parece-me compreensível, mas daí a alguns legitimarem esse processo a ponto achar que precisamos entender o resultado das urnas como legítimo é algo que não condiz com tudo o que dissemos ao longo das eleições.
     Houve manipulação do eleitorado? Ou não vemos a hora de trazer Steve Banon para nosso time? Vamos condenar as práticas, ou aderir a elas?
     Mas quem disse que isso é possível para a esquerda? Convém pensar melhor, a prática  comprova os que servem Bolsonaro não fazem o mesmo com a esquerda. Vide a denúncia constatada pela imprensa de doação indireta a Bolsonaro de R$12 milhões, caixa 2 e abuso de poder econômico, quando até o financiamento privado de campanha é proibido. O TSE deve esperar o tempo necessário para o julgamento ser inofensivo.
     Temer, Aécio, Bolsonaro, Perrellas e quase todos os futuros ministros possuem pendências judiciais, ou existem gravações falando em milhões em propina. Nas milhares de horas de gravação de Lula não existe um registro sequer em sentido parecido, mas é Lula que está preso como não apenas o maior corrupto do país, mas também o maior especialista no mundo todo em esconder patrimônio.
     As evidências de pesos e medidas diferentes é mais do que evidente. Inclusive Bolsonaro que terá processos contra ele suspensos por prerrogativa de foro ao chegar na presidência. Para Dilma e Lula o judiciário correu mais que Fórmula 1 para evitar esse tipo de situação. Aliás o susto que Moro tomou e o esforço feito para que o desembargador Favreto não conseguisse libertar Lula é merecedor de vários recordes Guinness. Inclusive de maior confraria judiciária no mundo.
     Mas não é só isso, capturaram um grampo ilegal de Dilma e Lula combinando a nomeação para cada civil e Gilmar Mendes, como um bailarino, pegou Lula “no pulo”. Até hoje tenho convicção que o despacho de Gilmar é nulo, mas a esquerda é mais republicana que a direita. Como é possível depreender, por exemplo, apenas observando o que ocorre na ocupação da Casa Civil. O atual chefe possui inúmeros processos instaurados, e outros tantos arquivados ou engavetados da forma mais conveniente.
     Do outro lado, um ex-chefe da casa civil de Lula foi preso porque entrou numa sala e cumprimentou os presentes que, supostamente, negociavam propinas. Seu cumprimento foi como uma senha maçônica que garantia que ele tinha domínio sobre o maior fato de corrupção da história do país até então.
     A outra ex-chefe virou presidente e foi deposta por “pedaladas” que assessores do Congresso Nacional afirmam que ela não cometeu. Dilma caiu porque se recusou a manter a prática de comprar votos de parlamentares. Aliás, um dos que votaram a favor do impeachment de forma espalhafatosa foi preso dias depois por corrupção. O próprio condutor do processo na Câmara está preso. Dirceu caiu por “corrupção”, Dilma porque recusou a corrupção.
     Já futuro chefe da casa civil é réu confesso de caixa dois. Perdoado por ninguém menos que Sergio “consigliere” Moro, e seguem de mãos dadas rumo ao ministério do governo que só foi eleito porque Moro mandou Lula para a cadeia. Pelo que se vê, a principal função de Moro no futuro governo será manter as tornozeleiras afastadas dos membros do governo, e sua base no congresso que deve mais de 600 milhões para o Estado. Já que a Polícia Federal obedece o ministério da justiça e o judiciário e Moro já subordinou todo mundo do CNJ abaixo, está tudo sob controle, Moro só não disse que mata no peito porque o último a usar essa expressão fez exatamente o contrário.
