terça-feira, 11 de junho de 2019

MÃOS SUJAS!

O MOROGATE revelado e o fim estrondoso do delírio de uma república curitibana
Démerson Dias

Reprodução / Sindicato dos Rodoviários
Uma das coisas que a burguesia sabe fazer melhor é cálculo político. São pelotões de especialistas que investigam milimetricamente perdas e ganhos em toda e qualquer conjuntura.
Moro e seu conje, Dallagnol, estão formalmente desconstruídos. Por algum tempo, será difícil conquistarem até o cargo de síndico de prédio. Não porque tenham errado, mas porque foram pegos. E a regra geral no capitalismo é que os serviçais servem pra isso mesmo. Serem pegos no lugar dos seus mandantes ou tutores.
     Sempre existem possibilidades de se criarem atenuantes. Mas tanto minha leitura objetiva, quanto minha disposição afetiva, prevêem um desmantelamento espetacular de Sergio Moro. Plenamente merecido, a meu ver.
     Um erro primário cometido por Moro foi esquecer que inflar em demasia seu valor e capacidade o projetaria para uma camada política que seria fatal caso perdesse sustentação. E a assustadora inabilidade (somada a arrogância equivalente) contribui para que Moro e sua trupe não tenham pontos de apoio e sustentação suficientes para evitar um estraçalhamento profundo.
     A vaidade agrava a situação específica de Moro. Caso ainda fosse juiz, o pacto corporativo lhe garantiria uma blindagem natural, poderia contar, inclusive com a aposentadoria que é a pena máxima admitida a um magistrado. Seria difícil mantê-lo na atividade porque o escândalo atinge habilitação inerente ao cargo: a imparcialidade. Ao ser flagrado Moro tornou-se imediatamente inapto à atividade. Mas isso já é fábula.
     Outro sinal de que a Lava jato pode ter perdido respaldo está nos próprios organismos que orbitam a recomposição conservadora. O conluio era de conhecimento geral, mas sua exposição invoca a necessidade de preservar as aparências. 
     Parece um preço alto a pagar sair em defesa dos estafetas jurídicos, inclusive porque os benefícios da investigação vão perdendo vitalidade e esbarrando com círculos cada vez mais internos do poder real.
     Dentre os raciocínios embutidos nos cálculos está a redução de danos. É imprescindível que um problema pontual não contamine todo o sistema.
     Bem entendido, o problema não é a corrupção inerente à interferência indevida de Moro nas apurações do Ministério Público, mas que esse expediente tenha sido exposto. A manifestação de um magistrado em circunstâncias parecidas é sempre sentença preventiva. É melhor cortar na carne da lava jato do que deixar o escândalo gangrenar e colocar sob suspeição toda a magistratura e as demais articulações em andamento. Trata-se de salvar os dedos disponibilizando os anéis.
     A corporação judicante contou com a pronta manifestação do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Alfredo Attiê. Não precisava ser mais explícito: “coloca o sistema Judiciário em descrédito”.
     Na ritualística judicante, a magistratura está sinalizando que Moro não representa um risco aceitável. Suponho que seja simples entender que o desembargador não fala em nome próprio, mas da corporação. 
     Outro indício eloquente, a Ajufe, Associação de Juízes Federais não aderiu ao discurso de vazamento criminoso o que, somado à declaração de autenticidade de Moro, indica que está lavando as mãos em vista do contexto alheio à defesa das prerrogativas dos seus associados.
     Para Moro, o vazamento tem a vantagem de, praticamente, inviabilizar sua condenação criminal. E Dallagnol, convenhamos, sempre foi o arauto júnior que dependia dos precários e imprecisos conselhos do agora pseudo-ex-magistrado. As chances de que o Conselho do Ministério Público queira se embrenhar numa lavação de roupas pública em pleno processo sucessório do novo PGR é escassa. Sem prejuízo de que a situação evolua após a sucessão de Raquel Dodge.
     No cenário “interna corporis” o que ainda é incerto, embora com solução nas próximas horas, é como o Supremo Tribunal Federal irá atuar institucionalmente. Toffolli tem sobre si um dilema, patrocinou uma iniciativa de perseguição contra aqueles que contestam a reputação da corte que preside, mas tem sobre sua cabeça a tutela militar a quem não interessa a imolação de Moro. De outro lado, Gilmar Mendes não deverá encontrar oportunidade mais apropriada para um ajuste de contas com o lavajatismo.
     Moro talvez aprenda a pior lição de sua vida: ele nunca foi mais do que descartável. 
Dallagnol, talvez, nem isso. Sempre haverá um púlpito e fiéis condescendentes, sua carreira jurídica talvez tenha acabado. Moro, se ao menos garantiu o seu greencard, pode ir se socorrer em Langley, na Virgínia. E, se o fisco estadunidense permitir, terá um vizinho igualmente criativo com quem trocar inconfidências.
     A mídia comercial demonstrou fragilidade diante do bombardeio do The Intercept. E a Folha, que costuma ter o melhor senso de oportunidade nesses casos, está sendo quase implacável. Vai saber o tipo de ajuste de contas que tem interesse em fazer.
     O jornalismo capitalista foi absolutamente incompetente para expressar, no mínimo, uma fumaça de imparcialidade, alguns tentam parasitar o vigoroso trabalho jornalístico do The Intercept. Mas são, em essência, incapazes de colocar o problema na dimensão devida.
     Essa mídia mercante, no máximo, pretende transformar a crise em novelão romântico, com mocinhos virtuosos e bandidos perversos. Inclusive tratando bandidos como mocinhos e vice-versa.
     Aos socialistas, não convém cederem à ingenuidade em relação a ditadura burguesa, vulgo, “democracia burguesa”.
     Infelizes os que enxergaram qualquer fiapo de virtude no ex-führer her doktor Moro e seu Reich. Que, aliás, acaba de derreter.
     O interesse principal para a burguesia nacional quanto à Lava jato foi tirar o lulismo do páreo. Já, mantê-lo preso é uma questão de custo benefício.
     Lula, por sua vez, já demonstrou que está focalizando todo seu empenho na derrota dos operadores da lava jato, somente. Pena poupar de sua indignação os mandantes, dentre os quais, no mínimo, a CIA e o Departamento de Estado Estadunidense, a mídia comercial obscena e o rentismo nacional.
     Lula pode, inclusive ser útil nas difíceis transições que se apresentam no futuro próximo, até mesmo para fechar novo acordo de governabilidade, a exemplo do que o PT fez com Temer e os golpistas.
     Lula já insinuou que sua divergência, por exemplo, com a reforma da previdência é de grau, não de princípio.
     Não descarto que a burguesia disponibilize a liberdade de Lula, neste momento, como forma de inviabilizar uma articulação progressista de amplitude que se contraponha ao rentismo.
     A exploração diversionista da crise pode dar ao governo algum fôlego para negociar, nas sombras, os acordos junto ao legislativo.
     A desconstrução da lavajato possui outra vantagem, abre um novo fôlego para recomposições e acertos da pauta governista com o legislativo. Mostrar a grana não é suficiente, quanto antes estiver em poder dos destinatários, maior a segurança e agilidade. E o vazamento disponibiliza uma pauta diversionista que qualquer político minimamente experimentado faria, não apenas uma limonada. Faria bolo, torta e ainda sobraria limão para uma mouse.
     Claro que político experimentado não é algo que pensemos ao lembrar o nome Bolsonaro que em trinta anos sequer foi capaz de ser referência no baixo clero.
     No entanto a crise é formidável para o oportunismo de Rodrigo Maia cujo silêncio, em hipótese alguma, significa comedimento. Em silêncio ele é muito mais eficaz do que quando fala. Comparando ele com Bolsonaro, Maia é capaz de dar três voltas em torno do presidente antes que esse perceba que ele se moveu. Falo por experiência e isso não é exatamente um elogio a Maia, que já chegava no Congresso em 98 como gestor político, além da herança política familiar.
     Corrupção é uma questão estrutural jamais será equacionada em tribunais. Onde existe miséria patrocinada e onde existe disputa de poder, existe corrupção. Sendo que a corrupção que envolve dinheiro é a mais superficial. A corrupção ideológica, essa sim, está na raiz os problemas
     Se tiver uma fração da inteligência que proclama, Moro vai entender de forma exemplar porque é preciso escolher com prudência seus inimigos.  Na luta contra Golias, Sansão tinha, ninguém menos que deus, a seu favor. Já os caramujos têm muito pouca chance numa disputa contra um sapato.
     Pensando melhor, talvez eu esteja sendo presunçoso. Às vezes, observando o percurso cognitivo de Sérgio Moro tenho a impressão que ele vai voltar ao seu anonimato, sem ter dimensão do que foi capaz de ter nas mãos e perder, por absoluta indigência intelectual.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Épica

