domingo, 30 de dezembro de 2018

O caos confortável da barbárie

O caos confortável da barbárie
por Démerson Dias


    Estou preocupado mas não é com o governo Bolsonaro. Os anúncios, avanços e recuos antecedentes sua posse estão aquém das barbaridades que sabemos estarem inseridas no contexto do protofascismo que ele representa.
    Aliás, até o momento prevalece o improviso estabanado e inconsequente, típico de pessoas que não geriram nem um ponto jogo do bicho.
    O capitalismo haverá de vendê-los como uma família vencedora, empreendedora. A mídia já entronizou a gang no poder, até seus laranjas ganham horário nobre nas emissoras do país. Alguém já viu acusado do campo progressista ter uma tribuna equivalente para ter sua versão legitimada?
    Os “jornais de oposição” farão suas críticas nas colunas sociais. Até um ex-porta-voz do Figueiredo voltará a ser lacaio.
    Não podemos nos iludir, todos os de cima estão felizes e se sentem aliviados e representados pelo seu servo mais estúpido estar a postos para fazer todo o serviço sujo e abrir espaço para um salvador da pátria que virá após a terra arrasada. Bolsonaro, se for bem sucedido (o que quer que isso signifique), será destroçado. É evidentemente um elemento descartável da equação que ainda não está concluída.
    O que me espanta mesmo são setores progressistas assustados com o descalabro entorno da família presidencial.
    Como podemos ficar surpresos que os bolsonaros estejam cercados de laranjas por todos os lados? E o mais grave é que a mídia já reduziu o problema aos laranjas, garantindo que não existe a menor intenção ir à raíz do problema, a família presidencial. O tal de Queiroz foi acolhido em rede nacional e pode mentir da forma mais descarada possível, sem que a imprensa tivesse o menor pudor em validar seus álibis tão mal forjados.
    Quando a esquerda compara os montantes das falcatruas bolsonarianas com as acusações a Lula, quando questiona a integridade do ex-füher de Curitiba, estão esquecendo que o candidato campeão de mentiras e falcatruas foi eleito e legitimado por conta delas, não apesar delas. O TSE já fechou questão. A corrupção à direita é conveniente, à esquerda um erro de digitação é prova cabal de má-fé. O TSE se rendeu bem antes que o STF.
O republicanismo do PT foi seu cadafalso. Ceder ao clientelismo das indicações do STF, subvertendo até mesmo a vocação corporativa do campo judicante foi exatamente a porta de entrada para a derrocada petista. Sem a AP 470, patrocinada febrilmente por um dos indicados do lulismo, as gangues parlamentares não teriam conseguido erguer o repúdio dos remediados contra os marginalizados.
    Dilma caiu porque Zé Dirceu caiu. Se não era possível, num primeiro momento atacar Lula de frente, comeram pelas bordas. E o lulismo minou a capacidade de resistência do PT, desarticulando, tornando-o ineficaz confrontar para a fisiocracia. Até que um dia um deslumbrado se apresentou para ser o carcereiro de Lula. São sempre os mais estúpidos agentes da ordem que cometem os delitos mais graves.
    E o que impressiona, de fato, é que as pessoas seguem promovendo as denúncias ao bolsonarismo como se houvesse um país, um judiciário, uma imprensa isentos. Sendo que, de fato, nunca houve. O Brasil ainda não se constituiu enquanto nação. Surge com a espoliação dos povos originários e se mantém por meio de golpes (fico, independência, Dilma), quando não quarteladas explícitas (República, Estado Novo, 1964). Esse modelo atinge agora sua maioridade. A constituição convertida em suporte à ditadura do mercado elegeu, enfim, não seu representante, mas seus mais venais aduladores. Não são ameaça de terra arrasada. São a própria terra arrasada.
    Essa hipótese vem sendo construída e experimentada no parlamento desde os anos Sarney. “Anões” que controlavam o orçamento. Elevação do baixo clero à posições de comando (Temer, Inocêncio Oliveira, Severino Cavalcanti). E assim chegaram a um dos mais ardilosos entre eles, Eduardo Cunha. Bolsonaro será o Eduardo Cunha do executivo (Como Peluzzo e Joaquim Barbosa e Carmen Lucia o foram no judiciário).
    Mas a militância precisa ser despertada para o fato de que estamos conjunturalmente derrotados. Não existe disposição republicana em qualquer das instituições com capacidade de intervenção. E isso foi gerado, exatamente pela inocência de achar que o lado de lá aceita conciliação. Essa é sua resposta. Conciliar implica em colocar os lados em pé de igualdade. Mas o lado de lá prefere morrer afogado do que ver os excluídos sentados à mesa da negociação. Antes um escroto no comando que um milímetro de dignidade aos marginalizados.
    A criminalização da luta política é apenas a face institucional do reacionarismo. As mortes que eram contextualizadas materialmente serão “obras do espírito”. A intolerância ocupa o lugar de mediação dos conflitos, ou seja, na dúvida, vale a resposta mais violenta.
    O “Não verás país nenhum” deve ser conjugado no presente. E quanto mais cedo admitirmos, mais chance temos de nos preparar. Do contrário, entraremos num ciclo de chorar os mortos, conformação, indignação, recomposição que não levará menos de um século. Como o outro lado tem predisposição para hecatombe, não sobrarão, sequer, bases sólidas, para reconstrução. Teremos que derrotar a barbárie para reerguer o país do zero.
    Se o campo progressista, possui alguém com o perfil para liderar essa resposta imediata, essa pessoa ainda não foi apresentada às vanguardas. A luta por justiça é extemporânea.
    O descalabro e a injustiça tomam assento em 1 de janeiro e será saudada por ninguém menos que  Benjamin Netanyahu, um dos patronos do pior Apartheid ainda em curso no mundo e sócio de todas as piores chacinas das últimas década. Assassinos e genocidas, esse é o clube no qual o país acaba de ingressar “democraticamente”.
    Agora somos sócios coadjuvantes, minoritários e descartáveis do “império do mal”. O terrorismo já não precisa mais de grandes planos para afetar o imperialismo, temos, inclusive nossas próprias torres gêmeas. Qualquer embaixada brasileira possui agora um grandioso alvo pintado no teto.
    Essas são as conclusões preliminares. Acho que são otimistas.
    Convém parar de fantasiar sobre democracia. Ela foi integralmente extirpada do estado brasileiro. Em seu lugar temos o pior de todas as mais perversas e venais camarilhas.
    Em tempo: Bem-vindos à uma república policial. Alguma coisa entre o "salve-se quem puder" e "quem viver, verá".

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