     Existem casos secundários da Casa Civil, Antonio Palocci ficará preso enquanto presta serviços como vazamento radioativo contra o PT. Erenice Guerra (março a setembro de 2010) foi derrubada por denúncias que o próprio ministério público reconheceu depois, não haver provas para embasar. Gleisi Hoffman quase foi presa com seu marido e ex-ministro Bernardo Cabral, dois anos depois, igualmente absolvidos por falta de provas. Em que mundo Onyx Lorenzoni pode ser ministro da Casa Civil? Fácil, num mundo em que Sergio Moro possa acobert . . . digo, atestar, de coração e com sua toga imanente que se trata de homem de boa fé.
     Ainda que alguns, ou muitos, se esforcem para serem condescendentes, é fato que nem sequer existe hiato entre o golpe de 2016 e a eleição de 2018. Aquilo lá deu nisso aqui.
     Lula foi preso porque o juiz Sérgio “minority report” Moro previu que em algum tempo futuro ele tomaria posse de um conjunto de três kitnetes que não valem um auxílio moradia de juiz.
     Bastou apenas essa prisão para que a boa fé fosse restaurada ao mundo.  Por isso, pouco importa que se tenha recorrido a um processo espúrio e insólito, e que resulta imediatamente na condução de seu algoz a um posto político no governo eleito, com a agravante do perdão e parceria com uma infinidade de políticos com evidências inquestionáveis de ilicitudes de todo tipo. Moro é o cordeiro de deus que está acima de todos no governo. Pobres de nós mortais.
     É impressionante a quantidade de flagrantes que faltam a Lula em relação aos demais. Considerando que até Joaquim Barbosa possui uma offshore para aquisição de imóvel no exterior, Lula corre o risco de ter sido preso por ser o mais incorruptível agente político da história do país. Milhares de horas de grampos e nenhum milhãozinho mixuruca sequer ventilado. Nem mesmo em forma de pé de milho.
     Enquanto isso, a pasta de esportes será contemplada por ninguém menos que um dos helicocas, digo Perrella. O maior segredo de justiça desde o assassinato de JFK. Digamos que o novo responsável pelos esportes será um upgrade comparado com Marin, Teixeira e Havelange, pobres amadores.
     Bolsonaro ainda não instalou o fascismo. Provavelmente nem vai precisar queimar o Reichstag. Basta eliminar paulatinamente as principais forças de resistência. Instalar os conselhos de ética que Vélez já prometeu nas escolas; disseminar o obscurantismo e o medo intervindo nas universidades.
O Judiciário já está garroteado via Supremo Tribunal Federal que agora acredita que o “movimento de 1964” foi tão legítimo quanto a eleição da rinoceronte Cacareco, ou do macaco Tião. Pouco importa quantas tardes caíam sobre viadutos, ou corpos da ponta da praia.
     É preciso unir forças e manter pressão permanente e incessante ao governo, seus membros e apaniguados. recepções permanentes em aeroportos, marcação cerrada e calendários de denúncias. Efetivamente anunciaram que querem acabar com quem pensa diferente.  Quantos vamos esperar cair para começar a reação. Se não podemos sonhar, não os deixemos dormir, ensinaram as manifestações espanholas.
     A questão principal é saber se o cortejo dos cafajestes vai desfilar sob nosso silêncio, aplauso, ou repúdio. Sendo que o principal braço ideológico da burguesia, a mídia, já deu seu veredito: “De agora em diante é tudo silêncio. E nós nunca mais ouviremos a voz do brasil”.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Quem com ferro queima quando bala se lambuza