Démerson Dias
Para Maria Cecília Vicente de Azevedo
Somos tuaregues, ianomâmis e mexicas;
Salvador Dali - Niño geopolítico observando
el nacimiento del nuevo hombre (1943)
andamaneses, inuits, bantus e mongóis.
Flor do umbigo da Pangéia, somos cosmonautas.
Somos aquele um que nunca quis existir
antes de ser mais, antes de ser nós.
Somos os corpos mortos, e ressuscitados pelo Ganges.
Ĉiuj parolas esperante
Antropoversalidade.
Somos os leprosos, os virtuosos, os assassinos e os vencedores
Somos os deuses paridos em mocambos,
que são mais ricos que palácios erguidos por mãos escravas.
Deuses, assim, livres.
O eu é uma verdade desejável, mas irrealizável.
Encontrado em momentos tão fugidios
que nunca mais serão os mesmos das ilusões,
prenhes de memórias, perenes nas cicatrizes, e volúveis nos desejos
Eis-nos aqui, nus, cobertos por madrepérolas,
ou inundados pelo sangue avassalador dos nossos inimigos.
Nosso próprio sangue.
Não somos múltiplos, somos todos,
e seremos ainda mais, conforme se toquem as nossas diferenças
Somos frutos do orgasmo e do açoite,
encantados pelos germes, revelados pelas vergonhas
e inocentes pelos nossos anseios.
Somos a mãe d'água, terra livre e lavas em fúria.
Somos o gelo em que, no calor, se diluem nossas dores
Filhos da morte, ideais das revoluções
Sonolentos nas tempestades
Somos as amebas incansáveis rasgando a carne do cosmos
para inventar o próprio sangue
Somos o nada que não desistiu
De ser todo.

sábado, 4 de maio de 2019

Elogio à República Bolivariana por mais uma vitória sobre o golpismo mercantil exógeno

