quinta-feira, 21 de abril de 2016

Delinquência Republicana

Um Executivo desgovernado, um Legislativo que é simultaneamente réu e juiz e um Judiciário arvorando-se partido tutor das instituições e o povo bestializado.
Sempre que pretendo fazer uma síntese do momento político do país deparo-me com a insuficiência de condições para resumir uma história em andamento com disposição irrefreável para produzir bizarrices. O Brasil tornou-se uma instalação  surrealista composta por artistas de talento precário e altamente duvidoso.

O povo, o Judiciário e os idiotas da objetividade
O país vive um surto de exaltação delirante aos idiotas da objetividade. A mídia, cada vez mais goebbeliana produz informações milimetricamente calculadas para induzir humores tais e quais em seus súditos (ledores e audoentes). Economistas selecionam os piores indicadores, encobrindo as implicações globais e a reestruturação produtiva, para forçar os arreios da economia contra os interesses da sociedade e a favor da expropriação vertiginosa das riquezas (e, isso, o governo endossa). E, nos últimos tempos, assistimos o engajamento de um novo grupo de finórios oriundos do Poder Judiciário.
Esses últimos, estão se arvorando a fazer a reforma política que os país não fez. Esse mandado de injunção “extra petita” evidencia que a república, e não apenas ela, está doente. A democracia está na UTI.
De tão gritante as estripulias brasiloides, até a mídia internacional conservadora começa a mencionar o descalabro da situação golpista no Brasil. Seria de dar dó, já não desse nojo.
A sociedade que vai às ruas pedindo providências e mitificando o judiciário (apartemos os viúvos de 64) embala uma deturpação republicana perigosa, que sabota o árduo avanço da democracia que palmilhamos nessas primeiras décadas, em que buscamos alcançar aquele padrão civilizatório elementar, o instituído na declaração dos direitos humanos. Convém frisar, padrão sem o qual não iremos, sequer, conseguir convencer nossa próprio classe, da necessidade de superação do capitalismo.
No Brasil, os delinquentes no poder fazem questão de exigir um país com os requintes dos países centrais, mas com a permitividade à bandalheira e achincalhe que patrocinam em nossas instituições, nas vidas públicas e coletividades privadas.
No ordenamento político, constitucional e jurídico vigente, o Judiciário é o Poder conservador por natureza. É o responsável dentre outras coisas, por prevenir que o Estado não aplique ou pratique atos que não tenham sido sacramentados em lei, sob o pressuposto ‘positivo’ de que a lei expressa a vontade e o pensamento geral da sociedade.
Por isso também, o Judiciário, em suas atribuições judicantes, não age “de ofício”, somente quando provocado, e o magistrado é o polo ‘independente’ entre os que acusam e os que se defendem. Ou era assim, até Joaquim Barbosa subjugar o ministério público enquanto acusador, no julgamento do “mensalão”. Surpreendentemente, seus pares não apenas não contestaram tal deturpação, como endossaram com tímidas e esparsas ressalvas as estripulias do colérico magistrado.
O julgamento do mensalão e o lava jato são, na verdade, o que, em lógica, chamamos de “argumentum ad hominem”. Um dos exemplos mais crassos e pérfidos de falácia. Essa frase pode soar petistóide ou lulista. Mas minha preocupação é muito menos prosaica e bem mais cautelosa. É quase absoluta minha certeza de que ninguém, incluídos, Joaquim Barbosa e Sérgio Moro, admitiria ou deixaria de se insurgir, caso prevaricação de tal magnitude repousasse contra si.  Deve ser por complexo e culpa que o lulismo não reage a altura (isso e a surpreendente tolerância de José Eduardo Cardozo ao achincalhe contra o poder constituído).
E sob risco de me considerarem estupidamente burguês, qualquer um que já tenha sofrido perseguição arbitrária será capaz de entender que condenação alguma justifica a punição a um inocente que seja.

O golpismo dentro e fora da ordem
A confusão para entender o que é golpe, o que é rito e o que é simplesmente barbárie não se deve apenas ao festival de bizarrices. A esparrela em que o PT se meteu , e consequentemente ao país,  diz respeito, sobretudo, à cristalização da democracia mitigada sob a vocação da inserção consumista das classes excluídas. O Lulismo, indigente de ousadia, preferiu manter o povo a pão, circo e linha branca, sem garantir ampliação do protagonismo democrático. Poderia ter feito, acho que não é do feitio do lulismo ampliar espaço de poder que ele pode ou pretende tutelar (vide o semi-revolucionário programa de segurança alimentar, abortado inapelavelmente no nascedouro em troca de barganha com prefeitos).