Quem com ferro queima quando bala se lambuza
Démerson Dias

“Essa o Homer não vai entender”
William Bonner

Parte do Brasil não sabe se está entrando no mundo do palhaço assassino, ou na hora do pesadelo. É certo que país irá despertar, seja gritando, caindo da cama, ou desmascarando o palhaço.
Precisamos torcer febrilmente para que o mundo nos enxergue como uma comédia de erros, do contrário poderemos começar a ter problemas para sair das fronteiras do país por ameaça fitossanitária. Refiro-me ao risco de acharem que o Brasil produziu em série, a primeira espécie devoradora de cérebros da humanidade. A suspeita é que os zumbis surgem quando pessoas com problema agudo de acefalia ou distorção cognitiva ameaçam e avançam contra as faculdades mentais sadias das demais pessoas.Essa pulsão supõe que alimentando-se dos cérebros alheios serão capazes de recompor os próprios. Mas é certo que isso apenas faz alastrar o problema gerando novos zumbis.
Por outro lado. a esperança de 42 milhões de brasileiros é que ao longo da primeira reunião ministerial do futuro governo o surto termine com a autofagia entre os membros da equipe e que essa endemia fique restrita ao gabinete, no máximo alcance o novo congresso.
Segundo especialistas essa é a hipótese mais alentadora. Ainda assim não se descarta que a aglomeração de tornozeleiras eletrônicas em torno do novo prócer, num recinto pequeno eletrocute a todos, ou que pelo menos a reunião avance para uma cena de pastelão e o país perceba que a eleição foi apenas um trote do primeiro de abril de 1964 que passou do prazo e foi ingerido por aqueles de inspiraram a confusão toda.
Suspeita-se que tudo começou quando uma sociedade secreta Visionários do Sagrado Excremento cujos grãos mestres são os venéreos senhores Diogo Pereira, Josias Bonner, Merval Mainardi e William de Souza convenceram seus irmãos que precisavam insuflar uma horda de mandatários que realmente facilitasse a produção de manchetes escandalosas. Um caudilho beletrista, um príncipe dos sociólogos e a maior liderança política da história recente do país não ofereceram emoções ultrajantes suficientes. Tudo foi um acidental golpe de marketing, nada além do de sempre. A mídia criando notícia.
O maior inconveniente para esse pessoal é ter que se conformar que nem sequer terão sobre quem despejar a “hashtag” “vergonha alheia”. A estupidez é obra deles com eles mesmos. Só fizeram o cara acreditar que era mito mesmo.
Pouca gente entendeu a sutileza de Bolsonaro chamar de superministro e dar a Justiça ao ex-füher de Curitiba, Sergio Moro. A mensagem é sofisticada. Fazendo justiça porque foi Moro quem ganhou a eleição tirando Lula da jogada, um candidato imbatível. É como se um juiz de futebol marcasse o gol, apontasse para o centro do gramado e prontamente encerrasse a partida. Claro que tinha que auferir o bônus da conquista.
E não se fez de rogado, já tratou de garantir a inocência de seu colega de ministério que afirmou ter embolsado caixa dois. Tudo bem, reconheceu e pediu perdão. O próprio Bolsonaro reconheceu que praticou lavagem de dinheiro através do próprio partido com uma doação da JBS. Tranquilo. Essa é uma das práticas mais elementares em governos autoritários. Aos amigos tudo, aos Lulas e inimigos, a lei.
Resta saber se Moro ainda alimenta amizade pelo tucanato deposto por João Doria. Se assim for, sabemos que os novos helicocas, ou mesmo as novas rotas de armas e drogas que utilizarão o Aeródromo de Claudio, que pertence à família de Aécio estarão sob a proteção do novo superjusticeiro. Mas ai do sem terra que levantar a enxada para capinar sem pedir licença e perdão aos posseiros amigos do poder. Também os índios de todas as etnias que fizerem arcos e flechas ornamentais. Todos potencialmente terroristas.
Assim como todo aquele que ousar enfrentar de corpo aberto os cacetetes, balas e porradas, dos milicianos e jagunços sejam oficiais ou mercenários, são todos candidatos a pena de morte sumária, como promete o juiz carioca, também da tropa bolsonaziana eleito governador.
Quem melhor que Moro, o juiz mais seletivo da história para encobrir e legitimar todo o tráfico de armas, drogas, influência e ainda atestar ao Departamento de Estado da Matriz que tudo transcorre como programado?
