Jabuticabas
Porque há mais metafísica em chocolates . . . ou jabuticabas
sábado, 29 de novembro de 2025
Vitrais fundidos num Crisol
sexta-feira, 29 de março de 2024
Paulo Rios e sua impaciência incansável*
Démerson Dias
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| Paulo Roberto Rios Ribeiro 28/12/1961 - 27/3/2024 |
Paulo Roberto Rios Ribeiro foi uma das pessoas com quem tive as mais profundas afinidades políticas. Divergimos, por vezes, na tática.
Ele era movido por urgências. Nesse caso, invertia-se o tempo, eu era mais velho e paciente. Paulo Rios tinha na impaciência uma virtude. Acreditava em linhas diretas, o quanto mais imediatas. Não fazia concessão a hipocrisias. No que era mais nobre que eu, que as entendia e relativizava. Hoje tenho quase a mesma urgência, mas ainda sou mais paciente.
Trabalhar com o Paulo era ter que se conformar em realizar o máximo o mais breve possível. Não acreditava em adiamentos, protelações. Tinha a vontade política no limite da própria realidade. Se tivesse as condições necessárias, Paulo é daqueles que realiza impossibilidades. Tal qual Arquimedes, moveria o mundo com o ponto de apoio e alavanca adequados.
Não quero suscitar os fantasmas que exorcizamos juntos. Paulo por vezes era incontível. no melhor sentido da palavra. Quem apostasse contra sua capacidade de ação, no mínimo se frustrava. Foi um líder que tive a honra de ladear, alguns passos atrás, que seu fôlego era pra poucos.
Aliás, lembro-me dele se orgulhando anos atrás: “Estou com o preparo físico de um atleta!” Pergunto-me se Paulo alguma fez foi capaz de fazer algo mediano. Com ele era tudo, ou um pouco mais. Paulo era um ser superlativo, nos bons sentidos que essa adjetivação pode ter.
Claro que eu me cansava e irritava com ele vez ou outra. Principalmente porque ele cismava em estar adiante da utopia. Não acreditava que as condições objetivas pudessem ser tão omissas diante das forças que as continham. A utopia para ele era como o mínimo tolerável, utopia, ou algo mais.
Uma inspiração a toda prova. Eu endossava alguns dos erros de Paulo porque as finalidades estavam certas, ainda que o caminho fosse incerto, sinuoso ou temerário.
Quantas pessoas honestas afrontam juízes neste país? Não posso deixar de citar Moysés Szmer Pereira. Paulo e ele, dois luminares que simbolizam a coragem franca e destemida.
Vou deixar de perseguir elogios, porque nessas horas ouviria dele, “deixa de ser besta, visse?”.
Em meu último encontro com Paulo estive ao seu lado, caminhando. Algo que certamente ele estaria fazendo, e eu não seria páreo para acompanhá-lo. Teríamos ainda mais afinidades atualmente do que tivemos no passado, viemos a atuar em região contígua no judiciário. História e memória.
Suponho que Paulo se cansou da paciência de seu corpo. Evitei sondar causas e instantes, mas isso é desnecessário. Paulo é como um luminar desses que descortinando espaços e fronteiras.
Olha ele aí, com alguma mania recente, descobrindo novidades e inventando alguma moda. Agora deu de coincidir seu silêncio com sua ausência. Sempre nos desafiando a olhar além.
Nunca vai deixar de me instigar, velho companheiro e irmão. Mais uma vez se antecipou além de minha capacidade de alcançá-lo. Agora, liberando-se dos limites do corpo, tenho uma certeza, Paulo segue desbravando alguma coisa.
sexta-feira, 22 de dezembro de 2023
DESNATAL
Démerson Dias
O estado fascista e terrorista de Israel ataca e bombardeia unidades médicas, o que é absolutamente condenado pela legislação internacional e os pactos de guerra mais elementares. Só não existe punição, vetos ou sanções porque o grande irmão do Estado Criminoso de Israel impede qualquer possibilidade de razoabilidade.