Diante de um Prometeu que se recusa a compartilhar o fogo, ficou fácil para o campo conservador assumir espaços em que o PT deixou ociosos. Daí que parece milagre a direita, os conservadores, os falsos liberais e até mesmo os viúvos de 64 seguirem as pegadas deixadas pelo petismo retificado e darem vazão a um povo disposto a transformar as cartilhas de educação moral e cívica em agenda de mobilização.
Não faltam nem os bons costumes e o ufanismo com aquela seleção canarinho que já morreu à estilingadas décadas atrás (e hoje é símbolo mor da corrupção no Brasil e no mundo. Pra que ironia maior?).
O conflito mais pitoresco está entre a intentona judiciária e as sarandalhas da boquinha fisiocrática. Não foi a desmoralização de Dilma tentando blindar Lula do Moro que precipitou a agenda golpista. Foi a proximidade do Sergio MIB dos alienígenas do interesse publico, de Cunha e Temer. Assim como Antonio Ribeiro de Andrada, os prestidigitadores do Legislativo decidiram depor Dilma antes que Moro e cia depusessem a todos.
Esse é o ponto em que a intentona Moro mais se aproxima da fase desmoralizante das mãos limpas italianas. Tirar corruptos amadores e burocráticos do poder para entregá-lo ao que há de mais exímio em competência corrupta. Lá, Berlusconi, aqui o PMDB.
Esses movimentos vem encobrindo pistas importantes para uma análise sóbria do momento político. A esquerda, especialista em fragmentação, tem dificuldade enorme em reconhecer que o campo capitalista possui suas próprias contradições e até aporias.
Vendo o pau dar em Chico, Francisco, Frank e Francis, parcela da esquerda é incapaz de, dialeticamente, entender a que distância está cada um deles dos interesses democráticos e/ou progressistas. Sintomaticamente tascam um cômodo “fora todos” como se houvesse estrutura política no país para fazer esse lema configurar-se em avanço democrático.
O Fora Todos acaba por reforçar um darwinismo político. Erro que o lulismo também comete. A certeza mais plausível é que o que sobreviver ao fora todos será o mais anti povo possível.
A capacidade estratégica da esquerda vem se degradando assustadoramente.

Críticas de esquerda à Lava Jato
Essas reflexões tardias, são parte de um conjunto de reflexões que, a contragosto, venho acumulando e que, já não sei em que medida, faria sentido divulgar. A realidade nos assombra mais veloz que nossos  pesadelos.
Passa da hora das esquerdas despertarem para o alcance da intentona judiciária pitorescamente chamada Lava Jato. O que me pareceu cada vez mais escandaloso foi ver paulatinamente um flagrante e formidável esforço de eliminação da concorrência nacionalista em favor do capitalismo internacional. Áulicos da devastação nacional, conseguiram montar uma banca judiciária à disposição, não apenas do desmonte de nossa maior marca empresarial no mundo, a Petrobras, bem como de todas as empresas subsidiárias privadas. Várias delas instaladas mundo afora e vendendo produto de maior valor agregado.
Nem a paralisação assombrosa do poderio produtivo nacional fez os capitalistas notarem qual é o alvo estratégico de Sergio Moro. Aliás, ou as federações das industrias se tornaram sucursais de multinacionais ou se abateu sobre elas, cegueira mais absoluta e sumária do que a que desceu sobre o romance de Saramago.
É certo que os problemas dos capitalistas são primordialmente deles, mas o internacionalismo do capital em absolutamente nada se confunde com o internacionalismo das esquerdas.
Daí que a miscigenação entre capitalistas entreguistas, nacionalistas, ufanistas e prosaicos conseguiu ludibriar as esquerdas a ponto de não saberem sequer aferir quem é nêmesis, Leviatã ou apocalipse. O Lulismo é fundamentalmente um impressionante álibi, principalmente pelas vinculações do tucanato com interesses dos oligopólios internacionais, na comunicação, petróleo, etc.
Apesar de tentar manter seus passos e origens encobertos, é flagrante que Sergio Moro tenha inventado a Lava jato durante curso nos EUA e esteja com frequência prestando contas em atividades naquele país, “pari passu” com o andamento do processo.