Essa será a faceta mais sarcástica e cínica do governo. Moro cumprirá estágio de dois anos ali e pousará no Supremo Tribunal Federal em seguida para despejar sua soberba de erudição sobre um país aplastado pela estultice governamental.
Como a palavra temerário tem sílabas demais, pouca coisa fica fora do alcance do novo governo. Em alguma medida não se pode dizer que Homer Bolsonaro abandonou a rebeldia de quando instalava bombas nos banheiros do quartel.
O Itamaraty sempre foi a referência no país dos quadros mais inteligentes versáteis e preparados, sobretudo em termos de humanismo. Nem mesmo os militares se arriscaram a tripudiar da inteligência diplomática. Mas isso não é para Bolsonaro.
Conseguiu encontrar no corpo diplomático brasileiro talvez o único espécime que acredita que a terra é plana, que o universo gira em torno da terra. Crê também que Antonio Gramsci aprendeu com Lobsang Rampa como transmigrar sua alma para o corpo de Fritjof Capra, tendo assim instituído os princípios do comunismo astrológico, que vem sendo implantado de forma meticulosa. De fato,  já abduziu a ONU, a Pablo Vittar, a quase totalidade dos países do planeta, o curso das águas, o ciclo das chuvas e o quinto dos infernos. Diz-se até que Gretel e Hansel, Gollum e seu alter, Mourão, digo, Sméagol, Senhor Spock e mesmo a pequena Dorothy e seu cãozinho Totó, todos foram inapelavelmente convertidos ao marxismo cultural através de sofisticadas experiências com LSD na antiga cortina de ferro. Como não fosse aterrador o suficiente, Henrique Fraga, o eleito de Bolsonaro é também o único no recinto que acredita existir vida inteligente em Orvalho de Cavalo.
Aliás ele é a causa da escolha. Antes de tudo, uma questão de QI, quem indica. Consultados, cada membro do Itamaraty, inclusive os que vão tomar posse nos próximos dez anos, o novo Chanceler foi o único que não apresentou constrangimento para indicar Orvalho de Cavalo para a embaixada do Brasil em Washington. Sua missão prioritária será convencer Trump que a Onu, aquele antro comunista, precisa ser expelida do território dos EUA, além de tirar o suspeito vermelho da bandeira.
Fontes anônimas garantem que a detecção do novo chanceler só foi possível com o dispositivo criado pelos doutores Raymond Stantz e Egon Spengler para localizar inteligências ectoplásmicas.
Como desgraça pouca é bobagem deixo para o final o cargo mais assombrado de toda a nova esplanada: o Ministério da Educação. Que pessoa com qualquer fiapo de vínculo com a área pedagógica seria cretina o suficiente para vincular seu nome a eventual primeira “fakelaw” brasileira com o nome de “escola sem partido”, e assim inaugurar o provável maior mico civilizatório de toda a história da civilização?
Uma lei que promete acabar com algo que só existirá depois que a lei entrar em vigor. O Brasil pretende superar o paradoxo de Einstein e voltar no tempo para acabar com algo que ainda não existe.
É verdade que qualquer um pode aceitar o cargo, mas quando o indigitado deixar o ministério não conseguirá emprego nem que prove ser capaz de ensinar Libras às amebas.
Para além dessa meta escatológica, a agenda desse ministério é será desafiadora: romper com a comunidade lusófona, revogar a reforma ortográfica, não, essa seria uma medida inteligente. Traduzir “Os Lusíadas” para um idioma inteligível, inclusive raspar a pedra roseta e reescrevê-la no português usado na caserna. Deportar sumariamente Guimarães Rosa já que ele escreve na mesma língua que James Joyce, não é, portanto, um patriota, amante do idioma de Trump. O bateu, levou.
A propósito, não podemos esquecer. Darwin, é outro comunista cuja obra está proscrita.
O Brasil não elegeu um governo, fundou uma escola de “despensamento” e a exaltação da ignorância como novo marco civilizatório. E foram necessários 57 milhões de eleitores para escrever a epopeia do cretinismo. Os efeitos sobre o universo podem ser nefastos.
O Big Bang está ameaçado pelo Verbo.
. . .
Não, não é o Big Ben de Londres.
Não, também não tem nada haver como membro do colega de profissão do Alexandre Frota, o Kid Bengala. o Big Bang é o fenômeno cosmogônico . . .

