domingo, 17 de abril de 2016

Era uma vez uma falácia. . .

Inferno (séc. XVI), óleo sobre madeira, mestre português desconhecido.
O país amanhece atônito pelo terceiro turno das eleições. Alguns brasileiros, não satisfeitos com dois, tentam um terceiro, como se, persistir em erro levasse à virtude.
Mas se as eleições no país já são uma farsa, a repetição da farsa não será outra coisa que não tragédia, independente do resultado.
E a preliminar já é impressionante, golpe ou impeachment?
Vou mencionar ao psicanalista que adiei esse texto com a desculpa de que a depressão me inibiu, mas aqui entre nós, e que ninguém me leia, a razão primordial é mesmo o constrangimento. Vergonha alheia.
Claro, impeachment não é golpe. Já golpe é golpe, mesmo!
Parece brincadeira tautológica esse debate, mas politicamente é evidente que é sério. Impeachment, felizmente faz parte do nosso ordenamento constitucional. O direito de depor quem se elegeu é fundamental para qualquer democracia.
O debate em curso explica, dentre outras coisas porque temos uma Constituição estupidamente prolixa.  É porque nossa mentalidade em relação à coisa pública é estupidamente curta. Mente política curta, legislação prolixa.
Com muita ou pouca razão, a Constituição define que nossas eleições majoritárias, exceto para o senado, é realizada em dois turno. A justificativa é que dessa forma a chefia do executivo é exercida com maior legitimidade. Repetindo. A eleição em dois turnos serve para revestir de MAIOR LEGITIMIDADE  o processo eleitoral para cargos executivos.
Nossa mente curta, desde sempre, seja à direita ou à esquerda, tem encarado a questão como se a eleição em dois turnos desse maior legitimidade AO SEGUNDO COLOCADO. Colocando em letrinhas e carreirinhas (opa, chamem os senadores) é ainda mais aberrante, do que pensando ou ouvindo, mas a realidade é aberrante por inteiro. O processo eleitoral é o ÚNICO CASO no Brasil em que as pessoas acreditem que o VICE é o VITORIOSO. O Brasil tem por hábito repudiar qualquer vice-liderança. Menos no segundo turno das eleições.
Vejam bem amigos e pessoas queridas, é com dor no coração que preciso reconhecer: no segundo turno, o segundo colocado É O DERROTADO! Em 100 milhões de eleitores, cinquenta milhões e um representam maioria objetiva, ressalvadas contestações à urna eletrônica. A presunção de ilegitimidade implica mais em frustração do que em argumento político válido.
Há um componente psíquico na discussão, que a democracia não tem ferramentas para resolver, para isso escrevemos leis com precisão exaustiva. Nem sempre eficazes, é bem verdade.
Caso semelhante ocorre com uma parcela das pessoas entenderem que, a qualquer custo, a manifestação de indignação tenha peso positivo no processo eleitoral. Isso em política não guarda relação com democracia, beira a tirania. Embora eu seja crítico do ordenamento positivo, a dialética não me permite esquivar da necessidade de que as posições válidas sejam contextualizadas e propositivas. A indignação não pode ser valor absoluto, nem tampouco valer mais do que propostas delineadas.
Isso porque “não propostas” são também “não efetivas” em termos de democracia. O próprio lema “fora todos” possui um valor não declarado decisivo. Significa “Fora todos os que estão”. Existe uma razoável jornada adiante de nós para que os outros que não estão no nosso “fora” sejam OUTROS majoritários. Eis o cerne do desafio na construção democrática.
Poderíamos ter no Brasil uma campanha pelo fora subsidiada por Jair Bolsonaro, Rui Pimenta e Simão Bacamarte. Apesar da minha radical predileção pelo último, tenho que convir que isso não consiste em maioria alguma. Pois não existiria plataforma única nessa campanha. O que implica em afirmar que os que estão dentro, por menos legítimos e competentes que sejam, possuem condições mais efetivas de exercício político. Inclusive e principalmente, mais legitimidade do que os derrotados e mais competência do que propostas sejam elas inefáveis ou desvairadas. Eis o busílis obscurantista do protogolpismo das ruas, da mídia, da caserna caquética e dos desvairados de turno. Oferecem ao país um caos de lógica e enganação, e pretendem que o entendamos como virtude.