por Démerson Dias



     Particularmente, estou mais interessado com as relações sexuais das estrelas-do-mar do que com a “ditadura” na Venezuela.
     Quem está achando que Guaidó faz sentido, para mim é um esquizoide social, literalmente, idiota. Ou analfabeto político no dizer de Bertold Brecht. Nada tenho para dizer a eles. Mas repudio incondicionalmente o golpismo e ainda com mais intensidade o cerco militar, econômico e ideológico encetado pelo Demonismo de Trump.
     Com demonismo quero me referir ao globalitarismo de fim de mundo, ou globalitarismo apocalíptico em que o capitalismo, em sua versão neoliberal, tentar encurralar a nós todos.
     Torço pelo projeto da “República Bolivariana”. Nicolás Maduro não é um ditador. Fidel também não era.
     Os EUA são mais próximos de uma ditadura bipartidária do que o projeto bolivariano e a revolução cubana. O conceito de democracia foi flagrantemente deturpado pelo imperialismo pós-guerra. O Brasil, a rigor não deixou de ser uma ditadura. Vide o que já alertava Dalmo Dallari em 19982, sendo que a situação não melhorou, nem se corrigiu, desde então. Concretamente, a perpetuação de inconstitucionalidades não é apenas antidemocráticas. Assim como a decisão, ainda provisória sobre a prisão em segunda instância. E mais ainda com a condução coercitiva como medida cautelar, a prisão como exercício coercitivo para adulterar provas testemunhais.
     Aliás, são eufemismos tolos, o Brasil mata por ano, mais que todos os conflitos armados em todos os países centrais somados. É o maior programa de extermínio em andamento no mundo. Evidentemente as vítimas primordiais não pretos, pobres, brancos pobres como pretos e, após a vitória miliciana, mulheres vítimas dos eleitores do coisa ruim.
     Então, temos que gente dessa estirpe quer se meter a chamar Maduro de ditador. Eu teria ódio, mas esse é o tipo de exercício que faz mal a nós e às pessoas que nos são próximas. Então, tenho algo mais que desprezo. Algo como um desprezo incisivo. Faço questão de anunciá-lo.
     Para quem não vive sem,  estou excluindo de meu ambiente social virtual todos que percebo estarem defendendo qualquer aspecto da “doutrina bolsonaro”.
     Os Eua são tarados por guerras pelo petróleo. Tarados dos mais incorrigíveis e doentios. O capitalismo precisa disso para ter liberdade para produzir tutelas diversas sobre países, economia, imaginário e também cultura. Trump é um dos mais versados em aquisições hostis que já passou pelo salão oval. Talvez o maior deles depois do “pistoleiro” Reagan.
     Como sou cheio de defeitos, alguns deles eu prefiro preservar. Por exemplo quem chame Maduro de ditador já cai no meu conceito. Pode-se incluí-lo entre os loucos (todos) como fez Pepe Mujica, mas o termo ditadura hoje está liquefeito, quase evanescente. O Brasil é uma ditadura e só agora parcela da esquerda se deu conta pela amistosidade com que a gangue no poder consegue transitar sem obstáculos maiores que os antecessores. O que só evidencia que os  saqueadores permanentes do país relativizam até mesmo um semovente indócil como governante.
     A Venezuela conquistou uma etapa cultural importante. O ódio como profissão desceu de lá, das sucessivas investidas oposicionistas e se estendeu pelo Brasil. A direita tirada de cena e o quadro que temos hoje na Venezuela não é uma crise política. São as contorções dos saqueadores do país que perderam proeminência e chamaram o “tio sam” para lhes socorrer. São estúpidos, claro. O tio sam não se meteu por amor a eles, mas porque é parte da sua agenda o assalto ao recurso energético venezuelano. Guaidó vai evaporar mais rápido que Capriles. E é impressionante a paciência do governo bolivariano que não o expulso do país. Já que ele gosta tanto do tio sam, porque não vai morar na Flórida?
     É como os cubanos e brasileiros que acham que se trata de alguma benesse serem hospedados na península da Florida. Fora da Venezuela Guaidó vale menos que nada para o tio sam.
     A construção social levada a cabo por Hugo Chávez ainda é uma conquista histórica. Maduro não possui os mesmos recursos seu antecessor e aquele não investiu na constituição de um bloco coeso e consistente de sustentação, o que é surpreendente já que reconstituiu praticamente toda a cúpula dos poderes republicanos. Esse é um desafio comum a toda a esquerda. Lula cometeu o mesmo erro, embora, em escala de erros superiores a Chávez, por não ter apostado em ruptura, mas numa conciliação que, afinal, o colocou na cadeia com a cumplicidade de alguns de seus beneficiários. E as estruturas econômicas do Brasil não foram incomodadas.
     Tanto lá, como aqui, trata-se de tornar o Estado um bem público, sob controle público e operado por um grupo consistente de trabalhadores comprometidos, não com os governantes, mas com o interesse público.
     Pra nossa sorte temos uma burocracia que possui um apego importante à formalidade. Por essa razão, alguns agentes públicos têm oferecido alguma resistência à demolição generalizada. Mas Maduro, nesse aspecto convive com um desafio bastante maior. Se não estiver construindo e pavimentando a próxima etapa da revolução bolivariana sua queda é questão de tempo.
     O calote dos EUA teria que ser seguido por um redirecionamento da produção a novos parceiros. Deve ser a milenar cautela chinesa que detém a China de se oferecer como destinatária do petróleo Venezuelano. Não tinham se passado 100 dias de doutrina bolsonárica para a China ver vantagem em azeitar seu comércio com os EUA.
     De qualquer forma, cabe à chancelaria bolivariana entrar na guerra de forma soberana e buscar urgentemente parceiros que substituam sua dependência comercial com os EUA. E devem fazer isso antes que o cerco se amplie e um bloqueio formal se estabeleça. Para Cuba foram décadas de escassez.
     Nesse debate não é preciso menosprezar o incidente do atropelamento de um manifestante por um tanque. Em se tratando de Brasil criticas a esse episódio correspondem a uma hipocrisia criminosa. Maduro está sendo imensamente mais tolerante com Guaidó e seus amigos do que os facínoras brasileiros foram em 64 e os milicianos são hoje.
     Sinto-me especialmente bem com minha impaciência em relação ao pedantismo apedeuta dos bolsonaristas. Conforme mencionei em postagem recente é preciso tomar as palavras de Bertrand Russell como advertência: “as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas”.
     Não precisamos de certezas quanto ao que é necessário, é suficiente saber o que é inaceitável. E ando bem pouco generoso com os elogios à ignorância, à venalidade e a taras morais capitalistas. Diante da doutrina de renovação fascista em curso no país é preciso máxima cautela para que a paciência e tolerância não se confundam com covardia. Quem não tem dignidade não consegue reconhecê-la nos outros.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Distopia, tática, estratégia, revolução

