sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Bolsonaro deveria explicar o assassinato da Marielle

Bolsonaro deveria explicar o assassinato da Marielle
por Démerson Dias

     Foi lugar comum na mídia mencionar “medo” entre as razões de Jean Wyllys para deixar o próximo mandato e o país. Medo ajuda na nossa preservação, é importante.
     No anúncio que faz, Jean Wyllys vai bem além do medo, mas deixa claro que medo não é a parte determinante nessa decisão. Mas poucos querem ir além de um lugar comum.
     Por exemplo, o pólo oposto ao medo está a covardia de um exército de idiotas que, por serem capazes de expressar sua estupidez de forma violenta, acham que possuem algum valor, poder ou autoridade.
     Wyllys está melhor preparado para notar a extensão do que a mídia fez questão de omitir ao longo da semana.
     A família Bolsonaro possui ligações íntimas com as milícias e foram as milícias que mataram Marielle Franco e Anderson Gomes.
     Isso significa que existem respingos de sangue que subiram a rampa do Planalto junto com a gangue/famiglia/quadrilha que foi levada ao poder pelos 57 milhões de brasileiros que ainda não entenderam o que significa democracia.
     E porque existem as milícias?
     Por que um bando de covardes mentecaptos, principalmente nas forças armadas, ao longo da bandalheira instalada a partir de 1964 tinha uma necessidade sobrenatural de afirmar sua suspeita virilidade criando as iniciativas em torno da chamada esquadra Le Coq.
     Bandidos que se sentiram desprestigiados e outros que tornaram-se viciados em sadomasoquismo e passaram a depender de doses cada vez mais intensas de prazer diante do terror alheio.
     Uma pessoa saudável que tivesse mandato parlamentar no Rio de Janeiro e relações com o tema da segurança deveria assumir como fracasso o franco descaso do país com os regimes de insegurança.
     Wyllys não está tomando uma decisão exclusivamente por conta do medo. Mas a causa principal é a covardia das pessoas do convívio do atual governo que sobrevivem dos subprodutos da violência em escala industrial que toma conta do poder.
     E a mídia está muito pouco interessada a contar essa história.
     Era, se não me engano, 2006 quando o crime informal decretou toque de recolher em São Paulo. A boca pequena se comenta que o tucano emplumado que ocupava o governo conseguiu um armistício com a área de segurança informalizada representada pelas organizações como PCC. Não é minha área, portanto deixei de acompanhar os desdobramentos.
     Mas em 2016 ao mesmo tempo em que Michel Temer promove o golpe de estado contra o país e Dilma Rousseff, tem início uma conflagração entre segmentos desse verdadeiro departamento de organizações criminosas que entram em disputa pelo controle dos presídios e crimes no norte e nordeste do país. Pelo visto sul, sudeste e centro-oeste já possuem seus acordos “intergovernamentais”.
     A primeira atividade social em escala ocorrida no Governo de Bolsonaro é a transformação do Ceará em tabuleiro de guerra pela organização da “segurança informal” do país. Não parece acaso terem colocado Moro na área à qual está subordinada a segurança do país. Ele já demonstrou ser um especialista em facilitar a vida dos criminosos transferindo a outros a responsabilidade pelos crimes de seus protegidos.
     A grana dos laranjas, goiabas, açaís comove e ocupa lugar no debate nacional, mas o movimento mais consistente do governo é a acomodação dessas instituições paramilitares no âmbito dos espaços de poder do país.
     Aliás, a própria intervenção no Rio parece ter correspondido à tomada de partido por parte dos facilitadores em cargos públicos para uma solução, ou tomada hostil do controle do crime/segurança informal.
     O risco maior é que a especialidade maior da família do revólver em punho seja exatamente prestar assessoria para um conluio definitivo entre as instâncias formais de governo e os interesses de setores que sobrevivem pela omissão do país em garantir um contexto de civilização em que as coisas não se resolvem na ponta da faca, ou da bala.
Fico propenso a achar que Marcola teria sido uma escolha bem mais civilizada. De saída, até em Davos ele seria capaz de fazer melhor 6'38". Se é pra chamar os especialistas, melhor que sejam os mais competentes. Eles, inclusive não custam tão caro.
     Muito além de atos indeterminados  que levaram Lula à cadeia, estão atos determinados que garante que a as organizações da criminalidade, a família Bolsonaro e os executantes de Marielle e Anderson façam, parte de um mesmo conglomerado. E agora estão “no poder” como nunca antes. O Brasil não rompeu com a corrupção, atolou-se nela de corpo e alma e agora pela sua facção mais grotesca, aquela para quem encomendar a morte é mais simples do que autorizar uma transação bancária de  R$2000 reais. E bem mais barato que isso, também.
     Bolsonaro e seus comparsas, nós já sabemos.
     Mas e nós? De que lado você está na política do ódio? Não se engane, quem não está com eles, está, ou estará, certamente, sob sua mira.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Caiu a árvore que estava podre


