domingo, 14 de novembro de 2010

Por que você compra notícia?


A pergunta alternativa seria por que você paga para ter uma opinião, mas ambas remetem ao mito de que pagamos para ter informação a partir da qual poderemos formar nossa opinião.
Deixo de lado um aspecto da televisão aberta e do rádio, na medida em que vislumbram uma variável dessa questão. Nesses meios, os patrocinadores pagam a um veículo para chegarem até nós. Ou seja, nós, como audiência, somos a mercadoria.
Mesmo, porém, no caso das mídias que pagamos para acessar, como jornais, revistas, tv por assinatura, embora sejamos mercadoria para a publicidade, estamos pagando, geralmente, para que alguém nos diga o que pensar sobre o mundo a nossa volta.
E o problema nem começa na questão da opinião editorializada travestida de “matéria imparcial”, mas na própria pauta. O veículo define o que é importante e sob que enfoque e até sugere, pelo uso de adjetivos, que tipo de disposição você deve ter em relação à informação.
Assim, você não fica sabendo quantas crianças nascem a cada dia, quantas pessoas morrem e por qual motivo, nem a média de preços pela qual foram comercializados os itens de primeira necessidade, mas é religiosamente informado da variação do dólar e do volume de recursos e operações negociados na bolsa de valores.
Por que não se monta uma estatística com o número de pessoas que foram salvas pelos serviços de emergência médica? Ou com o número de crianças que conseguiu, no dia de ontem, ter acesso a pelo menos quatro refeições?
Porque alguém determinou que isso não interessa. Mas alguém lhe perguntou se você prefere receber essa informação em vez da cotação do dólar? Evidente que não. Ressalte-se que não vivemos mais um período em que a variação do dólar poderia afetar o preço no supermercado no dia de amanhã. Informações sobre essas cotações são cacoetes que visam nos reconfigurar como devotos dos fenômenos monetários. Essa é a religião do deus Mercado, à qual, devoto ou não, você segue sendo exposto, independentemente de se sua prioridade ao procurar o noticiário está no lazer, cultura, saúde ou página policial.
Você nunca sabe se um acidente aéreo que vitima centenas de pessoas (inclusive pessoas que você até pode conhecer) deixará de ser notícia para realçarem um “furo de reportagem” que sugere um flagrante numa operação de corrupção que acabará levando a nenhuma conclusão.
Esses são os exemplos mais evidentes. Mas a questão central ainda é: por que pagamos para que as pessoas pensem por nós? Se é que algum dia ele existiu, há muitas décadas caiu por terra o mito de imprensa imparcial.
Se não, vejamos: há revistas e jornais pelos quais você paga um valor até razoável. A chance de que a publicação ganhe com a venda mais do que com a propaganda é mínima. Os veículos mais famosos arrecadam verdadeiras fortunas a cada edição. Não há hipótese de concorrência entre os leitores em busca de informação e os que pretendem vender a eles algum produto. Aliás, a ideia é até bastante simples: quem procura informação está aberto ao consumo através daquele veículo, inclusive porque confia que ali se encontra informação de qualidade e desinteressada. Por isso, se torna produto valiosíssimo a quem quer vender alguma coisa, inclusive alguma ideia.
E isso ocorre mesmo no caso em que um jornalista tenha encontrado uma informação relevante e procure todos os lados envolvidos (como supostamente apregoam os manuais de jornalismo). Embora o jornalista tenha se tornado alguém com opinião abalizada por conta da pesquisa empreendida, ao chegar na redação essa informação será analisada por alguém que pouco ou nada sabe sobre o assunto tratado, mas que terá poder de decretar, na apuração feita, o que será veiculado como verdade, o que será colocado em dúvida. E, se calhar, ainda mandará buscar a opinião de um terceiro, somente para reforçar a sua ideia de verdade.
Por isso, sempre que você ouvir algum veículo noticioso bradar imparcialidade, fingir ponderação e razoabilidade, pense dez vezes sobre o que está sendo vendido a você. Provavelmente, o veículo está sendo pago para fazer você assumir como verdade uma informação bem pouco confiável.
Ou seja, você paga para saber, consumir e às vezes assumir uma verdade que não é necessariamente sua - e, pior, pode nem mesmo ser verdade, apenas uma ideia que alguém quer que você “compre”. De forma que a pergunta inicial pode ser outra: sua consciência está à venda? Se não, cuidado com as “verdades” que estão lhe vendendo. Elas podem, na verdade, estar consumindo você.

Um comentário:

  1. Legal DD, muitos pagam pra não pensar... esse tem sido o conceito de "não ficar preocupado" um pre-requisito pra "dessestressar" e não saber ao certo o que realmente te estressa... E assim continuar desinformado e cheio de informação ( tu ta´ querendo estragar a lógica da nossa sociedade de consumo?!!) hehhhee bjinhos

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Xi, francisquinho, deitaram a língua na jabuticaba!