O aparente álibi no conjunto das mobilizações tampouco é singelo. O PT é parte desse contexto e colaborou para que setores reacionários despontassem no horizonte da forma como ocorreu. Afinal, uma esquerda que desmoraliza a esquerda e flerta com a direita, naturalmente, iria tocar os brios do campo reacionário.
Esse segmento assistiu desde FHC o avanço da esquerda histórica (então, contra a ditadura) ganhar terreno em políticas que eram primordialmente suas. E os conservadores foram subalternos e incapazes de alcançar algum protagonismo. A derrota dos conservadores no próprio território para setores que antes consideravam-se de esquerda, revolveu a indignação dos que sempre acharam a democracia um fardo, ou fardão injustificável.
Ainda assim esse segmento jamais possuiria densidade política para suscitar qualquer clamor popular. A democracia mitigada, um movimento constituinte frustrado e garroteado, e a permissividade ao fisiologismo, ao clientelismo e também ao fiscalismo neoliberal, estão na raiz da deslegitimação democrática que agora move, e comove, militantes e paisanos da direita.
O texto longo não é pretensão, mas fruto de um represamento involuntário na análise política. Busco e espero alcançar um cotejamento de posições de um longo e, ainda vigente, período de ausência política por razões alheias à minha vontade.
As esquerdas ainda vivem sob um feitiço de contenção do lulismo. Há algum tempo já sabíamos que mal seria um governo de (tentativa de) conciliação. Parece que nem os mais céticos dentre nós foi tão pessimista quanto a realidade que se apresentou.
O que esses pouco mais de 10 anos nos provaram é que nossos esforços em nos distinguirmos do lulismo pouco efeito surtiram no conjunto da sociedade. Seguimos falando para poucos, movendo poucos e expressando nossas preocupações apenas para nós mesmos.
Já o petismo, ou lulismo, alcança novo patamar de movimento de massas cuja descrição não cabe aqui. Esse embate não irá superar a polarização de uma dicotomia política, forjada em sucessivos esforços de obscurantismo. Podemos rejeitar o lulismo como coincidente histórico da esquerda contemporânea, mas não é essa a compreensão que os ‘não iniciados’ possuem de nós, ainda que identifiquem nuances o que  também é raro.
Portanto independe de nossas considerações sobre a Lava jato a mudança de juízo de parcela da sociedade a nosso respeito.  Supondo que parcela da esquerda está mesmo preocupada com o “ibope”.
Se o país fosse uma democracia haveria melhores motivos para essa hesitação, ainda assim, é preciso estar atento às alterações políticas para verificar em que a democracia avança ou regride. Ou quando ataques miram apenas a governabilidade conservadora do PT, ou também objetivos mais relevantes com os quais estamos comprometidos.
Espero que tenha sido suficientemente claro que em momento algum confundo as críticas à Lava jato com a defesa do lulismo ou sua deturpação definitiva, o governo Dilma (que não será dilmismo pela evidente falta de tarimba e carisma do infeliz poste petista). Ainda espero crer que o futuro reserva a Dilma o resgate “em paz” de seu valor histórico na luta contra a truculência. Vendo sua atuação como governante sinto uma saudade imensa da combatente que nunca conheci, mas que, até numa expressiva fotografia diante de seus acusadores, era mais revolucionária do que foi em toda sua vida pública no governo federal.

Sentidos para o impasse
A parcela do país que se pauta por um mínimo de consciência histórica não deve titubear diante dos riscos de regressão política, inclusive em vidas humanas, quando alguém gira para trás a manivela da história.
Quando o obscurantismo se aprofunda, não há espaço para caprichos intelectuais ou vaidades vanguardistas. Quando o ódio é encarado como solução para divergências é preciso buscar restaurar a sanidade social. A sociedade está doente e esse ódio é contagioso.
Parece que, tamanha é a ojeriza pela forma de organização do Estado burguês que não vemos sentido em entender seu funcionamento. Isso provavelmente, não só deriva de uma leitura dialética vulgar, como de uma incapacidade de identificar atores e papeis.
Tenho o defeito de enxergar em parte da esquerda uma devoção utopista na ruptura revolucionária. Como se eventual revolução tanto fosse ressignificar a humanidade, quanto refundar nosso modo de existência. Para alguns, parece que nada do que existe no modelo burguês faz sentido, ou é válido. Não por acaso quando a superação dialética pressupõe realização do que está por ser superado. É por não acreditar nessa utopia que Marx estabelece uma transição entre socialismo e comunismo.