Deixa pra lá!

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Aperte o cinto e chame o ladrão

Guernica - Pablo Picasso - 1937 Wikipedia, CC BY-SA 3.0

Aperte o cinto e chame o ladrão
Démerson Dias

Chame lá, clame lá, chame lá,
chame o ladrão, chame o ladrão
Chico Buarque

A operação Mãos Limpas não acabou com a corrupção na Itália., destruiu boa parte dos partidos de formação republicana e colocou no poder, por mais de uma década, um dos magnata mais corruptos país. Um chefe de matilha cujo nome me escapa, algo como Jair Berlusconi.
No Brasil o Condottieri Silvio Bolsonaro (ou algo assim) arrematou de forma espetacular a chefia das famílias, seus corações e mentes. Um feito que revela o país, mais que o próprio mandatário.
A mais importante pesquisa de perfil político do Brasil esclarece que levamos quinhentos anos de espoliação dos povos originários para descambarmos num contexto sociopolítico em que 57.797.456 de brasileiros não fazem ideia do que seja fascismo; 42.468.019 podem saber, ou não, mas isso não os preocupa. E a conclusão política mais emblemática em termos de país é que por aqui existem, no máximo, 47.040.819 democratas. Sendo que a maior concentração deles habita na região nordeste.
Como paulista tenho a opção de migrar para a região civilizada, ou iniciar campanha urgente para que tenham piedade das demais e não iniciem um processo de emancipação civilizatória. A meu favor tenho que São Paulo é a maior capital nordestina do planeta.
Dentre as qualidades incontestáveis do novo mandatário, ele possui todos os dez dedos nas mãos, se bem que ainda não nos livraremos dos discursos com uma tênue anquiloglossia. Por outro, trata-se de pessoa muito bem preparada, tem resposta para absolutamente tudo, inclusive metafísica e teoria das cordas, uma proeza, talvez em plano universal (universal, como assim?). E a resposta é: pergunta ao Posto Ipiranga.
Assim inicia a mais inusitada comédia de erros brasileira. O país haverá de sentir falta de Macunaíma, Pedro Malasarte, João Grilo e Simão Bacamarte que anunciaram sua retirada sabática sem previsão de retorno.
O Brasil amanhece este dia 29 de outubro de 2018 com uma revelação incontestável à luz da vontade e omissão da varonil nação brasileira. Em quinhentos e poucos anos de introdução do modelo civilizado por essas plagas, os exemplos mais consistentes de Estado Democrático no país são as concessões públicas ao crime organizado em morros, favelas e no regime carcerário.

Pequeno, modesto e parcial inventário de conquistas civilizatórias da mais recente versão da pandora brasileira.

Mestre Moa do Katendê - 7/10/2018 - Bahia
Laysa Fortuna - 18/10/2018 - Sergipe
Invasão preventiva das universidades brasileiras - 25/10/2018
Charlione Lessa - 27/10/2018 - Pacajus - CE
Reinvenção esquizofrênica da rês pública brasileira - 28/10/2018

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Onde foi parar a república?


