sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Onde foi parar a república?


Onde foi parar a república?
Démerson Dias

Ou acabou a eleição, ou acabou o Brasil. Terá que ser refundado, com democracia, ou com sangue.
O fenômeno Bolsonaro nunca foi uma iniciativa de militantes convictos, não é sequer iniciativa de militantes manipulados. É uma manipulação de eleitores regada a dinheiro de corrupção. Deslavada e espúria corrupção.
O filho de Bolsonaro esteve pessoalmente dedicado nos processos de manipulação, chegou a divulgar foto junto com “grande expert” Steve Banon que atuou na eleição de Donald Trump. Banon confirmou o envolvimento, e foi amplamente divulgada a tática de empresas como Cambridge Analitcs. Nos EUA isso levou Mark Zuckerberg a prestar contas ao congresso.
Se Bolsonaro não sabe o que seu filho anda fazendo em prol de sua candidatura e em seu nome a situação familiar do candidato é extremamente mais grave do que os problemas legais que podem ser enfrentados por sua própria candidatura. Como diz Daciolo: Sabe sim, sabe do que a mídia está falando.
Só que ao contrário do lema bíblico a verdade libertará a verdade de Bolsonaro pode leva-lo à cadeia. Afinal, por muito menos, Moro mandou Lula para lá. Sem qualquer flagrante. Bolsonaro será imolado em carne viva por Moro, claro, o grande paladino do país. Já é possível imaginar o powerpoint fabuloso que Dallagnol está elaborando com afinco.
Em seus quase trinta anos no parlamento Bolsonaro pode ter deixado de perceber, mas sua posição é rigorosamente a mesma que levou José Dirceu à cadeia, segundo a versão de “domínio do fato” inaugurada por Joaquim Barbosa.
Provavelmente a facada no segundo cérebro afetou seus sentidos, mas seu filho e todos o restante do país sabem porque empresas investem dinheiro em campanhas eleitorais, chamamos de investimento, mas o nome real é compra. Estão comprando um posto de poder para auferir vantagens e lucros tão logo o posto for ocupado. O filho de Bolsonaro é apenas o emissor da promissória do mandato do pai. Tem antecessores famosos como PC Farias, Marco Valerio, Paulo Preto, dentre outros.
Antigamente, quando o financiamento privado era permitido, sabíamos que grandes empresas, bancos, conglomerados investiram preventivamente em diversas candidaturas, sobretudo as mais promissoras. Havia caixa dois, mas era uma contingência do próprio mercado, que não podia demonstrar sobra de recursos tanto para iludir acionistas quanto o fisco.
O financiamento privado agora é proibido. Quem recorreu a esse expediente tem certeza absoluta que está atuando à margem da lei. São corruptos no inteiro teor do termo e de forma iniludível como gosta de asseverar a magistratura. Ocorre que não atuam apenas ajudando um candidato a ganhar maior projeção, suas ações configuram também crime já previamente tipificado na legislação eleitoral, trata-se do complexo e aterrador sistema de manipulação do eleitorado, num patamar muito maior do que a mera compra de votos.
Os currais eleitorais foram combatidos e quase que debelados em sua totalidade a partir de intensa enorme campanha contra compra de votos. Aquelas em que antigos coronéis ofereciam dentaduras, chinelos e toda sorte de bugigangas e bens aos eleitores fieis. Por essa razão, aliás, o sigilo do voto alcançou importância equivalente à própria garantia de lisura do voto eletrônico. Essa prática foi superada pelo esforço da sociedade das instituições, e também pelo arejamento partidário após a ditadura.
Chamávamos de compra de voto porque, fatalmente, atingiam pessoas em condições precárias de subsistência. Condições que também foram razoavelmente mitigadas ao longo da frágil democracia brasileira, principalmente pelos programas sociais. Programas aliás, historicamente condenados por Bolsonaro que só reviu sua posição para iludir eleitores nesse segundo turno. Chegou ao segundo turno maldizendo e execrando tais programas.