Por Démerson Dias

Conforme os  inibidores da recaptação de serotonina,. dopamina etc vão fazendo ou deixando de fazer efeito no meu sistema nervoso, fico menos, ou mais impaciente com incapacidade do país tomar pé da excepcionalidade democrática que vivemos.
Pensando em 1984 de George Orwell, se usarmos em lugar do grande irmão o deus-mercado, ou mesmo o Google, fica escandalosamente claro que a diferença entre a distopia do livro e a nossa vida é que o primeiro é uma ficção (ou antecipação) científica, enquanto nosso dia a dia é a realidade. Ainda mais eloquente e contundente que o livro.
Talvez alguns não acreditem porque em detalhes ou pormenores a obra de Orwell não seja expressão exata do que nos ocorre. Se quem pensa assim é materialista, ou de esquerda eu preciso alertar que se a obra retratasse com perfeição os nossos dias, Orwell não seria escritor, e sim, profeta.
Preciso também invocar uma passagem do controverso Osho, que no meu tempo se chamava Rajneesh e que, compilando contos zen budistas mencionava o caso em que uma pessoa, tendo alguém lhe apontado a lua, se deslumbra com o dedo que aponta e desperdiça a experiência formidável de olhar o satélite “prateado” da terra.
Parcela da esquerda, por exemplo, se recusa a entender que, em dado momento histórico, o PSDB rompe com o antigo PMDB pela esquerda. Que FHC foi aluno de Florestan Fernandes e chamado de “príncipe da sociologia”, o que, convenhamos, não é um título que caiba a alguém muito à direita. Assim como o nome do partido invoca a social democracia que foi, basicamente uma resposta dentro do capitalismo para responder aos avanços sociais consistentes do bloco socialista.
Da mesma forma um Partido dos Trabalhadores é precisamente da classe que vive do trabalho tanto quanto uma central única é a única central sindical do país. Cada qual, assim como todo o restante da esquerda se considera a expressão máxima e melhor enquanto organização política. No entanto, levamos um baile de uma das coisas mais abjetas da política nacional. Podemos sacar milhões de teorias, ponderações e ressalvas. Não importa nada. A realidade nos esbofeteia a cara e se fingimos não notar, a próxima pancada vem ainda mais forte.
A esquerda no Brasil vive uma espécie de doença perceptiva que embola nomes, intenções, projetos e “verdades”. Se por um lado alguns setores aderiram a um pragmatismo que desvirtua concretamente as formulações marxianas, o outro, ao disputar verdades é tão estupidamente contraproducente que faz mais bem ao adversário capitalista do que a qualquer dos segmentos que se pretendam progressistas e/ou populares (reivindico historicamente o papel dos trabalhistas de um lado e dos anarquistas de outro).
Para não falar em setores democráticos (que necessariamente incluiria os liberais utópicos, desenvolvimentistas, nacionalistas etc), há quem não enxergue na formulação “ditadura do proletariado” a crítica radical à democracia burguesa. Suspeito que há gente na esquerda esperando iludir a população com promessas de representatividade e fidelidade para chegar ao poder e instalar a verdade suprema do partido único, em si, para si, e tão opressor com a dissidência quanto qualquer regime totalitário. Expurgos partidários não são raros entre nós. Sempre haverá um gulag de novo tipo disponível para acomodar nossos hereges.
A cada momento e especialmente agora neste Brasil que elegeu um misto de facínora,  corrupto e promíscuo para o poder político central, só com muita distração não se percebe que não haverá solução mediada e pacífica para o problema político brasileiro.
De outro lado, cumpre à esquerda marxista entender que o Estado representa interesses da classe que o controla, ou seja, enquanto houver Estado estaremos sob uma ditadura e isso não é uma disposição pacífica do marxismo. Ao contrário.
Os governos de esquerda brasileiros que chegaram ao poder, primeiro o tucanato, depois o lulismo alcançaram, cada qual, estágios distintos em suas experiências na condução da ditadura da burguesia. Cheios de dedos, tentaram sempre mediar, com graus distintos de ousadia os conflitos ontológicos entre burguesia e proletariado.
Não precisou muito, Dilma deposta por fazer o que todos faziam, Lula preso por governar em coalizão e um militar rebelde sem causa incapaz de fazer explodirem espoletas nos quartéis consegue dinamitar as fundações não apenas das tentativas de conciliação, mas de toda a formulação democrática construída ao longo da derrocada da ditadura de 1964.
Se as esquerdas se subordinam ao suposto processo democrático republicano para espalmar avanços estruturalmente ridículos, uma canetada de um aparvalhado destroça inapelavelmente todas as esperanças num grau de ousadia que nos deixa atordoados e à beira de um colapso dos sentidos.
Ou a esquerda se entende e se compreende como sendo o avesso da ditadura da burguesia, ou seja, não temos nada a ver com isso aí, ou vai se limitar a masturbar ambições golpistas mais inalcançável que qualquer delírio dos socialistas utópicos.
Nem todo avanço vale a pena, nem todo benefício ou conquista da classe é consequente, agendas econômicas, por mais concretas e coesas, não garantem por si só, nem absolutamente, qualquer avanço na contraposição efetiva ao capitalismo. Aliás, nunca tanto quanto hoje nos fez falta uma teoria revolucionária, que trace táticas, estratégias e que aponte com clareza o tipo de ruptura que iremos, pretendemos, ou supomos alcançar. E a ruptura, bem entendido, não se confunde com verborragia, nem muito menos com ódio.
Espero que as esquerdas brasileiras aprendam que jamais seremos tão bons em odiar quanto a direita. O futuro perseguido pelas esquerdas será includente, ou não será. Isso implica em incluir, neste momento, até mesmo as frações do capitalismo que não sejam humanamente antagônicas. Nem com as joias do infinito seremos capazes de fazer sumir a metade do universo que não se alinha à nossa visão de mundo comunista. Em algum ponto desse processo, presumivelmente com a conquista decisiva e não farsesca do Estado teremos a atribuição de construir essa mediação. E, para Marx, o proletariado no controle do aparelho do Estado alcançará um projeto de democracia extremamente mais consistente que a burguesia.
Quanto mais cedo nos despirmos das aspirações fúteis, nas quais nossos delírios de poder flertam com a mesquinharia burguesa, mais próximos estaremos de alcançar uma equação política que seja realizável dentro da realidade em que vivemos. Vamos postular loucuras saudáveis, os loucos depravados já demonstraram que seu repertório é imensamente mais profícuo e extenso que o nosso. Inclusive eles matam muito mais e sem remorso, ou pudor algum.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Suprema tolice

por Démerson Dias

     Com a mesma velocidade que fundamentalistas produzem “pós-verdades”, as autoridades da recém suicidada república do Brasil expelem idiotices. Deve ser uma pandemia.
     Dias Toffoli e Alexandre de Moraes conseguiram meter os pés pelas mãos numa questão que, se tratada com serenidade poderia fazer avançar o combate às “fake news”.
     E o jeito correto de fazer isso, seria flagrar os infratores, no caso da internet, quanto mais público, melhor. Não me lembro de ter lido “Crusoé” e conheço “O Antagonista” bem demais para me expor às sandices. Ainda assim, censura, a esses veículos configura, antes, usurpação de poder que denota medo de que se conheça a verdade. O que depreendo preliminarmente da atitude é que as publicações devem ter encontrado verdades que se pretendia ocultar.
     Exemplos pululam. O pai dos filhos presidenciais mentiu recentemente afirmando que universidades públicas não fazem pesquisa. Poderia ser enquadrado como produtor oficial de “fake news”. Por mim seria preso com camisa de força, mas havemos de convir que ele se meteu a juntar três palavras sobre as quais não faz a menor ideia “universidade”, “público” e “pesquisa”, já que o que ele mais faz é falar pelos cotovelos e ainda tentar lamber pra ver que gosto tem.
     As tolices, sandices e barbaridades se avolumam nas portas dessa diarréia governamental com mais disposição que moscas sobre um dos lixões das nossas cidades.
     O STF parece tentar impressionar o país produzindo idiotices com o mesmo ardor.
     Não foi possível ler o artigo e não me esforcei para encontrá-lo em algum cache da internet, mas se, como divulgado, trata-se de depoimento dado por Marcelo Odebrecht, atendendo a interpelação a autoridade policial responsável por cuidar de inquérito criminal, no caso, a Polícia Federal, a verdade está ao alcance de qualquer autoridade competente, inclusive o judiciário.
     Ou consta, ou não consta, a informação de que o “amigo do amigo do meu pai” é Dias Toffoli. Não é preciso formação em direito para saber que os desdobramentos são elementares. 1) A informação é falsa, então cabe buscar as penas aplicáveis às publicações; 2) A informação é verdadeira e Marcelo Odebrecht pode estar mentindo ou falando a verdade e as publicações são isentas de qualquer acusação, bem como a censura merece ser repreendida e as autoridades envolvidas devem responder por abuso de poder.
     Nessa segunda hipótese, cabe outro parêntese: a lavajato sob o beneplácito da Suprema Corte, estabeleceu que o depoimento realizado em delação pra escapar da cadeia é prova cabal para se imputar culpa a qualquer um. Toffoli concordou com essa prática. A menos que se reveja toda a fundamentação que colocou muita gente, inclusive Lula, na cadeia, o que temos é que Marcelo Odebrecht afirma que Toffoli esteve envolvido em maracutaias governamentais.
     No mínimo Dias Toffoli deveria poupar o país de mais esse vexame e deixar o cargo que ocupa no STF.
     Pessoalmente não faço a menor ideia do que trata a acusação, ou o enredo. Considero a nomeação de Toffoli um equívoco político do PT. Mas se ele não tem culpa, sua obrigação como magistrado é confiar no devido processo legal.
     A questão de calúnias contra qualquer autoridade pode ser tratada institucionalmente e o judiciário é o espaço primordial em que essa questão pode ser tratada.
     Ao censurar os veículos que, em tese, estão repercutindo informação verídica, o STF presta um desserviço descomunal ao combate das notícias falsas. E dão um péssimo exemplo que, caso persista, pode ser mantido por qualquer autoridade. Nesse caso, censura é o aveso de justiça.
     Ou os ministros do STF confiam, ou não confiam, nos procedimentos judiciários. Quem não confia, deve pendurar a toga para o sucessor e ir cuidar da vida, ou de alguma milionária banca de advocacia, onde não pesará sobre ele a obrigação de dar exemplo como autoridade de Estado.