Parece-me inevitável e pertinente fazer um paralelo e atual, a Rússia capitalista não priorizou alvos médicos, justificando que os jihadistas do batalhão Azov se moviam por ambulâncias.
A infraestrutura de saúde na faixa de Gaza foi pulverizada pelos ataques do Estado terrorista.
Energia e guerra, essas, as motivações para o extermínio do povo palestino. Nem foram os povos árabes os principais responsáveis pelas diáspora do povo judeu. No entanto, o mundo cristão, verdadeiro criminoso nesse caso, é aliado dos belicistas.
Não há efetiva razão histórica por trás da defesa do estado de Israel, o que ele faz é uma política de usurpação e desterro dos povos que habitam a Palestina há milênios. E a estratégia é a um só tempo alimentar a pérfida indústria da guerra, enquanto o império do ocidente pretende, em segunda frente, apartar a Europa de seu principal fornecedor de energia.
Esse viés da guerra, ocorrendo simultaneamente, não é suficiente para abrir os olhos dos Europeus, o melhor aliado material da Europa na atualidade seria a Rússia. Compartilham de semelhante visão do mundo, o capitalismo oligopolizado. E a Rússia alcançou de forma mais consistente que o ocidente a invenção de uma potência pluriétnica. Bem antes da União Europeia.
A tentativa de instalar uma via para levar gás para a Europa através da faixa de Gaza explica a guerra e a estultice que acomete a racionalidade desvairada do ocidente. Essa perspectiva, aliás, é anterior ao próprio Estado de Israel, meados do séc. XIX. E da própria invenção do sionismo.
Outro paralelo inevitável é mencionar Herodes exterminando crianças para impedir o surgimento do messias. Essa guerra é, também, para exterminar o natal. Massacrar a esperança. Esfregar nas fuças do mundo, ao menos de suas facções mais hipócritas que nem sequer um velhinho simpático, vermelho e barbudo será capaz de derrotar para aplacar a ganância do faraó contemporâneo. Detalhe estou me referindo a esse velho é um dos símbolos do consumismo, não ao outro.
Não há presentes nesse final de ano. O que comemorar quando milhares de crianças recebem balas de alto calibre e bombas destruindo suas esperanças, futuro e vidas? Tudo é desterro, passado e terror.
Ainda que se possa contestar a teocracia do Hamas não há parâmetro de comparação com o morticínio praticado pela religião do deus mercado.
Como ateu agnóstico, minha sugestão aos que se referenciam no natal é que se disponham a ir além de comer perus e acender velas bem intencionadas. Se não lhes é pertinente uma ação corajosa para desmascarar e contrapor a besta da distopia capitalista, que ao menos não façam parte das correntes de ódio.
Inevitável, e lastimável, suscitar a desconcertantemente atual canção de John Lennon, que traz como subtítulo, exatamente, “a guerra acabou”, como um tapa na cara da nossa cultura que ainda produz assombrações bélicas e dizima inocentes chamando-os de bárbaros.
Então é Natal! E o que você fez?
domingo, 13 de agosto de 2023
A atualidade do mal
Démerson Dias
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| Atentado Rio Centro em 1981 - autor não localizado |
Não sei que advertência fazer antes.
O presente texto pode ser fruto de paranoia. Delírios persecutórios. Pode ser que o 8 de janeiro de 2023 não tenha ocorrido. Nem qualquer dos fatos mencionados a seguir. Se assim for, trata-se de um ensaio que se presta à análise clínica, sem valor maior para a reflexão política. Exceto pelo condizente contexto de mal estar na civilização.
A segunda advertência diz respeito ao título do texto. No esboço dei o nome de “a atualidade da barbárie”, a ideia era dialogar com Rosa Luxemburgo que melhor resumiu, na consignia “socialismo ou barbárie”, o desafio da humanidade. No caso do Brasil, parecia um desafio longínquo até 2013.
