segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Menos dois. Só os dois?

Latuff 
Uma emissora que se acha essencial ao país, que faz duvidosa caridade com chapéu alheio e que sonegou mais de dois bilhões de reais da segurança, das escolas e hospitais públicos, mostrou um vídeo com dois criminosos investidos como policiais confessando terem aplicado a pena de morte sumária de dois adolescentes.
As autoridades competentes já adotaram medidas contra os dois policiais. Mas, só contra os dois?
Os números da sonegação da emissora variam, mas podemos pegar o maior, pois é esse tipo de coisa é que faz seus profissionais crescerem na “impresa”. Se é bom para eles, pode ser bom contra eles, também. Na dúvida, podemos, como eles, reivindicar nossa liberdade de expressão.
Parte da população se sente abençoada quando salafrários divulgam informações privilegiadas sobre questões que possuem trâmite sigiloso no Estado. Pelo menos enquanto essa prática não é usada contra tais salafrários.
Numa democracia menos hipócrita que a brasileira, acesso a esse tipo de informação pode derrubar presidentes, como foi o Caso Watergate. Mas não é um processo simples.
No Brasil, esses vazamentos, tem sido cada vez mais correntes. A mídia se apropria de informações às quais, os próprios acusados nem sequer tiveram acesso, mas que, uma vez divulgadas, terão que ser respondidas, existam ou não provas, a veiculação da à informação conotação de verdade.
Ao contrário de um processo judicial em que se pode ouvir o contraditório e fazer um juízo adequado, temos uma carnificina moral e irrestrita. Se os bandidos de colarinho branco ficam impunes, os corruptos que compram informações privilegiadas, apenas para vender suas ideias como se fosse jornalismo, não apenas estão impunes, mas são engrenagem vital desse ciclo de impunidades. Essa celeuma tem ocorrido em clima de “delação premiada”.
Gente que se considera brasileira vibra quando as denúncias ocorrem. Se esquecem que, por analogia, os consumidores desses vazamentos poderiam ser considerados receptadores do produto de um crime, isso apenas na remota possibilidade de se tratar adequadamente a criminalidade no país. O crime é nossa velha a conhecida: a corrupção. Pois como é possível ter acesso sistemático a qualquer produto privilegiado originário do Estado?
O mais provável é que alguém esteja sendo beneficiado para divulgar essas informações às quais o público, e às vezes, nem mesmo as próprias autoridades, conseguiriam ter acesso, conforme deveria ocorrer numa democracia saudável. A exemplo da mídia que primeiro acusa, depois apura, se é que o faz, estamos autorizados também a afirmar categoricamente que a alegada emissora pratica corrupção para ter acesso às imagens, que, uma vem utilizadas em processo disciplinar interno, estão sujeitas trâmite sigiloso. E há quem aplauda e ache que isso se confunde com jornalismo de verdade.
Estamos de tal foram mal servidos em termos de veiculação de informação, que nem houve um escândalo no país quando agentes públicos divulgaram (não lembro se formalmente) que um doleiro, ou seu advogado, além de cometerem o crime de vazar informações num processo em segredo de justiça (isso pode dar demissão se ocorre por dentro do serviço público), estariam falsificando as informações que divulgavam. Ou seja, só divulgavam o que atendia a determinada parte das investigações. Criminosos foram deliberadamente poupados nas delações divulgadas. Falando em crime, isso é nada menos do que a velha falsidade ideológica.
Não ocorreu a ninguém mandar-se apurar o envolvimento da mídia que se serviu do resultado dessas falsificações. Mais cautela ainda precisamos para não contestar a reputação ilibada do magistrado responsável pelo caso que nada fez para apurar e coibir o vazamento de informações. Tampouco podemos acusá-lo de favorecer ou estar envolvido nesse conluio.
Se o fizermos e ainda anunciarmos que ele não é deus seremos condenados a pagar multa, seremos fichados numa delegacia. Ou, muito pior, execrados pela “opinião pública”, codinome espúrio dos meios de comunicação de massa. Já que o “douto magistrado” é tido com heroi da estirpe daquele ex-presidente do STF que inventou uma peça de acusação por estar insatisfeito com o que julgou ser incompetência do Ministério público federal. Nem sequer teremos a sorte de sermos padrinho de um presidente do Supremo Tribunal Federal, para que este calce suas pantufas às altas da madruga e nos livre da prisão.
O enredo de horrores é vasto. Nem sequer podemos tentar cogitar entender o que ocorre no tálamo do magistrado cuja esposa recebe honorários da facção antagonista aos seletivamente delatados.
E então, os brasileiros que “morrem de amores” pelo país comemoram indo gastar dinheiro em Miami, ficam efusivos e justificam que os crimes menores servem a um bem maior. Perdão, somente a ínfima parcela desses que possuem alguma capacidade cognitiva fazem ilação a crimes menores. Os demais, são basicamente aberração cognitiva fruto de algum capricho da natureza.