sábado, 6 de abril de 2019

Tchutchuca é a conge da goiabeira, talquei?

Por Démerson Dias

                                           Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta. 
Albert Einstein

     A questão é se o Brasil acaba antes do repertório de sandices, embustes e estupidez desse governo. Como o país não é infinito, creio que acabamos antes do que a capacidade deles de serem imbecis.
     No entanto, a imbecilidade não conflita com as safadezas, ao contrário. É usada como diversionismo para desviar a atenção da destruição que estão implementando com velocidade igual à que destilam idiotices.
     Apesar de ter oferecido álibi para o gatuno tumultuar uma prestação de contas que lhe parecia insuportável, e apesar também da expressão infeliz, a fala de Zeca Dirceu foi uma síntese bastante apropriada sobre como deve ser tratado esse governo.
     É preciso sim, desmoralizar as canalhices, e expor de forma explícita a contradição entre discurso e prática, inclusive os discursos de campanha. Como é que a prioridade de quem dizia pretender melhorar a vida do povo é destruir o pouco que resta de seguridade social? O mesmo pulha que virou tigrão na sessão, pede aos congressistas que não reajustem o salário mínimo. 
     Tabata Amaral do PDT também encurralou o colombiano demissível Vélez. Por mais que a esquerda titubeie em relação à unidade, é preciso entendermos que esse governo já é o mais inapto da nossa história. E a burguesia que o sustenta está apenas desconfortável pela sua incapacidade de fazer o butim sem causar constrangimentos. Sabemos que isso só se sustenta enquanto a burguesia não construir alternativa competente. Ainda assim, isso pode vir tarde demais.
     Lamento pelos que ainda creem em uma república nesse país. Democrática, talvez nunca tenha sido, mas não é possível esperar que o Brasil sobreviva institucionalmente à empulhação que administra negociatas para nos levar, direto e sem subterfúgios, ao abismo.
     O “Brasil acima de tudo” vai lamber o saco do Trump e confraternizar com o exterminador de palestinos. Somados, EUA e Israel são os patrocinadores das maiores e piores chacinas da atualidade. Sendo que os EUA são o único país do mundo a lançar bombas atômicas contra população  humana. E o Brasil da tosquice de seus atuais governantes quer se enturmar com essa gangue. Parece até que é bonito e engraçado matar gente!
     Acho que devemos acreditar, de uma vez por todas que eles, acima de tudo, não são paspalhos. Ao contrário, estão falando sério e, na surdina e com cara de idiotas aloprados querem realmente moldar o país ao seu modelo pervertido de realidade. Bem entendido, os piores salafrários prendem os demais para eliminar a concorrência. Os piores devassos dos pintos sagrados que abençoam suas fiéis com a porra santa, querem instituir um monopólio da devassidão, para isso acusam todos os detentores de desvios menores. Mas não é só isso.
     Para esses devassos, o nazismo é mesmo de esquerda porque, se tivessem inteligência e meios fariam pior que Hitler (se calhar, a nossa incredulidade passiva, vai garantir que levem adiante suas intenções sem a resistência devida). Quem sabe o Brasil é que precisa de ajuda humanitária contra um surto pandêmico e altamente contagioso de demência coletiva. Até os parceiros chilenos colocaram constrangidamente um pé atrás com os elogios esfuziantes do déspota assassino Pinochet. E não, não é ilusão, o mundo inteiro sabe que Pinochet é um péssimo exemplo para a humanidade. Foi condenado fora de seu país e com a anuência de todo o mundo.
     Voltando ao nazismo de esquerda, é importante lembrar que Hitler chegou onde chegou começando com um discurso de boas intenções e alavancando vertiginosamente a economia, sobretudo para se tornar uma potência bélica. Acabou produzindo o holocausto, que só foi derrotado porque comunistas e capitalistas se convenceram que era preciso conter aquele extremismo de direita.
     Ao contrário de Hitler, os coisos já começam segregando, ameaçando, e seus devotos, torturaram, mataram e “tocaram terror” desde antes da eleição. Isso, sem mencionar o principal consórcio privado governamental, as milícias, que instalam a barbárie no Rio sob a égide da democracia machista, censitária e branca.
     Se Hitler chegou ao holocausto, até onde irá esse desatino de governo?
     Cabe à militância social, ao campo progressista e democrático conter a vassalagem desmedida, do contrário acabaremos todos atolados no lodaçal. Para o capitalismo predatório não importa que exista um país por aqui. Ao contrário, se pudessem construíram escolas para formar estúpidos como o entulho presidencial. E não nos enganemos que é isso que sua plataforma educacional tentará impor ao país. A desconstrução civilizatória que nega a terra redonda, as vacinas profiláticas, e educação como plataforma de construção de conhecimento e cidadania.
     Sobre isso, aliás, como um país que ainda não rompeu com o analfabetismo funcional vai implementar o ensino em casa? Aonde leva essa proposta no caso concreto?
     A mídia não tem tratado com a devida seriedade uma disposição da bancada da teologia da prosperidade. Segundo eles, o Brasil deve levar a embaixada para Jerusalém para contribuir com a chegada do Armagedom bíblico. E eles não escondem essa intenção. Concretamente pretendem provocar “fim do mundo” e estão falando sério.
     Podemos fazer troça e dizer que, como deus é brasileiro, é bem capaz que consigam. Felizmente seu livro sagrado não diz que basta o Brasil levar sua embaixada para que se rompam os selos do apocalipse. Mas isso não muda o fato de que essa é a determinada intenção deles. Jim Jones era um mísero coitado.
     Quanto falta para proclamarem formalmente o extermínio dos diferentes? Seus soldados não estão esperando a convocatória. É sintomático o alinhamento ideológico em praticamente todas as atrocidades que o país está vivendo, inclusive os massacres recentes e a preferência absoluta dentre os recentes feminicidas.
     Esse é o tipo de “tolice” doida demais para não ser levada a sério, mas que pode efetivamente ser implementada sob nosso riso apreensivo, mas republicanamente condescendente. Não reconheço no mundo expressão mais evidente da barbárie. Concorre em pé de igualdade com o capitalismo financeiro. E ambos têm como perspectiva a destruição da humanidade como a conhecemos.
     Nunca na história o Brasil chamou a atenção da resistência militar islâmica. Agora o Hamas não apenas sabe que o Brasil possui entusiastas partidários da política de Israel, como conhece a biografia presidencial. A partir de quando será prudente desocupar as “torres gêmeas” do Congresso Nacional?
     É preciso um grau de tolice exorbitante para se aliar aos piores facínoras do mundo e pintar um enorme alvo sobre o país e fazer isso experimentando um ufanismo suicida. Se o Brasil entrar na lista de alvos da guerra terrorista, o fundamentalismo irá recrudescer em níveis assombrosos. 
     Temos um governo duplamente escatológico (fim do mundo e excrementos). Estamos fora do espaço da política formal. O conluio governamental é ponta de lança de uma guerra redentorista que se consideram os santos vingadores dos últimos dias.
     De outro lado, campo democrático e progressista está excessivamente descuidado com os inúmeros e gritantes alertas.
     Como sugeriam W. B. Yeats e B. Russell o paradoxo da atualidade é termos tantos idiotas e fanáticos arrogantes e cheios de certezas e tantos sensatos e sábios cheios de dúvidas. Pode ser que esse descuido custe muito mais em futuro e vidas do que a última ditadura explícita do país. A realidade na sede do bolsonarismo indica que este é um governo para quem todas as balas perdidas ceifando vidas são justificáveis. Espero que não notemos isso da forma mais cruel e tola.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Titica na cabeça