Dez anos depois, a realidade capota. Enquanto ainda tentamos entender a dialética inscrita pelas manifestações de 2013, a barbárie já não é possibilidade. É um cardápio de investidas em múltiplos níveis, da política, à economia das almas da teologia da prosperidade, passando pelo programa de devastação desenvolvimentista da amazônia. Ou sua versão nua e crua, a guerra contra o potencial revolucionário da política inscrita na tradição dos povos originários.
O título durou até ver as cenas dos ataques sofridos pela deputada Lucia Marina dos Santos, Marina do MST em Nova Friburgo. Era a esquerda toda sofrendo aquele ataque.
Alterei para “a atualidade do mal”, porque o fascismo no Brasil, com mais esse ataque, deu prova de que está derrotando a civilização com razoável margem de vantagem e segurança. Como se tratasse, agora, apenas do encadear burocrático, metódico, de iniciativas aterradoras, falsamente desesperadas e meticulosamente perversas.
Caso a primeira advertência seja descartada, a segunda pode ser desconcertante:
É como se o país inteiro estivesse numa sessão de tortura cívica. E não é a esquerda constituída toda por Spartacus, é à direita que todos são Adolf Eichmann.
Elegemos um governo que concilia com nossos algozes. E gente demais comemora a prestidigitação institucional à serviço do recrudescimento da criminalização da política (de esquerda).
E como política, incluo até aquele movimento desesperado de se vasculhar lixo em busca de ossos, que imediatamente passaram a ser comercializados.
O fascismo não apenas “saiu do armário”. É financiado regiamente por gente que se senta com Lula, dá tapinha nas costas e garante acreditar num futuro para o Brasil. E não fazemos nada.
A isso se somam décadas de planejamento, exercícios e evoluções tanto das práticas do Esquadrão Le Coq, quanto da bomba do Rio Centro e a Marcha da Família da Família com deus pela Liberdade. Concluo que até as comemorações pelo noticiário que desnuda as malandragens da família Bozo, é parte do enredo de anestesia preventiva. Algo como a serpente que hipnotiza a presa.
Talvez eu devesse escrever a próxima frase e encerrar, é como se um pesadelo fosse desdobrado em sucessivos clímax.
Os fascistas estão tramando um linchamento público como novo degrau de sua investida, progressiva, lenta e segura rumo à consolidação definitiva da barbárie. Alguém falou em assassinato de uma criança de 13 anos?
Quem será a vítima que fará desabar nossa moral e demolir a resistência da vítima de tortura?
Do meu delírio, enxergo que a aproximação da descoberta de mandantes do assassinato de Marielle e Anderson estão relacionados imediatamente à ameaça de linchamento da deputada Mariana. Até o perfil pessoal das vítimas denuncia a premeditação. Não estão perseguindo a esquerda que se confunde com civilidade.
Ou será acidental a CPI do MST? Escalada premeditada, alvos estrategicamente encadeados de forma progressiva. O 8 de Janeiro não terminou e quando achamos que tornamos inelegível o fascismo estamos sendo iludidos de que estamos rompendo com o terror, enquanto ele é construído de forma metódica, perspicaz e paulatina. De forma irrestrita, lenta e segura.
Nos divertimos discutindo contrabando diplomático enquanto o cordão de extermínio pelas mãos da polícia vai se disseminando como marco civilizatório. Tangendo nossa civilidade para calabouços em que o regime fiscal vale tudo, e a vida, nada.
O que pode ser delírio, ou constatação decorre do perfilamento das ações perpetradas, desde 2013. O fascismo é ousado. Em prazo muito curto constituiu força popular e foi capaz de neutralizar uma manifestação típica e corriqueira das esquerdas. A ponto de que efetivamente conseguiu confundir a “inteligentsia” da esquerda, que passou a condenar tudo o que ocorria como investida exclusivamente reacionária.