Onde foi parar a república?
Démerson Dias

Ou acabou a eleição, ou acabou o Brasil. Terá que ser refundado, com democracia, ou com sangue.
O fenômeno Bolsonaro nunca foi uma iniciativa de militantes convictos, não é sequer iniciativa de militantes manipulados. É uma manipulação de eleitores regada a dinheiro de corrupção. Deslavada e espúria corrupção.
O filho de Bolsonaro esteve pessoalmente dedicado nos processos de manipulação, chegou a divulgar foto junto com “grande expert” Steve Banon que atuou na eleição de Donald Trump. Banon confirmou o envolvimento, e foi amplamente divulgada a tática de empresas como Cambridge Analitcs. Nos EUA isso levou Mark Zuckerberg a prestar contas ao congresso.
Se Bolsonaro não sabe o que seu filho anda fazendo em prol de sua candidatura e em seu nome a situação familiar do candidato é extremamente mais grave do que os problemas legais que podem ser enfrentados por sua própria candidatura. Como diz Daciolo: Sabe sim, sabe do que a mídia está falando.
Só que ao contrário do lema bíblico a verdade libertará a verdade de Bolsonaro pode leva-lo à cadeia. Afinal, por muito menos, Moro mandou Lula para lá. Sem qualquer flagrante. Bolsonaro será imolado em carne viva por Moro, claro, o grande paladino do país. Já é possível imaginar o powerpoint fabuloso que Dallagnol está elaborando com afinco.
Em seus quase trinta anos no parlamento Bolsonaro pode ter deixado de perceber, mas sua posição é rigorosamente a mesma que levou José Dirceu à cadeia, segundo a versão de “domínio do fato” inaugurada por Joaquim Barbosa.
Provavelmente a facada no segundo cérebro afetou seus sentidos, mas seu filho e todos o restante do país sabem porque empresas investem dinheiro em campanhas eleitorais, chamamos de investimento, mas o nome real é compra. Estão comprando um posto de poder para auferir vantagens e lucros tão logo o posto for ocupado. O filho de Bolsonaro é apenas o emissor da promissória do mandato do pai. Tem antecessores famosos como PC Farias, Marco Valerio, Paulo Preto, dentre outros.
Antigamente, quando o financiamento privado era permitido, sabíamos que grandes empresas, bancos, conglomerados investiram preventivamente em diversas candidaturas, sobretudo as mais promissoras. Havia caixa dois, mas era uma contingência do próprio mercado, que não podia demonstrar sobra de recursos tanto para iludir acionistas quanto o fisco.
O financiamento privado agora é proibido. Quem recorreu a esse expediente tem certeza absoluta que está atuando à margem da lei. São corruptos no inteiro teor do termo e de forma iniludível como gosta de asseverar a magistratura. Ocorre que não atuam apenas ajudando um candidato a ganhar maior projeção, suas ações configuram também crime já previamente tipificado na legislação eleitoral, trata-se do complexo e aterrador sistema de manipulação do eleitorado, num patamar muito maior do que a mera compra de votos.
Os currais eleitorais foram combatidos e quase que debelados em sua totalidade a partir de intensa enorme campanha contra compra de votos. Aquelas em que antigos coronéis ofereciam dentaduras, chinelos e toda sorte de bugigangas e bens aos eleitores fieis. Por essa razão, aliás, o sigilo do voto alcançou importância equivalente à própria garantia de lisura do voto eletrônico. Essa prática foi superada pelo esforço da sociedade das instituições, e também pelo arejamento partidário após a ditadura.
Chamávamos de compra de voto porque, fatalmente, atingiam pessoas em condições precárias de subsistência. Condições que também foram razoavelmente mitigadas ao longo da frágil democracia brasileira, principalmente pelos programas sociais. Programas aliás, historicamente condenados por Bolsonaro que só reviu sua posição para iludir eleitores nesse segundo turno. Chegou ao segundo turno maldizendo e execrando tais programas.