Menos dois? Caberia num ensaio a análise do discurso dos dois policiais. Ambos demonstram estar convencidos de fazerem parte de uma cruzada de extermínio. Serão os únicos? Passa totalmente ao largo do discurso, seu papel e atribuições legais. Estão imbuídos de um mandato moral muito superior às suas próprias fardas. Isso não ocorre, nem por acidente, nem sem o patrocínio, ou imposição dos superiores.
E se minha ignorância não me ilude, mencionaram também terem feito de forma que a perícia teria dificuldades para elucidar o crime. Ou seja, agentes da lei praticando conscientemente a obstrução da justiça. Há que se perguntar se os paradoxos terminam em algum ponto, ou se seguirão em círculos infinitos?
As imagens dos dois cabos comentando com alguma excitação o assassinato dos adolescentes é chocante. Uma parcela da sociedade quer que todos os “pretos, pobres e brancos pobres como pretos” sejam exterminados sumariamente, e comemora. “É isso aí!” Por eles, os policiais deveriam ser receber honras oficiais. Mas também eles precisam ser mortos em serviço o mais breve possível , já que não são exatamente branquinhos. Pobre bom é pobre morto, entoam os mantras da prosperidade.
Voltemos à realidade: não é nada disso! Talvez a humanidade devesse pedir credencial a essas pessoas para comprovar que pertencem ao reino animal, do contrário seriam lançados rumo ao sol para reciclagem.
James Clavell na introdução de Arte da Guerra, comenta que Sun Tzu foi instado a comprovar a eficácia de seus métodos, e um mandatário propôs que fosse aplicado nas mulheres do Palácio. Sun Tzu nomeou duas concubinas do mandatário como generais das mulheres e deu uma ordem, como essa não foi seguida, mandou decapitar as concubinas, nomeando outras duas. Dessa vez todas obedeceram às ordens.
Vivemos absoluta inversão de valores. Agentes públicos e principalmente mandatários não só deveriam dar exemplo, mas serem os primeiros responsabilizados pelos equívocos de seus subordinados. Principalmente em ambiente militar, a tropa tem que seguir rigorosamente não só os comandos, como a própria linha hierárquica.
Houve uma execução. Nem sequer havia um tiroteio, as vítimas estavam rendidas nas mãos de agentes do Estado, que tinham por obrigação preservar-lhes as vidas.
Nesse caso, acho que os policiais devem ser presos. Mas seus superiores e também aqueles envolvidos na corrupção de tráfico de influência que mencionei antes, devem pagar com penas maiores. Sorte deles que, nem todos são como eles em defesa da pena capital. Seria mais simples matá-los todos. Quer dizer, se vivessem na China, teriam sérios problemas pois ali a corrupção é punida com a morte.
A mídia cumpre dois papéis centrais na construção desse cenário. Reiterar que os piores bandidos são os “pobres, pretos e brancos pobres como pretos”. E clamar para que se acabe com a impunidade contra os “pobres, pretos e brancos pobres como pretos”. Já que as outras gangues da criminalidade incluem basicamente esses que clamam por justiça, redução da maioridade penal e pena de morte.
Um colarinho branco punido ganha manchetes, coberturas fotográficas, descrição de seu cardápio na prisão. Mas não existe, de fato, impunidade no Brasil. É exata e rigorosamente o contrário. A pena de morte é implementada à revelia da lei diuturnamente pelos agentes públicos. Centenas, talvez milhares de pessoas estão presas neste momento, sem julgamento que as condene, ou já tendo cumprido suas sentenças. Mas a dor dessa gente não vende jornal. Até vende, mas como grotesco espetáculo, como que num círculo de horrores em que famosos anônimos, são sempre pretos e pobres, sempre párias.
Crianças são mortas como se fossem os soldados mirins do Estado Islâmico. E não estamos nos referindo às epidemias que felizmente estão escasseando no país. Vivemos por aqui uma chacina de guerra civil. E as vítimas invariavelmente são “pobres, pretos e brancos pobres como pretos”.
Um vídeo divulgado em rede nacional esconde as verdades, inclusive que além dos assassinados e assassinos, existe um número execrável de pessoas que vitima os mortos e seus assassinos. Esses pagam com a vida, ou a liberdade. Os verdadeiros criminosos não apenas saem impunes. São festejados como heróis, pessoas de bem, empresários de visão e toda essa gente que ama o Brasil, desde que o Brasil seja o país do “macho adulto branco e rico”.
Tão devotos da morte, deveriam recorrer a ela para entender de que se trata, antes de prescrever à todos os demais “diferenciados”.
Longe das garras, olhos e desejos dos adoradores da morte alheia, os brasileiros que pagam com suor, com a liberdade e a vida, para sustentar, inclusive, as futilidades daqueles fanáticos higienistas, talvez tivesse um pouco mais de paz, alegria e prosperidade.
Melhor não mencionar justiça. Para alguns, justiça é um capricho restrito apenas a quem pode (já viram os honorários dos doutos criminalistas?). Isso até que o povo comece a fazer, de fato, justiça com as próprias mãos que não seja contra seus iguais. Bárbaros são sempre os outros.
Em tempo: Existem ótimos policiais, torço pra que sejam maioria. Infelizmente o que fazem os maus é gritante e encobre o esforço dos demais.

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