quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

“Quase todos perdidos de armas na mão”


“Quase todos perdidos de armas na mão”
por Démerson Dias

Uma das cenas mais infelizes da históra 
     Amadas, ou não, as mulheres serão alvo primário desse ensandecido decreto pelo direito censitário ao assassinato. Ninguém se engane, o aumento da disponibilidade a armas de fogo irá banalizar os crimes cometidos por esse meio, já que está disponibilizado com a mesma facilidade que um eletrodoméstico. Lapsos de sanidade ensejam o uso do que está à mão.
     Uma mulher espancada até a morte e jogada do apartamento; uma delegada e uma segurança espancadas por um brucutu; milhares de mulheres que sobrevivem à violência doméstica podem deixar compor as estatísticas de agressões, passando para as de feminicídio propriamente caracterizado.
     Agora, mídia e institutos de pesquisas que ajudaram a construir o mico Bolsonaro anunciam que um contingente enorme rejeita a ideia de liberação de armas. Há muito tempo a mídia deixou de disfarçar que tudo o que faz é propaganda. Ela vende a atenção de seu público e dissemina a ideologia da ordem. Não foi o capitão Brancaleone que criou “notícias populares”, “aqui e agora”, “cidade alerta”. O atual presidente é uma das consequências da política editorial da mídia.
     Apesar de não ter me esforçado para acompanhar tudo o que foi dito, não vi ninguém que tenha dado destaque a um dos dados mais estarrecedores da nova medida. Por que até quatro armas por indivíduo? Agora mulheres poderão ser alvejadas por quatro calibres distintos.
     Ou será que alguma empresa de coldres já está projetando um suporte para quatro armas, e num instante nos tornaremos uma terra sem lei, tipo um faroeste dos trópicos?
     Talvez para que isso passasse batido surgiu a absurdamente grotesca comparação com os liquidificadores de extermínio em massa, que podem ser o terror dos laranjas políticos, como disse, salvo engano, Jean Wyllys.
     Admito que devo ter passado as últimas décadas hibernando, já que devo ter perdido o infame massacre do turbo autolimpante ocorrido num cinema de shopping em São Paulo. E a criança que esquartejou o irmãozinho com sucessivos ataques realizados com a tecla pulsar. A chacina da candelária com equipamento que possuia cinco velocidades diferentes. Eldorado do Carajás foi um evento que contou com processador avançado de cana de açucar. E, por fim, o ápice da insanidade com o massacre dos multiprocessadores no Carandiru.
     É claro que há idiotas ocupando posições políticas em todos os lugares, no entanto é difícil saber se o pior é alguém dizer esse tipo de aberração, ou que nenhum de nós postule sua interdição como incapaz.
     E há limite para o sarro que podemos tirar, mas não para a insanidade das pessoas.

     Não existe absolutamente o menor risco do problema da violência diminuir. A certeza absoluta é que vai se agravar. Os jornais já noticiaram que, da posse ao porte, basta ter como álibi uma rotina diária de visita a um clube de tiro. Mesmo considerando uma posse em casa e outra no trabalho ainda sobram duas para o faroeste casual.
     Outro dado da insanidade é que setores ligados à vida militar sejam patrocinadores de uma ideia como essa. Haja idiotice, já que, armar a população é abrir mão do monopólio estatal da coerção. Depois das mulheres, as vítimas preferenciais serão militares em expediente ou nos bicos que são instigados a fazer. Também não há hipótese do arsenal circulante nas ruas diminuir, a banalização da posse de arma será diretamente responsável pelo agravamento da violência. E o lóbi da bala fez questão de garantir que qualquer pessoa que viva nesse país que mata mais do que qualquer conflito armado no planeta seja um potencial consumidor de armamento.
     E como o capitalismo é absolutamente desenfreado, na medida em que afrouxa-se a aquisição de armas permitidas, ao mercado informal restará abastecer as pessoas de bem com inovações e armas restritas, afinal, é preciso se destacar da gente diferenciada que passará a ter acesso aos calibres e modelos convencionais.
     E pensar que há pouco tempo a reclamação dessas pessoas de bem era pelo contingente que passava a ter acesso facilitado à linha branca, automóvel e passagem aérea.
     Devem observar que o decreto não menciona a reserva de mercado às pessoas de bem. A única sorte desse estrato social sub-burguês, é que não será uma decisão corriqueira gastar mais de três salários mínimos num item de uso eventual.
     O que, por outro lado, será um estímulo para aqueles que tiverem interesse em “fazer dinheiro” através das armas de fogo. Sendo que a mais singela das formas é utilizar sua disponibilidade cidadã de adquirir armas para abastecer o mercado informal para aqueles que farão uso delas para agravar as estatísticas de violência. Tão certo quanto existem os desmanches que fazem receptação, o mercado de recepção de armas roubadas será turbinado de forma medonha.
     Não consigo imaginar que uma pessoa que defenda o armamento da população para conter a violência esteja em seu juízo perfeito. Mas é inegável que interesses comerciais legais e escusos são os principais patrocinadores dessa causa.
     A lista de riscos é vasta e vou parar apenas mencionando um dos mais graves desdobramentos em minha opinião. Num país atormentado pelo ódio, pelo todo tipo de opressão moral (bullying, assédio, etc) qual o impacto dessa medida para a incidência e efetividade das tentativas de suicídio?
     “Abandonai toda a esperança!, vós que entrais”. O Brasil adentra o purgatório.

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