Aquela esquerda que, inclusive, está de volta ao poder hoje, é incapaz de derrotar o fascismo. Nem sequer o reconhece. O valida, legitima. Não faz ideia de sua dimensão, alcance ou relevância. O capitalismo possui agora até mesmo um populismo para chamar de seu, porque as esquerdas não entenderam, ou desdenharam da necessidade de afirmar e construir um partido revolucionário.
Como a esquerda não fez sua revolução, a rebelião vigente é fascista.
Vivemos mais uma etapa da contrarrevolução preventiva. E dessa vez nem ensaiamos organizar as massas. Basta um conciliador formidável, capaz de gerir o capitalismo melhor que toda a intelectualidade orgânica da burguesia.
Trata-se de um nível acima de sofisticação. Lastreada em algoritmos de manipulação de comportamento e justificada nas desgraças que o próprio desenvolvimento capitalista produziu.
O Brasil entrou em guerra civil praticamente quando foi assinada a lei áurea. A burguesia, ressentida com a impositiva modernização de suas práticas pela monarquia ilustrada, tratou de acionar o círculo militar para um golpe de estado. E assim, o republicanismo brasileiro, até então, um sonho de liberais foi sequestrado pela burguesia parasitária. O que chamamos de nova república foi, não mais do que um surto caracterizado pela síndrome de Estocolmo.
A esquerda da ordem, inventada por Golbery do Couto e Silva, achou que havia apagado da nossa história a era dos ditadores, enquanto era iludida pelas telenovelas disfarçadas de noticiário.
O texto ficou demasiado longo então encerro sua introdução por aqui. Minha habilidade é afetada pelos inúmeros desdobramentos que vão se delineado, entre o delírio e o desastre anunciado em letras miúdas. Nossa democracia é um placebo que matará o paciente pelos efeitos colaterais. E porque não fizemos nada, já não há quase mais nada a fazer. Por enquanto é apenas um delírio. Espero não despertar ensopado de sangue.
quarta-feira, 5 de julho de 2023
Relativas, não, são todas ditaduras!
Démerson Dias
Só acredita em democracia quem não está sob a alça de sua mira.
A habilidade retórica e o carisma de Lula às vezes o colocam tão à frente no debate político que esquerda e direita se esfacelam tentando decifrá-lo. Ainda assim, Lula é convenientemente impreciso quando diz que a democracia é relativa.
Por exemplo, um panfleto reacionário paulista critica a fala de Lula depois de já ter cuspido o termo “ditabranda”. Canalhas, por canalhas, vamos escolher os canalhas que não relativizam o fascismo. Como faz absolutamente toda mídia comercial brasileira.
O caso é que, ainda hoje, mais ou menos dois mil anos depois que gregos como Platão, ou Sócrates, consideraram a democracia melhor apenas que a tirania, não fomos capazes de inventar uma democracia condizente com o nome, ao menos em etimologia honesta. Em lugar algum no mundo.
Inclusive porque outras culturas como as africanas, as ameríndias e as asiáticas jamais haviam se iludido com essa utopia liberal “civilizada”.
Dialogando com Lula, o que são relativas mesmo são as ditaduras e o mundo de hoje vive, primordialmente, sob o tacão de ditaduras burguesas, sendo a principal, o imperialismo estadunidense.
A fábula de que um regime político é democrático porque possui instrumentos e disposições de consultas de opinião é um engodo. As eleições são basicamente pesquisas de mercado. Nos EUA as eleições nem sequer são diretas. O regime cubano é imensamente mais democrático.
No Brasil, desde Collor, não importa quem seja eleito, o único programa de governo em voga é neoliberal. Mesmo afrontando violentamente a Carta de 88 que, para o PT, era insuficiente, mas hoje parece tão ingovernável quanto o era para o coronel beletrista José Sarney.