Agora vemos um candidato que defende a ditadura recorrer a procedimentos que só foram atacados após a superação daquele regime do qual ele é saudoso. Impossível ser uma questão acidental, ou passageira. Bolsonaro já coloca em prática as formas de manipulação da realidade que, na ditatura, em segunda instância levou à censura, tortura e morte. No dizer do candidato, situações como a de Wladimir Herzog “suicidado” a um metro de altura por enforcamento. Situação plenamente possível para um candidato que afirma que os povos africanos impuseram a própria escravatura às nações escravocratas. Em todos os sentidos a candidatura Bolsonaro é uma regressão aos piores tempos do Brasil. É de se imaginar, com ele no poder, em quanto tempo regrediríamos aos neandertais? Os brutais e animalescos ataques de seus eleitores que ocorrem às dezenas país adentro, já colocaram em andamento essa missão, diante da negativa e do silêncio sorridente de Bolsonaro diante da chacina.
A rigor a justiça eleitoral tem uma importante, porém simples decisão pela frente (a legislação já prevê algumas circunstâncias). As alternativas são suspender as eleições permitir que o peito se realize para posteriormente anular a votação de Jair Bolsonaro, ou refazer o primeiro turno das eleições, obviamente afastando Bolsonaro por inelegibilidade.
O primeiro grande problema a ser enfrentado e a principal dificuldade da Justiça Eleitoral e do próprio judiciário, nos últimos tempos, é provar que está disposto a perseguir (deveria garantir, mas tem se escudado de fazê-lo em favor de holofotes) a Justiça de forma republicana. Ou seja, com independência política entre os poderes. Caso o Judiciário não se mostre capaz, estará constatada a dissolução formal da República, na medida em que o poder que possui, como prerrogativa fundamental a preservação da institucional da democracia. Importante notar que a legitimidade da magistratura, que não é escolhida pelo voto, está fundada na defesa irrestrita, radical e plena da legalidade e constitucionalidade.
Não se trata, portanto, de uma questão que possa ser politicamente atenuada, não existe argumento formal, jurídico ou hermenêutico que satisfaça uma necessidade fundante do estado brasileiro. Ao poder político eleito pela sociedade compete cuidar da gestão do Estado, dos interesses nacionais e garantir que a sociedade possa viver com dignidade. O poder político atribuído ao judiciário como uma estrutura que não sofre a interferência da vontade circunstancial da sociedade se origina no movimento constituinte que dita e dá forma do estado-nação.
Vivemos ao longo das últimas décadas o vilipêndio quase que absoluto do caráter social da Constituição de 1988. Os três poderes da União bem como a quase totalidade dos governantes nos estados e municípios fizeram vista grossa ao desmantelamento do estado social.
A educação sabotada deu margem ao surgimento de uma sociedade que, em boa medida, pode ser manipulada por cordões digitais, na medida em que não conta com um sistema de ensino que promova a cidadania, autonomia e a liberdade como valores fundamentais. Os aparelhos de atenção à saúde bem como suas políticas foram desmantelados para abrir espaço ao sistema privado de saúde. E o setor financeiro e bancos foram regiamente remunerados ao longo destes últimos 30 anos às expensas de toda a sociedade, inclusive os excluídos e marginalizados.
Não há que se mencionar nesse contexto o tema da segurança, na medida em que ele é, basicamente, consequência das escolhas mencionadas anteriormente. A crise de segurança é a crise da ausência do estado, não apenas nas áreas em que ele tinha obrigação de atuar. É também consequência do descaso pautado como regra de política pública.
Cabe um parêntese oportuno, a mesma onda que colocou Bolsonaro em primeiro lugar no primeiro turno carreou, pelo menos em nível federal a segunda maior bancada do legislativo, além de agregados diversos, a tempo ou oportunistas. Como lidar com esse contexto derivado?
Esses meus apontamentos nada mais fazem do que tentar alinhar ainda que de forma superficial e ligeira o cenário em que o país está atolado.
A aventura do neofascismo no Brasil. Conclui sua primeira e talvez derradeira fase com um retumbante anticlímax. Para não esquecer de um segmento que foi decisivo e tem sido determinante para socorrer o futuro do país. Coube às mulheres, seguidas por crianças e homens (estes despidos de seus machismos), despejar sobre a sociedade as advertências contra o grave obscurantismo que ameaça a sociedade.
Agora, providencialmente ou não, cabe a uma Rosa demonstrar se os espinhos irão defender as pétalas da cidadania, ou se deixará que seja, mais uma vez, agredida e violentada.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O tiro que pode matar a democracia