Caiu a árvore que estava podre
Démerson Dias

Ia como a cidade, garoento e frio.
Frio indeciso, entre o corte e o abraço
Ainda vivo a caminho da morte

Foto: Démerson Dias
Mais morte havia na cidade impura e vã
Assim o decretava o progresso
Tão espelhado e ágil, quanto torpe

Do viaduto, um grito em luz que me alertava
Caiu a árvore que estava podre!
Céticos verdes ainda nos troncos,

Aquele grito em luz tal qual um verde em fuga
Cujas sombras não mais se notava
bailando em vento, ornamento ou valsa

A cidade que amanhecia não era honesta
Era impura e vil, quase cruel
Só não era tanto porque esperança

Que não é a cidade que tortura as almas
Pessoas, sim, às almas e árvores
Árvores, cidades, esperanças

A sina da árvore em nada era incomum
Só não existia, até que caiu
E de seu  nada se fez transtorno

Memória agora, quem não se sabia planta
Não que a árvore fosse gentil
O gentil da hipocrisia, não

Foto: Nelson Antoine/Estadão Conteúdo/Veja SP
Assim também o barranco no qual pendia
Privada do silêncio eloquente
De quem não a reconhecia viva

E que miserável é uma tal cidade
Em que só se existe ao morrer
Minha cidade apodreceu a árvore

Ou quanto de mim não será que a derrubou
E o que assim, de mim, de nós, com ela
Também não apodreceu com a queda

Estava podre a árvore em nós?

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

“Quase todos perdidos de armas na mão”


“Quase todos perdidos de armas na mão”
por Démerson Dias

Uma das cenas mais infelizes da históra 
     Amadas, ou não, as mulheres serão alvo primário desse ensandecido decreto pelo direito censitário ao assassinato. Ninguém se engane, o aumento da disponibilidade a armas de fogo irá banalizar os crimes cometidos por esse meio, já que está disponibilizado com a mesma facilidade que um eletrodoméstico. Lapsos de sanidade ensejam o uso do que está à mão.
     Uma mulher espancada até a morte e jogada do apartamento; uma delegada e uma segurança espancadas por um brucutu; milhares de mulheres que sobrevivem à violência doméstica podem deixar compor as estatísticas de agressões, passando para as de feminicídio propriamente caracterizado.
     Agora, mídia e institutos de pesquisas que ajudaram a construir o mico Bolsonaro anunciam que um contingente enorme rejeita a ideia de liberação de armas. Há muito tempo a mídia deixou de disfarçar que tudo o que faz é propaganda. Ela vende a atenção de seu público e dissemina a ideologia da ordem. Não foi o capitão Brancaleone que criou “notícias populares”, “aqui e agora”, “cidade alerta”. O atual presidente é uma das consequências da política editorial da mídia.
     Apesar de não ter me esforçado para acompanhar tudo o que foi dito, não vi ninguém que tenha dado destaque a um dos dados mais estarrecedores da nova medida. Por que até quatro armas por indivíduo? Agora mulheres poderão ser alvejadas por quatro calibres distintos.
     Ou será que alguma empresa de coldres já está projetando um suporte para quatro armas, e num instante nos tornaremos uma terra sem lei, tipo um faroeste dos trópicos?
     Talvez para que isso passasse batido surgiu a absurdamente grotesca comparação com os liquidificadores de extermínio em massa, que podem ser o terror dos laranjas políticos, como disse, salvo engano, Jean Wyllys.
     Admito que devo ter passado as últimas décadas hibernando, já que devo ter perdido o infame massacre do turbo autolimpante ocorrido num cinema de shopping em São Paulo. E a criança que esquartejou o irmãozinho com sucessivos ataques realizados com a tecla pulsar. A chacina da candelária com equipamento que possuia cinco velocidades diferentes. Eldorado do Carajás foi um evento que contou com processador avançado de cana de açucar. E, por fim, o ápice da insanidade com o massacre dos multiprocessadores no Carandiru.
     É claro que há idiotas ocupando posições políticas em todos os lugares, no entanto é difícil saber se o pior é alguém dizer esse tipo de aberração, ou que nenhum de nós postule sua interdição como incapaz.
     E há limite para o sarro que podemos tirar, mas não para a insanidade das pessoas.