Ficamos brincando de democracia quando elegemos os sociais democratas tucanos e o social liberalismo lulista, enquanto, na prática a coisa funciona assim, quando as esquerdas eleitas governam como direita, só resta à direita, ao vencer a eleição, pender para o fascismo. Como do resto a esquerda mesma se incumbe, do contrário, se não o fizer, a direita não se distingue.
Aquilo lá, deu nisso ali. Sejamos um pouco menos hipócritas.
E para justificar e nos convencer que as ditaduras burguesas são democracias existe toda sorte de expediente, debates exaustivamente técnicos e filosóficos que aludem à república, alternância de poder que são pouco mais do que troca de turno dos carrascos. Uns mais, outros menos dóceis, enganosos e convincentes.
Como é assim no paradigma máximo, os Estados Unidos, em que a população é ufanada a escolher a quantidade de torques no torniquete opressor que está no pescoço da população.
Em
caso recente, a própria esquerda endossa o engano quando anuncia a
título de acusação que Nicolás Maduro é ditador na Venezuela.
Claro que é ditador. Pouco mais, pouco menos que Lula, Biden Xi
Jinping, ou Putin. Ou qualquer outro que governe sob os auspícios de
um estado de classes.
Onde a democracia?
A seu favor, Maduro não pode ser acusado de estar invadindo país algum, nem promovendo uma cruzada ensandecida como a da Otan na Ucrânia. E o que dizer dos demais países europeus que se constituíram apenas por conta de colonialismos execráveis e criminosos? Mantidos ainda hoje, pela inversão dos ciclos coloniais, inspirados rigorosamente por aquela prática.
É preciso mesmo condescendência e autoengano para não notar que o que chamamos de democracia anda de costas para a justiça social, para o bem-estar geral, aliás, anda de costas para o que supomos ser nossa própria humanidade.
E sempre existirão as almas benemerentes consolando os oprimidos de que os opressores não existem, que as opressões são contingências temporárias e que heróis estão trabalhando abnegadamente em nosso favor, ou a favor de todos.
A questão não é quantos heróis nos salvam. Onde existe Estado, há um segmento (classe) esmagando outro, ou outros. Realmente não são as democracias que são relativas, elas simplesmente não existem. Somos nós que temos o péssimo hábito de relativizarmos, atenuamos e tolerarmos as variáveis de ditaduras que estão no cardápio dito civilizado.
Enquanto a “civilização” brinca de mais democracia e menos democracia o que sobra para os degradados da terra é a oscilação perversa entre morrer de morte matada, ou de morte morrida. Guerras, pragas, desterro eterno, fome de tudo.
Como alegar uma democracia que prescinde da justiça? Que destrata seus indefesos? Qualquer um que reivindique alguma democracia e feche os olhos para as desgraças das maiorias é, no mínimo, cínico. Relativo, mesmo é chamar de democracia os regimes que oprimem, encarceram, esfolam, estupram e matam exatamente as maiorias.
Voltando aos nossos exemplos do cotidiano brasileiro, desde a abolição da escravocratura explícita, o Brasil está em guerra civil contra pretos e pobres. E a sobrevivência deles é, nada menos, do que a mais longa rebelião da coragem e virtude contra forças opressoras.
As prisões brasileiras tem muito mais rebeldes despercebidos do que bandidos e criminosos. A classe desses últimos, ocupam mansões, posições requintadas e de prestígio, de poder e posses. Podemos chamá-los de burguesia. Esses que detém absoluto controle sobre os Estados.
O caráter de uma democracia é medido pela extensão e lástima de suas vítimas.
Só acredita em democracia quem não está sob a alça de sua mira.
terça-feira, 9 de maio de 2023
Arrombaram a Babilônia
Démerson Dias
“E apesar dos pesares do mundo
... segurar essa barra
Minha saúde não é de ferro, não é não
Mas meus nervos são de aço
É pra pedir silêncio eu berro, pra fazer barulho eu mesma faço, ou não... Au!”
Rita Lee / Lee Marcucci - Jardins da Babilônia
quarta-feira, 5 de abril de 2023
A indecente falta de educação.
