sábado, 23 de julho de 2022

Brasil mergulha na tragédia anunciada


Démerson Dias


Quando em 2018 mulheres gritaram #elenão, uns e outros chegaram a mencionar que ou seria exagero, ou iria fortalecer o bolsonarismo.

O Brasil é um país machista, e reconhecer que existem estruturas que atendem a essa perspectiva, assim como ao racismo, pressupõe entender que se nada é feito, a sociedade por padrão é machista e racista.
Isso implica necessariamente na necessidade de políticas anti machistas, anti racistas, anti homofobia, anti etnocídio dos povos originários, anti desmatamento anti aporofobia, a lista é, desgraçadamente enorme, porque o “default” no Brasil é excludente.

Desculpem-me as pessoas que supõem ter boa vontade, mas quem assiste o genocídio e apenas o denuncia esta fazendo muito pouco além daqueles que são  puramente coniventes. A distância entre uns e outros é meramente subjetiva. Procurem pela diferença, pelo olhar das vítimas.

Como alertou Hannah Arendt, o “mal” prospera porque sua prática e seus efeitos foram banalizados.

Não existe genialidade em Bolsonaro, nem no bolsonarismo. Mas existem os sectários voluntaristas, oportunistas e psicopatas, capazes de manejar instituições e instrumentos para alavancar, a partir dele, uma política ostensivamente regressiva.

E o que nos faltou, ao menos à maioria de nós, foi perceber que essa seita que se montou em torno dele não se detém até que tudo o que nós reconhecemos como válido na civilização vigente seja desconstruído.

Criminosos contumazes, patológicos, sempre estão buscando distorcer as restrições que a sociedade coloca em seu caminho. Se ninguém os detiver, não serão eles. Aliás, a história tem exemplo, daqueles que pediram para serem detidos. Está acima, ou fora da capacidade e da intencionalidade deles deixar de assassinar, torturar, estuprar.

Ou subestimamos a capacidade deles de adorar a destruição, ou acreditamos que éramos tão superiores que já tínhamos criado uma matriz civilizatória irrevogável. Sendo o mais provável que tenha ocorrido uma soma de estupidez e presunção de nossa parte.

Multidões tolas ou desavisadas estão acreditando que o processo eleitoral por si será suficiente para restaurar a razoabilidade. Existem inclusive os que acreditam que a dignidade e soberania retornarão, como se uma ordem natural imanente fosse restaurada porque “dessa vez” o país estaria fazendo “a escolha certa”.

Não me agrada ser um daqueles que corta o barato, quebra a onda, azeda o leite, num período em que estamos tão carentes de amparo e esperança. Ocorre país não vai sair ileso de 676 mil mortes. Não é algo que se possa “esquecer” ou “deixar passar”.

 Assim como todos os assassinatos, cometidos de forma premeditada pelos que se beneficiam do caos, produziram vincos afetivos profundos em uma multidão de famílias e comunidades. Note-se que estou “pegando leve”, deixando de fora a corrupção meramente venal e seus efeitos.

Simbolicamente, o país está precisando de UTIs em várias de suas esferas, a começar pela afetiva. Sendo que o ódio é algo que, se não é detido, segue se reproduzindo. Fica cada dia mais evidente que o ódio é uma resposta válida para quase um terço do país.

E o ódio utilizado como discurso oficial não é algo incompatível com a atividade pública. ou política.

Isso diz muito sobre a política coercitiva utilizada contra amplas parcelas da sociedade.

Não existe hipótese do país não ter entrado em convulsão diante da indiferença institucional perante o extermínio ocorrido durante a pandemia.

Isso não é algo que se naturaliza. A maioria sociedade já estava acostumada à morte abundante, ao sofrimento inclemente e a assistir parentes e amigos caírem como folhas caem no outono.

Não nos enganemos, o bolsonarismo diz mais sobre a estúpida convicção civilizada brasileira do que sobre os próprios bolsonaristas, inclusive a familícia no poder. Que existam perversões é algo que até estatisticamente é compreensível. 

O país ignorou todas  as advertências, elegeu e assistiu por quatro infinitos anos todas as intermináveis provas de desatino, manipulação, venalidade, degeneração. E dentre alguns milhões de atores sociais e políticos aptos a se erguer para deter essa calamidade, nenhum se dispôs a fazer mais do que denunciar e proclamar, ninguém se dispôs a estancar o escoamento de almas, valores e consciências.

As palavras de Martin Luther King, sobre o silêncio dos bons, foram desacreditadas e banalizadas na avalanche moral que se abate sobre o Brasil. Em quatro anos não houve uma alma sequer, em condição de protagonismo político que fosse capaz de compreender corretamente os sentidos e o significado do fenômeno bolsonarista, e agir de forma politicamente condizente. Não é só o bolsonarismo, nossa política está podre.

Nada indica que já compreendemos. Não nos calamos, mas muito pouco, ou nada fizemos para estancar o açoite, prender facínoras,  encarcerar os depravados, deter o morticínio. A resposta mais provável é que os incluídos deste país não valorizam crianças, mulheres, povos, natureza, ou a vida o suficiente para transformar o “não passarão” em ação consequente.

A diferença é que os bolsonaristas acham que estão certos, portanto não faz sentido cobrar consciência crítica. Nós, ao contrário, inventamos instituições, regras, códigos que nos sugerem superioridade espiritual.

Não nos sentimos responsáveis porque ainda não inventamos um nome cuja carapuça nos sirva. Que nome tem o que assiste a injustiça, mas não se sente responsável por detê-la?

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