     Não existe absolutamente o menor risco do problema da violência diminuir. A certeza absoluta é que vai se agravar. Os jornais já noticiaram que, da posse ao porte, basta ter como álibi uma rotina diária de visita a um clube de tiro. Mesmo considerando uma posse em casa e outra no trabalho ainda sobram duas para o faroeste casual.
     Outro dado da insanidade é que setores ligados à vida militar sejam patrocinadores de uma ideia como essa. Haja idiotice, já que, armar a população é abrir mão do monopólio estatal da coerção. Depois das mulheres, as vítimas preferenciais serão militares em expediente ou nos bicos que são instigados a fazer. Também não há hipótese do arsenal circulante nas ruas diminuir, a banalização da posse de arma será diretamente responsável pelo agravamento da violência. E o lóbi da bala fez questão de garantir que qualquer pessoa que viva nesse país que mata mais do que qualquer conflito armado no planeta seja um potencial consumidor de armamento.
     E como o capitalismo é absolutamente desenfreado, na medida em que afrouxa-se a aquisição de armas permitidas, ao mercado informal restará abastecer as pessoas de bem com inovações e armas restritas, afinal, é preciso se destacar da gente diferenciada que passará a ter acesso aos calibres e modelos convencionais.
     E pensar que há pouco tempo a reclamação dessas pessoas de bem era pelo contingente que passava a ter acesso facilitado à linha branca, automóvel e passagem aérea.
     Devem observar que o decreto não menciona a reserva de mercado às pessoas de bem. A única sorte desse estrato social sub-burguês, é que não será uma decisão corriqueira gastar mais de três salários mínimos num item de uso eventual.
     O que, por outro lado, será um estímulo para aqueles que tiverem interesse em “fazer dinheiro” através das armas de fogo. Sendo que a mais singela das formas é utilizar sua disponibilidade cidadã de adquirir armas para abastecer o mercado informal para aqueles que farão uso delas para agravar as estatísticas de violência. Tão certo quanto existem os desmanches que fazem receptação, o mercado de recepção de armas roubadas será turbinado de forma medonha.
     Não consigo imaginar que uma pessoa que defenda o armamento da população para conter a violência esteja em seu juízo perfeito. Mas é inegável que interesses comerciais legais e escusos são os principais patrocinadores dessa causa.
     A lista de riscos é vasta e vou parar apenas mencionando um dos mais graves desdobramentos em minha opinião. Num país atormentado pelo ódio, pelo todo tipo de opressão moral (bullying, assédio, etc) qual o impacto dessa medida para a incidência e efetividade das tentativas de suicídio?
     “Abandonai toda a esperança!, vós que entrais”. O Brasil adentra o purgatório.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Comando Brancaleone

Comando Brancaleone
por Démerson Dias

    A estupidez é uma benção!
    Já imaginou Pelé comemorar a vitória do adversário?
    E Sherlock Holmes comemorar o sucesso de Moriarty?
    Segundo o dicionário Oxford Cuckold é uma expressão que indica, dentre outras coisas, o hábito do Cuco de colocar seus ovos para outras aves chocarem. No Brasil e em outras áreas da cultura a expressão remete a outro tipo de fetiche.

    Foi exatamente isso que ocorreu no governo de Mr Jair Brancaleone (com o perdão de chamar de “governo”).