Titica na cabeça
Por Démerson Dias

Sergio Moro deve ter fumado titica. E gostado.
Se há um lobi que havia perdido força nos espaços centrais do poder era o das indústrias de tabaco. Desde 1996 esse segmento viu constrangidos seus espaços de atuação e aceitação. Há décadas foram obrigados a publicar nos seus produtos fotos horripilantes sobre os resultados do fumo ostensivo e seus efeitos, inclusive sobre os familiares.
Ainda que o consumo oscile, a indústria do tabaco era uma preocupação inercial da saúde pública, sem que o Estado viabilizasse qualquer favorecimento ostensivo ao setor.
Mas o Brasil vive um governo pródigo em flertar com a barbárie. Não chega a ser surpreendente porque a avalanche Bolsonaro está batendo todos os recordes de liberação de drogas agrícolas. Mas não se pense em maconha, daime. São drogas pesadíssimas, pesticidas, transgênicos, coisa do tipo.
Pessoalmente, fico com a impressão que Sergio Moro e Nana Caymmi andaram consumindo a mesma substância. Ou ele sofre de uma intoxicação por ter sido exposto por tempo excessivo a um certo polemista brasileiro que vive na Virgínia e garante que cigarro não causa câncer e isso é uma conspiração inventada pela cúpula marxista do mundo que controla a Onu, os tsunamis e as barragens da Vale.
Temo que estejamos diante de uma espécie de apocalipse, diante da quantidade de perplexidades que esse governo consegue produzir, o deus deles pode se arrepender e escolher um novo Noé.
Bolsonaro deve ter ordenado que seus ministros se envolvam num projeto megalômano de entrarem para o livro dos recordes como o governo que produziu o maior número de disparates e bizarrices.
Conta-se à boca pequena que Bolsocoiso quer apagar da memória do mundo a memória de seu principal concorrente como governante capaz de produzir esquisitices, Kim Jong-un. Não, Trump não conta porque é hors concour. Francamente eu aposto tudo em Bolsonaro.  Com três meses de governo já ameaça o reinado do norte-coreano.

Sendo que o mais impressionante é que essas coisas servem de ótimo pano de fundo para o profundo saco de maldades que eles pretendem aprovar contra toda a sociedade. Fora a suspeita de que pretendam também, com essas iniciativas, levar uma parcela da sociedade à insanidade. Quem, em sã consciência seria capaz de imaginar o país sendo governado por um bando tão seleto de celerados?

Alguém supor que reduzir impostos de cigarros beneficia a saúde pública é caso de fantástico de inversão absoluta de valores. Como é que alguém ainda valoriza o cigarro como um mercado de consumo váliido?
Por que não falar, então em redução de danos e política de descriminalização de drogas e redução dos riscos de contaminação entre consumidores? Imitar o Uruguai, nem pensar, né?
A estupidez assimilada bovinamente por Moro é que reduzir impostos dos cigarros beneficia a saúde pública porque diminui o consumo de  cigarros de baixa qualidade produzidos fora do país.
Que eu me lembre, os cigarros importados do Paraguai saiam e entravam de volta no país para burlar impostos.
Vai saber o que mais esses caras pretendem ressuscitar? Eu ia mencionar, mas dizem que é perigoso dar ideias, eles não tem qualquer escrupulo de sanidade.