Queiramos ou não, será preciso aperfeiçoar o Estado burgues, assim como talvez, reconsiderar a ideia de “ditadura do proletariado” como denúncia à fragilidade teórica da democracia burguesa, muito mais do que um desejo de vingança do proletariado.
Podemos romancear esse raciocínio e redarguir que alcançar a universalidade dos direitos humanos é parte dessa trajetória. Digo “romancear” porque, da minha perspectiva, veremos mais sangue e tragédia do que sucessão explícita de conquistas.
Defendo que é nosso mister sustentar a superioridade do modelo burguês sobre, por exemplo o arbítrio e vocações milenaristas na condução da mediação de conflitos, ou na prevenção e tratamento aos distúrbios sociais. Enquanto críticos reacionários embalam “as letras mortas da lei”, devemos ressuscitá-las em seu sentido histórico, posto que foram fruto de reflexão revolucionária que combatia o obscurantismo. E é esse obscurantismo que temos diante de nós, buscando fazer andar pra trás uma trajetória de construções políticas progressivas.
Ainda que eu não tenha apetite para vaticínios, suponho ser fundamental considerar para onde essa crise não pode ir. Dito de outra forma, é preciso colocar em movimento iniciativas capazes de estabelecer margens seguras diante das virtuais tempestades que se anunciam.
Como não me parece lúcido supor que um partido, um segmento político, ou mesmo um segmento da classe isoladamente teria condições de construir pontes e diques em meio à procela, resta-me tentar fazer alguns considerandos específicos em relação à soluções por dentro do Estado.
Falamos em crise republicana, crise de poderes, ou de governabilidade. Ou seja, em questão está, necessariamente o Estado. De forma geral deixamos de nos apropriar de uma conceituação. De foram suficientemente eloquente e decepcionante, percebemos que a sabotagem à “Carta Cidadã” que começou mesmo antes de sua promulgação avançou de forma ainda mais violenta conforme eram criados expedientes transgressores de um lado e protelatório de outro.
É certo que o capitalismo possui mais condições de fazer valer suas intenções. Ainda assim, isso não exime o outro polo, a cidadania, de não ter constituído seu polo de resistência. Deixo o balanço ao sabor da conveniência de cada um, e agrego uma percepção de subordinação histórica dos campos populares: nos acomodamos.
Constituição é, ao mesmo tempo, carta de intenções e modelo inspirador. O que fizemos com esse documento? Esperamos que realizasse evoluções sobre si mesmo.
O próprio embate contra corrupção é tardio, na medida em que o pior e mais escancarado caso da atualidade foram as privatizações das empresas públicas. Aquela disputa, somada à privatizações de funções de coordenação e fiscalização através das agências reguladoras, se constituíram em verdadeiro fomento da corrupção.
Perguntando onde fica o passo adiante das inúmeras iniciativas populares com que  o presente vem nos brindando, percebo que o passo necessário está além do papel de cobrança política dos poderes constituídos. É preciso forçar a própria realização do estado burguês ideal.
Não basta apoiar a demanda de professores em greve, é preciso convertê-la em causa pública. Considerando que o desmonte no ensino pressupõe a sabotagem epistemológica da sociedade, a mobilização popular deve pautar ataque efetivo contra o obscurantismo. Ocupações nas escolas devem converter-se em aulas públicas permanentes. Cujo temário deve ser estabelecido não por linhas teóricas da ordem, ou ainda doutrinais.
Jovens e adolescentes nas periferias precisam de educação sexual preventiva, não apenas teórica. A matemática da vida deve se sobrepor à do mercado. E devemos projetar essa ambição à própria ideia de comunicação.
Ocupar hospitais igualmente debatendo prevenção, política sanitária, profilaxias à margem da ganância dos laboratórios. É preciso desmoralizar os indicadores do câmbio ou das bolsas de valores. A estatística quem importa é a da vida. Quantas vidas foram salvas, quantos partos bem sucedidos e óbitos. Quais males mais afligem as populações das diversas localidades.
Nas maternidades devemos saudar coletivamente o trabalho dos profissionais e recepcionar de forma efusiva novas vidas e famílias. Grevistas, estudantes, acadêmicos, sindicalistas, militantes de todas as áreas e cenários devem estar organizados e articulados em iniciativas plurais e incisivas.
A luta precisa deixar de ser um cenário no qual somos apenas paisagem. É preciso ler a paisagem atribuir-lhe valor e transformá-la conforme a necessidade de emancipação.
No mais, deixemos a política do necrotério produzindo seus cadáveres institucionais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Xi, francisquinho, deitaram a língua na jabuticaba!