    Depois de anos xingando governos anteriores por abrigarem o revolucionário italiano Cesare Battisti, ter feito juras aos seus eleitores comovidos de que iria perseguir e expulsar esse terrorista do Brasil, o governo policial brasileiros, enfim comemora que E eis que finalmente o perigosíssimo terrorista Cesare Battisti,  foi entregue a autoridades italianas.

    Pela polícia da Bolívia.

    Realmente, prestando atenção, não tem graça. Cesare Battisti, terrorista internacional que seria perseguido implacavelmente pelo maior "expert" brasileiro em segurança, exemplo da luta anticomunista no mundo livre, cercado por todos os lados de outros "experts" militares cheirando a naftalina, foi capturado pela polícia de um país governado por um índio aimará comunista.

    Como vexame pouco é bobagem, imediatamente após a prisão na Bolívia o super-plus-ultra ministro da Justiça (que comanda a polícia que deixou Battisti escapar), o Chanceler visionário e o expedito comandante do vistoso gabinete da segurança institucional se acotovelaram junto ao capitão presidente para comemorarem o sucesso da caçada.
    Os dois primeiros divulgaram nota garantindo ao mundo que o Brasil tomaria todas as medidas para garantir a extradição do fugitivo (sic). O terceiro esbanjou algumas dezenas de milhares de reais mandando um avião para a Bolívia que voltou de asas abanando. E o presidente, é claro, comemorou distribuindo um delicioso pão com leite condensado.
    Dizem que as autoridades bolivianas, ao saberem do rebuliço brasileiro se entreolharam e apressaram-se a enviar Battisti para a Itália, antes que a insólita competência brasileira desse sumiço com ele novamente.

    A estupidez é realmente uma benção. Ainda bem que os brasileiros desmanchavam-se entre gargalhadas. Do contrário teriam percebido que o terrorista mais procurado da Itália, cuja perseguição durou 38 anos desembarcou na Itália. Sem algemas.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Ilusões do Paraíso

Ilusões do Paraíso
Por Démerson Dias

Christian Rex Van Minnen - 2012
     O capítulo da posse ainda não se encerrou e alguns setores já se deparam com a "surpresa" das práticas da ditadura sob nova direção.  Os jornalistas foram tratados como as crianças reféns da pobreza nas periferias do país, acomodados em chiqueirinhos,  transportados como escolares e tendo que levantar a mão e esperar na fila para ir ao banheiro. E, principalmente, não podiam circular por qualquer lugar.
     A atualização do cenário é que tiveram que levar lanchinho pois a escola sem caráter não serve mais merenda, o dinheiro público não se presta a isso, há gente gananciosa demais para que a merenda chegue às escolas. Vícios públicos, benefícios privados. Apenas um upgrade do tucanato paulista.
     Os dois aspectos que se destacam na posse são a paranoia pela segurança e o tratamento anti profissional, via de regra truculento. Com direito a trovinha homofóbica no ministério dos direitos dos humanos de bem.
     É compreensível a reclamação dos profissionais da imprensa, mas a reação  dos representantes do novo pretor não deveriam surpreender.  São condizentes com o que qualquer um que tenha tido um mínimo de atenção seria capaz de antever. Não existe profissionalismo na nova gestão, nem muito menos será uma gestão pública. É uma gestão para os amigos, aos inimigos, restam as leis que serão corrigidas para deixar mais claro o desprezo governamental.
     Reclama também a imprensa de uma suposta censura ao COAF. A democracia é uma beleza, mas tem certos custos, 57 milhões de brasileiros, inclusive os patrões dos jornalistas e vários deles, se empenharam para que o país chegasse a isso. Deveriam comemorar, não contestar. Aliás, apoiaram um candidato que não admite contestação.
     Entendo a dificuldade dos profissionais da mídia e até posso me solidarizar com eles, mas o país escolheu essa via e o percurso não será breve. Ao optar por andar para trás, teremos que refazer todo o caminho rumo à democracia mitigada que encontrávamos em governos anteriores, que eram democráticos apesar da mídia, não por conta dela. Nos últimos anos, aliás, a mídia valeu-se de esquemas de favorecimentos e informações privilegiadas. Inclusive obstruiu a investigação de seus sócios como Carlinhos Cachoeira. Fazem parte do conluiu.
     Para quem apoiou a eleição dos Coisonaros não cabe falar contra a censura, é regra na democracia burguesa que formações delicadas e nocivas ao centro do poder sejam tratadas com sigilo.  É compreensível o desconforto, mas não a surpresa. 
     Houve reclamações de que o pretoriado iria eleger apenas os veículos amistosos para repassar informação e verbas. Reclamações absolutamente injustificadas. Liberdade de expressão é prerrogativa dos direitos humanos a atual dinastia foi eleita em campanha contra os humanos. Bandido bom é bandido morto, imprensa boa é propaganda.
     Ademais, em que momento o novo pretor jurou ser delicado e gentil?  Toda sua vida pública foi pautada pela agressividade, tergiversação e platitudes.
     O que seria o cúmulo do absurdo é se de uma hora para outra os Coisonaros fingissem ser civilizados. Se isso ocorrer deveriam ser depostos.
     As coisas haverão de piorar muito antes que alguém convença os bárbaros de que isso aqui deveria ser um país civilizado. Essa é a hora deles, abençoados por milhões de pessoas e de grana, inclusive em moeda estrangeira.
     Em tempo: o que sobrou de gente civilizada no país, ainda está imaginando como fazer para transmutar a truculência em democracia. Por enquanto, são as pessoas de bem que estão no comando.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Verdades que libertam e as que matam