Por falar em Titica, devemos também repudiar o palhaço Tiririca que convenceu o país não poderia ficar pior do que estava.
Bolsogangue acima de tudo e os salafrários encima de todos.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Só podia ser de Pernambuco

"Só podia ser de Pernambuco"
por Démerson Dias

Foto: Acervo Instituto Paulo Freire
Às elites brasileiras, sobretudo, aquelas que se albergam nos pombais de luxo em Miami, e também as que se orgulham de declinar corretamente as regências nominais óbvias, vira-latas são os demais brasileiros. Dessas que, conforme Ariano Suassuna, dividem a humanidade entre os que foram e os que não foram à “Disney”.
Formalmente, não é demérito comparar a maioria do povo brasileiro, esse exaltado por Darcy Ribeiro, com vira-latas. Demérito seria comparar os vira-latas com aquelas elites.
As regências nominais podem passar incólumes, mas as virtudes humanas não se medem por essas regências.
Para a elite acadêmica mundial, essa que já sabe que a vida não se resume a um parquinho temático, o mais importante intelectual brasileiro é um cabra nascido no Recife.  Antes que Miami turve também o conhecimento geográfico do país (terra plana, geocentrismo etc), Recife fica em Pernambuco.
Uma das formas de medir o valor de um trabalho científico é pelas vezes em que sua obra é mencionada em outros trabalhos. Depois que a matéria da BBC repercutiu no Brasil as informações publicadas na Nature (revista científica britânica e uma das referências acadêmicas mais importantes do mundo), eis que “descobrimos” que Paulo Freire, mais especificamente “Pedagogia do Oprimido”, é a terceira obra mais citada em trabalhos acadêmicos na área de humanidades em todo o mundo (https://blogs.lse.ac.uk/impactofsocialsciences/2016/05/12/what-are-the-most-cited-publications-in-the-social-sciences-according-to-google-scholar/). 
O artigo de Elliott Green, professor da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, na Inglaterra, conta que a Nature baseou sua pesquisa no Google Scholar e levou em conta as cem obras mais citadas no mundo. A obra de Paulo Freire teve nada menos que 72.359 citações.
Outro projeto, o Open Syllabus Explorer da Universidade de Columbia aponta que nos países de língua inglesa Pedagogia do Oprimido é a segunda obra mais solicitada nas universidades.
Ou seja, na área do conhecimento, um brasileiro, pernambucano, está entre os intelectuais mais citados no mundo. Não sei quantas estátuas de Paulo Freire existem no Brasil. Na suécia há uma que o equipara a grandes lideranças libertárias de décadas passadas.
Faz muito sentido que uma parcela de brasileiros obscurantistas odeiem e repudiem Paulo Freire. Como pode um sertanejo (não importa que seja de Recife, um dos centros urbanos mais importantes do país, uma das duas capitanias hereditárias que vingaram desde o pactuamento de Tordesilhas.
O que é capaz de destruir o obscurantismo? O esclarecimento, o conhecimento. Mas não é só isso. É preciso odiar Paulo Freire porque ele é um dos brasileiros mais amorosos e generosos que viveu nesse país.
Freire afirmava que só existe diálogo onde existe amor, já que o pressuposto para o diálogo é o respeito pelo outro, não o sentido de posse, ou tutela sobre a consciência do outro.
Acreditava que o conhecimento não é propriedade intelectual de ninguém, e não havia “saber mais ou saber menos: há saberes diferentes”. Assim como “palavra não é privilégio de algumas pessoas, mas o direito de todos”.
Só consegue vincular Paulo Freire a qualquer prática autoritária que nunca teve contato com suas ideias, suas obras. É importante frisar que o mérito pelo qual seu reconhecimento é mundial é exatamente por ter pensado uma pedagogia libertária. Se era essencial após o nazismo e a guerra fria, que dirá agora, quando parcela da humanidade flerta e graceja com o totalitarismo.
Dizia que “ninguém é sujeito da autonomia de ninguém”, mas que a “liberdade é adquirida pela conquista, não pelo presente. Deve ser perseguida constante e responsavelmente”.
Da mesma forma afirmava que “glorificar a democracia e silenciar o povo é uma farsa; discursar sobre humanismo e negar as pessoas é uma mentira.” E que “um verdadeiro humanista pode ser identificado mais por sua confiança no povo, que o envolve em sua luta, do que por mil ações a seu favor sem essa confiança”, porque “líderes que não agem através do diálogo, mas insistem em impor suas decisões, não organizam as pessoas - elas as manipulam. Eles não liberam, nem são liberados: eles oprimem”.
Para Paulo Freire “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, na medida em que “ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.”
Uma de suas reflexões mais conhecidas é “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.”
Dependendo de quem menciona o fato, Paulo Freire já foi traduzido em 18, 20, ou 40 idiomas. A versão mais citada de Pedagogia do Oprimido é a traduzida para o espanhol. Na sinopse para uma das edições comemorativas da Bloomsbury, uma das editoras que publica Freire fora do Brasil, consta que “a metodologia do falecido Paulo Freire ajudou a capacitar incontáveis pessoas pobres e analfabetas em todo o mundo. O trabalho de Freire assumiu especial urgência nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, onde a criação de uma subclasse permanente entre os menos favorecidos e as minorias nas cidades e nos centros urbanos é cada vez mais aceita como norma . . . Pedagogia do Oprimido inspirará uma nova geração de educadores, estudantes e leitores em geral nos próximos anos. ”
Existem centros de estudos sobre a obra de Paulo Freire na África do Sul, Áustria, Alemanha, Canadá, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos, Finlandia, Holanda, Inglaterra, Portugal. Recebeu homenagens em pelo menos 35 universidades, entre brasileiras e estrangeiras, como a Universidade de Genebra, a Universidade de Bolonha, a Universidade de Estocolmo, a Universidade de Massachusetts, a Universidade de Illinois e a Universidade de Lisboa. 
Existem crítico de Freire entre os especialistas, é claro. Por exemplo, até mesmo para os Democratas nos Estados Unidos, a proposta de Paulo Freire é perigosamente democrática. Ainda assim, Pedagogia do Oprimido e o Manifesto Comunista de Marx estão entre as obras mais exigidas. Essa visão tacanha de que o que eu não gosto eu não leio não é apropriação dos EUA, é copyright brasileiro mesmo.
Em Pedagogia do oprimido a educação formal é considerada de “concepção ‘bancária’ da educação”. “O educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é "encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Dai que seja mais som que significação e, assim, melhor seria não dizê-la.
...
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão.
Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante.
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.
Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também. Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.
O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca.”
Eu teria mais a dizer sobre Paulo Freire, vai ficar pra outra oportunidade. Nessa citação descobri notei novos elementos que merecem reflexão. 
O que deve ficar evidente por essa citação é que o Brasil de maneira geral nunca se pautou pela fórmula sugerida por Paulo Freire, O que prevalece ainda é o método bancário de ensino, algumas escolas e professores se esforçam. Se tivéssemos seguido seríamos uma Finlândia tropical.
Ainda assim, que bom que era Pernambucano. Se fosse estadunidense aqueles brasileiros despossuídos de si iriam deglutir bovinamente, sem qualquer revisão crítica. E Paulo Freire ficaria entristecido.
Vai ser bom assim lá em Pernambuco, Brasil!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Bolsonaro deveria explicar o assassinato da Marielle