É um lapso de memória descomunal alguém no país, ao supor que há algum elo efetivo entre o agora e o Fora Collor. Não tenho paciência para palmilhar as linhas tortas, bem como o lema histórico das esquerdas, especialmente FORA FHC etc, embora eu reconheça que pecamos pela falta de didatismo.
Caímos em uma cilada “cívica” em que demos a uma das composições mais estruturalmente corruptas do legislativo o poder de julgar se as eleições valeram ou não.  E ISSO PORQUE QUEREMOS COMBATER A CORRUPÇÃO. Quem os entusiastas do Derruba Dilma acham que vai ganhar, a democracia, ou o quem da mais?! Não nos iludamos, o que o país verá logo mais é o resultado explícito do fisiologismo clássico e proverbial. E há gente se ufanando DISSO!!!
Por favor, vamos parar o país para desembarque dos inconsequentes. Eles nos custam muito mais caro que a corrupção fisiológica (que é apenas o troca-troca para manutenção do "status quo")
Aliás, inconsequência está entre os equívocos mais obtusos no pensamento político. Assim, O TERROR levou a Bonaparte, a doutrina ao Stalinismo, a primeira guerra a Hitler, Mãos Limpas a Berlusconi, e o país da copa aos 7 X 1.
Acredito que Dilma Rousseff não mereça presidir o país. Sua forma de condução só não é tão desastrosa quanto a de Fernando Collor de Mello. Mas está respaldada por um partido com trajetória reconhecida e projeto razoavelmente delineado. Cretino, proselitista e falso como o capitalismo. Mas é um projeto.
Impeachment é sério demais para usarmos como bate-boca. É o que dá um país achar que futebol vale 24 horas de análise extenuantes, mas políticas valem menos do que 30 segundos de comentários. Se metade tempo que o país passa discutindo futebol fosse dedicado a política, não estaríamos vivendo essas barbaridades, seja a eleição das Dilmas do PT, PSDB ou PMDB, seja dando palanque para o que apregoam os alcoviteiros profissionais.
Podemos ter um exemplo sumário de como as pessoas estão confundindo neurose com esclarecimento. Outro dia um “jornalista” quis a todo custo enquadrar um ministro do STF bradando duramente contra a democracia do país. Não satisfeito com o que ouvia desqualificou a si, ao entrevistado e entrevistadores exigindo a conversão sumária do ministro às “teses” (sic) que defendia: Menino, democracia é outra coisa. Volte pra casca, pintinho, que o seu zigoto ainda é mal formado.
Um aspecto deplorável do momento político do país é que os eleitores que garantiram a vitória de Dilma, esses sim teriam ampla legitimidade para cobrar sua deposição. Se fossem os eleitores de Dilma nas ruas que pedissem por sua deposição, eu provavelmente estaria entre eles. No desespero de campanha, quando Aécio (pelo menos assim fez crer a mídia) se aproximava perigosamente do empate técnico nas pesquisas, Dilma prometeu que não atacaria direitos (mais do que as toneladas deles já miseravelmente vilipendiadas desde o início do lulismo). Os únicos gestos administrativos de impacto geral de seu governo, foram cortes em direitos sociais. Isso sim, se aproxima de um sentido em que cabe a acepção “estelionato eleitoral”. Fora isso, não fazem  sentido os eufemismos. A intenção dos derrotados é elementarmente golpista.
Eis outra pérola dessa histeria pandêmica que devora o país, estão nas ruas os vencedores de fato das eleições querendo derrubar a presidenta que cumpre à risca o projeto do seu adversário, inclusive na corrupção. E os eleitores do adversário a criticam porque deixou de ser o que seria se fosse fiel às suas próprias convicções. Isso é que é ser punida pelas virtudes!
O relativismo intelectual inaugurado pela mídia, do futebol à política é o patrono do vão democratismo que viceja pelo país. Achamos que discordar é desqualificar o outro. Verdade política é absoluta e eterna, desde que de acordo com o que pensamos. E que quem discorda de mim perde imediata e sumariamente direito à existência. Democracia não é o que diziam na aula de educação moral e cívica!

Démerson Dias. Trabalha há 29 anos no Judiciário Federal tendo sido por 20 anos dirigente sindical nessa categoria.

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