Verdades que libertam e as que matam
por Démerson Dias


Copérnico - escultura de Bertel Thorvaldsen
Academia Polonesa de Ciências
     Recentemente tive a desconcertante experiência de dialogar com um amigo que contesta a forma geoide da Terra.
     É desconcertante porque até pessoas inteligentes podem fazer afirmações estranhas se não tem uma noção básica do conjunto de conhecimentos que a humanidade acumulou desde o tempo em que lascávamos sílex para nos defendermos e caçarmos. Não falo do fogo porque sua descoberta pode ter sido acidental, e seu domínio tecnológico não precisa ter envolvido a interação entre experimentação e elaboração do conhecimento.
     Quero realçar “PODE TER SIDO ACIDENTAL”. Essa não é minha área de conhecimento. E quando não temos certeza de algo, convém admitir a incerteza. Polis é ai que começa a distinção entre ciência e crendice. Em âmbito especializado, existem convenções que auxiliam ao avanço das pesquisas, como dizer que a gravidade é igual a 10 m/s², que a velocidade da luz é aproximadamente 300 mil K/h.
     Na física sabe-se que a aceleração da gravidade ao nível do mar em certa latitude é 9,80665 m/s², daí a convenção. E vai por aí.
     Caminhamos para uma hiper especialização do conhecimento que vai criando multidões de imbecis funcionais. Essa estupidez da “escola sem caráter”, por exemplo, começa extirpando o aprendizados das humanidades e uso do pensamento, as implicações inerentes às relações entre mim e o mundo., o eu e o outro, o eu social e individual.  Se vencedores, o passo seguinte será abominar toda a ciência, como já ocorreu em período histórico no ocidente.
     A imensa maioria das pessoas não fazem ideia da evolução do pensamento humano. Prefiro inclusive me resguardar, tenho certeza que é imensamente maior o montante de informações que desconheço o que a totalidade das coisas que sei, ou conheço. Mas deveria existir um conjunto mínimo de informações que todas as pessoas deveriam saber. A começar pela própria história.
     Todos nós sabemos do ZERO, mas a civilização ocidental só tomou conhecimento dele pelo contato com árabes e hindus. O Império Romano não conhecia o zero até que Leonardo Fibonacci teve contato com a numeração árabe (sec. XIII) . Seriam incapazes de fazer pirâmides como as egípcias. A igreja combateu os que afirmavam que a terra girava em torno do sol. Giordano Bruno foi morto por isso, Galileu Galileu teve que renegar publicamente essa ideia para não ser morto.
     Fico curioso quantas pessoas dessas que contestam o formato geoide se disporiam a morrer por essa crença.
     As pessoas que contestam o formato voam em aviões, não deveriam fazê-lo. O comportamento e toda a aerodinâmica dessas aeronaves está baseada numa ciência que se considera a curvatura da terra, as forças atmosféricas, e essencialmente a gravitação. Se a terra não é arredondada, nem é um “corpo celeste” como todos os demais, nada garante que os aviões não se despedacem no solo, ou mesmo no ar, ou que não escapem da atmosfera para o espaço profundo. Isso para mencionar apenas dois dos riscos de morte envolvidos.
     Paradoxalmente nesse período em que quase todo conhecimento está disponível a todos, conseguimos produzir pessoas que conhecem “pouco demais” sobre muita coisa.