Bolsonaro deveria explicar o assassinato da Marielle
por Démerson Dias

     Foi lugar comum na mídia mencionar “medo” entre as razões de Jean Wyllys para deixar o próximo mandato e o país. Medo ajuda na nossa preservação, é importante.
     No anúncio que faz, Jean Wyllys vai bem além do medo, mas deixa claro que medo não é a parte determinante nessa decisão. Mas poucos querem ir além de um lugar comum.
     Por exemplo, o pólo oposto ao medo está a covardia de um exército de idiotas que, por serem capazes de expressar sua estupidez de forma violenta, acham que possuem algum valor, poder ou autoridade.
     Wyllys está melhor preparado para notar a extensão do que a mídia fez questão de omitir ao longo da semana.
     A família Bolsonaro possui ligações íntimas com as milícias e foram as milícias que mataram Marielle Franco e Anderson Gomes.
     Isso significa que existem respingos de sangue que subiram a rampa do Planalto junto com a gangue/famiglia/quadrilha que foi levada ao poder pelos 57 milhões de brasileiros que ainda não entenderam o que significa democracia.
     E porque existem as milícias?
     Por que um bando de covardes mentecaptos, principalmente nas forças armadas, ao longo da bandalheira instalada a partir de 1964 tinha uma necessidade sobrenatural de afirmar sua suspeita virilidade criando as iniciativas em torno da chamada esquadra Le Coq.
     Bandidos que se sentiram desprestigiados e outros que tornaram-se viciados em sadomasoquismo e passaram a depender de doses cada vez mais intensas de prazer diante do terror alheio.
     Uma pessoa saudável que tivesse mandato parlamentar no Rio de Janeiro e relações com o tema da segurança deveria assumir como fracasso o franco descaso do país com os regimes de insegurança.
     Wyllys não está tomando uma decisão exclusivamente por conta do medo. Mas a causa principal é a covardia das pessoas do convívio do atual governo que sobrevivem dos subprodutos da violência em escala industrial que toma conta do poder.
     E a mídia está muito pouco interessada a contar essa história.
     Era, se não me engano, 2006 quando o crime informal decretou toque de recolher em São Paulo. A boca pequena se comenta que o tucano emplumado que ocupava o governo conseguiu um armistício com a área de segurança informalizada representada pelas organizações como PCC. Não é minha área, portanto deixei de acompanhar os desdobramentos.
     Mas em 2016 ao mesmo tempo em que Michel Temer promove o golpe de estado contra o país e Dilma Rousseff, tem início uma conflagração entre segmentos desse verdadeiro departamento de organizações criminosas que entram em disputa pelo controle dos presídios e crimes no norte e nordeste do país. Pelo visto sul, sudeste e centro-oeste já possuem seus acordos “intergovernamentais”.
     A primeira atividade social em escala ocorrida no Governo de Bolsonaro é a transformação do Ceará em tabuleiro de guerra pela organização da “segurança informal” do país. Não parece acaso terem colocado Moro na área à qual está subordinada a segurança do país. Ele já demonstrou ser um especialista em facilitar a vida dos criminosos transferindo a outros a responsabilidade pelos crimes de seus protegidos.
     A grana dos laranjas, goiabas, açaís comove e ocupa lugar no debate nacional, mas o movimento mais consistente do governo é a acomodação dessas instituições paramilitares no âmbito dos espaços de poder do país.
     Aliás, a própria intervenção no Rio parece ter correspondido à tomada de partido por parte dos facilitadores em cargos públicos para uma solução, ou tomada hostil do controle do crime/segurança informal.
     O risco maior é que a especialidade maior da família do revólver em punho seja exatamente prestar assessoria para um conluio definitivo entre as instâncias formais de governo e os interesses de setores que sobrevivem pela omissão do país em garantir um contexto de civilização em que as coisas não se resolvem na ponta da faca, ou da bala.
Fico propenso a achar que Marcola teria sido uma escolha bem mais civilizada. De saída, até em Davos ele seria capaz de fazer melhor 6'38". Se é pra chamar os especialistas, melhor que sejam os mais competentes. Eles, inclusive não custam tão caro.
     Muito além de atos indeterminados  que levaram Lula à cadeia, estão atos determinados que garante que a as organizações da criminalidade, a família Bolsonaro e os executantes de Marielle e Anderson façam, parte de um mesmo conglomerado. E agora estão “no poder” como nunca antes. O Brasil não rompeu com a corrupção, atolou-se nela de corpo e alma e agora pela sua facção mais grotesca, aquela para quem encomendar a morte é mais simples do que autorizar uma transação bancária de  R$2000 reais. E bem mais barato que isso, também.
     Bolsonaro e seus comparsas, nós já sabemos.
     Mas e nós? De que lado você está na política do ódio? Não se engane, quem não está com eles, está, ou estará, certamente, sob sua mira.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Caiu a árvore que estava podre


Caiu a árvore que estava podre
Démerson Dias

Ia como a cidade, garoento e frio.
Frio indeciso, entre o corte e o abraço
Ainda vivo a caminho da morte

Foto: Démerson Dias
Mais morte havia na cidade impura e vã
Assim o decretava o progresso
Tão espelhado e ágil, quanto torpe

Do viaduto, um grito em luz que me alertava
Caiu a árvore que estava podre!
Céticos verdes ainda nos troncos,

Aquele grito em luz tal qual um verde em fuga
Cujas sombras não mais se notava
bailando em vento, ornamento ou valsa

A cidade que amanhecia não era honesta
Era impura e vil, quase cruel
Só não era tanto porque esperança

Que não é a cidade que tortura as almas
Pessoas, sim, às almas e árvores
Árvores, cidades, esperanças

A sina da árvore em nada era incomum
Só não existia, até que caiu
E de seu  nada se fez transtorno

Memória agora, quem não se sabia planta
Não que a árvore fosse gentil
O gentil da hipocrisia, não

Foto: Nelson Antoine/Estadão Conteúdo/Veja SP
Assim também o barranco no qual pendia
Privada do silêncio eloquente
De quem não a reconhecia viva

E que miserável é uma tal cidade
Em que só se existe ao morrer
Minha cidade apodreceu a árvore

Ou quanto de mim não será que a derrubou
E o que assim, de mim, de nós, com ela
Também não apodreceu com a queda

Estava podre a árvore em nós?