Démerson Dias
Talvez se eu não fosse filho de professora, seria menos sensível à questão educacional.
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| Escola Estadual Chácara das Corujas, no Grajau (Rivaldo Gomes/Folhapress) |
A começar que sem a primeira, não existe a segunda.
Mas é também a educação que nos apresenta ao termo dignidade. Por isso é mais perseguida que qualquer terrorista ou traficante. Que, convenhamos, são funcionários das burguesias, assim como todos os facínoras.
Alcançamos um ponto em que a educação vigente é um projeto para reverter a civilização (como se essa já fosse grande coisa comparadas aos povos originários do mundo.
A frase de Darcy Ribeiro não é apenas denúncia, é profética: “A crise na educação não é crise, é projeto”.
O modelo educacional vigente, patrocinado pelas burguesias e agora arregaçado em seu despudor através do vetusto “novo” ensino médio, é inúmeras vezes pior do que o antigo projeto MEC-Usaid, denunciado, dentre outros pelo controverso, mas redimido deputado e jornalista Marcio Moreira Alves (Beabá dos Mec-Usaid).
A domesticação e assujeitamento do Brasil ao segundo plano na economia e protagonismo político é produto direto do projeto educacional burguês. Somos um país adestrado para ser servil a parasitas.
A cultura popular brasileira, incluídas a dos povos originários e afrodescendentes é disruptiva em relação aos ditames senhoriais da alta burguesia internacional.
Nos tornamos ponta de lança da investida neofacista no mundo porque chegamos ao fundo do poço humanitário. Restou à burguesia exaltar o obscurantismo estrutural e estruturante.
Não tem jeito. Se o projeto de povo e nação brasileiros é deixado à própria sina, revolucionamos a realidade. É preciso um projeto de adestramento que nos prive absolutamente da alma, desejo e potencialidades. E essa é a matriz educacional do país: desnaturar os povos que vivem na sucessora de Pindorama. Estuprar melodia e verso da obra de Bandeira e Villa-Lobos em defesa da pátria.
O Brasil não é um país pacífico, é de luta. Até o aterramento civilizatório patrocinado pelo varguismo, o país viveu algo como uma média de levantes populares ou rebeliões a cada cinco anos de história.
Não somos um país pobre. A injustiça é mecanismo de obstrução da realização de potencialidades. Se o Brasil fosse liberal estaríamos além de uma quinta potência econômica (um marco humanamente pueril, reconheço), onde já quase chegamos como resultado de um mínimo assistencialismo turbinado.
Inventamos um sistema de saúde ímpar, o SUS. O maior do mundo em ousadia.
O Brasil não tem Nobel porque isso seria vexatório para a burguesia parasitária brasileira que se esmera febrilmente para manter o país numa avassaladora posição servil. Por que é a servidão das multidões que garante a uma das mais desqualificadas burguesias do mundo, bocejar pelas favelas vistosas e bem acabadas de Miami. Nem se quer se envergonham de serem reconhecidamente bestiais, pedantes e intelectualmente indigentes.
A propósito, é preciso emburrecer a brasilidade originária para que não fique escancarada essa indigência intelectual. É preciso muito esforço para ser mais idiota que a burguesia brasileira. E é assim porque é o que prescreve para um país subalterno a grande burguesia.
As violências, assassinatos, desterro existencial nos quais sucumbem as unidades educacionais e seus prisioneiros: alunos, professores e gestores, são o ponto fulcral da luta de classes no país. Talvez devêssemos começar por ali a revolução emancipadora brasileira. Temo que os revolucionários brasileiros, não tenhamos amor, nem coragem suficientes.
Essa reflexão é motivada e dedicada à minha mãe e as, felizmente, incontáveis pessoas da área da educação (inclusive educação popular) com quem convivi, convivo e admiro. Inclusive a Bruno e Thifany, minhas luzes.