Agora vemos um candidato que defende a ditadura recorrer a procedimentos que só foram atacados após a superação daquele regime do qual ele é saudoso. Impossível ser uma questão acidental, ou passageira. Bolsonaro já coloca em prática as formas de manipulação da realidade que, na ditatura, em segunda instância levou à censura, tortura e morte. No dizer do candidato, situações como a de Wladimir Herzog “suicidado” a um metro de altura por enforcamento. Situação plenamente possível para um candidato que afirma que os povos africanos impuseram a própria escravatura às nações escravocratas. Em todos os sentidos a candidatura Bolsonaro é uma regressão aos piores tempos do Brasil. É de se imaginar, com ele no poder, em quanto tempo regrediríamos aos neandertais? Os brutais e animalescos ataques de seus eleitores que ocorrem às dezenas país adentro, já colocaram em andamento essa missão, diante da negativa e do silêncio sorridente de Bolsonaro diante da chacina.
A rigor a justiça eleitoral tem uma importante, porém simples decisão pela frente (a legislação já prevê algumas circunstâncias). As alternativas são suspender as eleições permitir que o peito se realize para posteriormente anular a votação de Jair Bolsonaro, ou refazer o primeiro turno das eleições, obviamente afastando Bolsonaro por inelegibilidade.
O primeiro grande problema a ser enfrentado e a principal dificuldade da Justiça Eleitoral e do próprio judiciário, nos últimos tempos, é provar que está disposto a perseguir (deveria garantir, mas tem se escudado de fazê-lo em favor de holofotes) a Justiça de forma republicana. Ou seja, com independência política entre os poderes. Caso o Judiciário não se mostre capaz, estará constatada a dissolução formal da República, na medida em que o poder que possui, como prerrogativa fundamental a preservação da institucional da democracia. Importante notar que a legitimidade da magistratura, que não é escolhida pelo voto, está fundada na defesa irrestrita, radical e plena da legalidade e constitucionalidade.
Não se trata, portanto, de uma questão que possa ser politicamente atenuada, não existe argumento formal, jurídico ou hermenêutico que satisfaça uma necessidade fundante do estado brasileiro. Ao poder político eleito pela sociedade compete cuidar da gestão do Estado, dos interesses nacionais e garantir que a sociedade possa viver com dignidade. O poder político atribuído ao judiciário como uma estrutura que não sofre a interferência da vontade circunstancial da sociedade se origina no movimento constituinte que dita e dá forma do estado-nação.
Vivemos ao longo das últimas décadas o vilipêndio quase que absoluto do caráter social da Constituição de 1988. Os três poderes da União bem como a quase totalidade dos governantes nos estados e municípios fizeram vista grossa ao desmantelamento do estado social.
A educação sabotada deu margem ao surgimento de uma sociedade que, em boa medida, pode ser manipulada por cordões digitais, na medida em que não conta com um sistema de ensino que promova a cidadania, autonomia e a liberdade como valores fundamentais. Os aparelhos de atenção à saúde bem como suas políticas foram desmantelados para abrir espaço ao sistema privado de saúde. E o setor financeiro e bancos foram regiamente remunerados ao longo destes últimos 30 anos às expensas de toda a sociedade, inclusive os excluídos e marginalizados.
Não há que se mencionar nesse contexto o tema da segurança, na medida em que ele é, basicamente, consequência das escolhas mencionadas anteriormente. A crise de segurança é a crise da ausência do estado, não apenas nas áreas em que ele tinha obrigação de atuar. É também consequência do descaso pautado como regra de política pública.
Cabe um parêntese oportuno, a mesma onda que colocou Bolsonaro em primeiro lugar no primeiro turno carreou, pelo menos em nível federal a segunda maior bancada do legislativo, além de agregados diversos, a tempo ou oportunistas. Como lidar com esse contexto derivado?
Esses meus apontamentos nada mais fazem do que tentar alinhar ainda que de forma superficial e ligeira o cenário em que o país está atolado.
A aventura do neofascismo no Brasil. Conclui sua primeira e talvez derradeira fase com um retumbante anticlímax. Para não esquecer de um segmento que foi decisivo e tem sido determinante para socorrer o futuro do país. Coube às mulheres, seguidas por crianças e homens (estes despidos de seus machismos), despejar sobre a sociedade as advertências contra o grave obscurantismo que ameaça a sociedade.
Agora, providencialmente ou não, cabe a uma Rosa demonstrar se os espinhos irão defender as pétalas da cidadania, ou se deixará que seja, mais uma vez, agredida e violentada.

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