     Quem crê em terra plana precisa dizer em que Newton está errado ao constatar a gravitação. E também porque não voamos para fora do planeta quando pulamos, não somos mortos pelas emissões de raios solares, aliás, precisam dizer como conseguimos respirar e porque todo o oxigênio não escapa para fora do planeta. As pessoas não fazem ideia que negar certos pressupostos científicos implica em negar todo seu entorno.
     A ciência é evolução. Não são verdades estanques e apriorísticas.
     Aliás, vivemos um surto de atentado ao silogismo. As pessoas estão negando a própria lógica formal.
     Todo homem é burro. Olavo é um homem. Portanto Olavo é um gênio, todos os demais são burros. Desculpem que não fui capaz de encaixar “cu” em nenhuma das orações. É uma limitação minha.
     Ainda assim, mesmo a ciência tem seus absurdos. Josef Mengele é o mais conhecido, dentre os cientistas do Reich nazista que não tinha qualquer pudor em dispor, sobretudo dos judeus, para “fazer avançar o conhecimento científico” em mutilações e torturas. Até hoje a ciência vive o dilema sobre dispor de suas constatações. Felizmente hoje existe uma vertente combatendo a experimentação em animais “inferiores” temos tecnologia para restringir o sacrifício de seres sensíveis à cadeia alimentar.
     Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. O conhecimento não é um poder imune às consequências do que se afirma. 
     Não preciso saber em que consiste a gravitação para saber que ela existe, mas se pretendo negá-la devo, ao menos explicar o que está em seu lugar.
     A ciência não evolui por negações, mas por confirmações. Exceto no mundo do infinitamente pequeno e do infinitamente grande, o que valem são esses pressupostos gerais do conhecimento.
     Seres vivos superiores possuem mitocôndrias. Sem elas nenhuma célula com núcleo sobrevive. Se eu inventar um mundo sem mitocôndrias terei que refundar a biologia. Menos que isso é fantasia. Não dá para negar certas afirmações científicas sem negar também o que veio antes, ou depois.
     Não sou devoto do cientificismo. A ciência não explica tudo, nem poderia, o dia que o fizer deixa de existir. Mas ela nos oferece revelações fascinantes sobre a realidade que nos cerca, além de perspectivas instigantes sobre o que está além dela.
     O que parece faltar a algumas pessoas é gentileza e generosidade com a espécie humana. Milhões de pessoas antes de nós moldaram o mundo como o conhecemos porque desvendaram suas leis e definições, outras tantas nos ensinaram como fazê-lo e também como aprender sobre a natureza. Não iremos a lugar algum se a cada momento fizermos questão de negar ou reinventar a roda.
     Há pessoas de boa fé nesse debate, mas seus inspiradores, via de regra, são aqueles pretendem manter o conhecimento como algo restrito, esotérico, pois essa é a única forma de sustentar o obscurantismo. Ou, como aponta o historiador Jeffrey Russell, mais ou menos na  época da inauguração da estátua de Copérnico na Polônia (1830), uns poucos autores de resgataram ideia de terra plana, que. Até então e pelo menos desde Pitágoras (século VI a.C.), o que havia era amplo consenso sobre o formato esférico da Terra (o questionamento que durou bastante tempo tinha relação com o heliocentrismo, não com o formato da terra).
     
No contraponto do que eu escrevi estão outras verdades baseadas em pressupostos que são doutrinas ou dogmas. O que revela, mas não liberta, geralmente, se necessário, mata.