O tiro que pode matar a democracia
Démerson Dias


Uma pessoa usando uma arma para acionar os botões da urna eletrônica, enquanto filma a cena.
Essa imagem deveria ser alerta suficiente para qualquer pessoa que dê valor à democracia. Certamente vai correr o mundo, e pode ser o símbolo fatal dessas eleições de 2018. Não me lembro de gesto semelhante.
Algum eleitor tinha ideia que havia gente armada à paisana nos locais de votação? Alguém é capaz de achar que essa imagem tem alguma relação com espírito democrático?
Alguns podem achar o comentário exagerado, mas nunca foi tão necessário frisar que filmar o próprio voto é uma atitude ilegal. Quem gravou essa cena não é uma pessoa que respeita as leis. Mas o que mais pode passar pela cabeça de alguém usar uma pistola no momento destinado ao principal gesto cívico?
Não existe razoabilidade possível, aliás, é absolutamente contraditório alguém achar que vai aprimorar uma democracia à bala. Alguns dizem que o voto é a maior arma do eleitor, essa pessoa não acredita nisso. Essa pessoa votou em Jair Bolsonaro.
A cena é a maior prova de que democracia possui um calcanhar de Aquiles. Admite uma candidatura não democrática.
Na democracia, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”, não existe poder que garanta de forma absoluta a condução democrática de um país. O poder, deriva do povo que o delega a seus representantes. Se o eleitor entrega esse poder a alguém que não dá valor à democracia ele, não apenas está permitindo que esse poder lhe seja retirado, como está praticando um gesto que fatalmente se voltará contra ele, direta ou indiretamente. Não existe uma única família brasileira que não tenha pelo menos um de seus membros ofendido por Jair Bolsonaro. A começar por todas as mulheres! #elenão
A grande cilada do desprezo do candidato pela democracia é que, uma vez empossado, o que o impediria de recorrer à força para ficar no poder indefinidamente? Ele já defendeu que a ditadura matasse 30 mil, defende a tortura. E seu grande herói é um homem que levou crianças para assistirem suas mães serem estupradas e torturadas. Isso é o que ele considera exemplo de virtude.
Imaginem ele, seus comparsas nas forças armadas, e também os civis que acham válido ir votar com um revolver, defendendo seu governo. Quem poderia tirar Bolsonaro do poder, inclusive porque as forças armadas obedecem ao presidente? Ninguém que votar em Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições poderá alegar desconhecimento de suas intenções.
Portanto, Jair Bolsonaro nem sequer pode ser considerado um bom militar. Aqueles defenderam a ocupação da Amazônia, este quer entrega-la a outros países. E que militar respeitável é capaz de saudar a bandeira de outro país?
Inúmeras matérias na imprensa dão conta de seu histórico de rebeldia e insubordinação. O mais provável é que sua escola tenham sido os aproveitadores, ao quais ele vem se aliando desde que chegou ao legislativo. A boa fé das pessoas é, mera escada que possibilitaram, além da multiplicação patrimonial (que ele também já alegou sonegar), a instalação de verdadeira dinastia parlamentar, que agora pretende se estender também pelo executivo.
Um dos apelos mais veementes do candidato é acabar com a corrupção. Esse raciocínio traz com ele um erro fatal para a democracia. Supondo que ele estivesse correto e 600 parlamentares sejam corruptos no país. Como já existem provas suficientes que ele próprio entra nessa estatística de corrupção, a troca de 600 corruptos por apenas um deles significa trocar 600 corruptos por um tirano. E toda tirania é a corrupção absoluta.
Mídia Ninja PE
As pessoas estão sendo iludidas a achar que ele preserva alguma virtude, e que se trata de um militar respeitável. Mas virtudes foi o que nunca teve, nem mesmo quando tenta se apresentar como miliar. Como fosse um bom exemplo.
Bolsonaro diz que defende a ditadura de 64, mas, nem os ditadores não o toleravam. Como militar, ele foi considerado “mau militar” por militares como Ernesto Geisel e Jarbas Passarinho. Ou seja, em termos de ditadura, é o pior entre os piores.