quarta-feira, 3 de outubro de 2018

E a culpa é das mulheres?


Foto: Mathilde Missioneiro/Ponte

Em 2013 tivemos dois blocos nas ruas: o bloco do ódio de um lado e “indecisos cordões” do outro. Agora, não. As mulheres não convocaram apenas uma marcha contra o ódio. Era, sobretudo, a favor da vida  não de qualquer vida, mas da vida digna. Da que faz sentido ser vivida. Por isso, #elenão. Uma marcha contra a intolerância que saltou barreiras geográficas, idiomas, ideologias, porque existem consensos civilizatórios. Por exemplo, #elenão. Os homens que lá estiveram estavam perfeitamente à vontade e irmanados aos sentimentos femininos. Homens sem medo de lutar como uma garota. Porque, sobretudo, #elenão. Tivemos um período de governo de tentativa de concertação nacional que não foi capaz de evitar que surgisse um #elenão. Desse governo deveria ter surgido uma aliança entre democratas, progressistas, mas a coisa mais forte que surgiu foi ele, só que #elenão. O que assustou o “macho adulto branco sempre no comando” foi a entrada em grande estilo do feminino na guerra pelo poder. Pesquisas foram recoloridas com critérios inventivos, efeitos especiais e um amplo acordo entre correntes moralistas e o braço ideológico do capital, a mídia. Para esse segmento, até mesmo o fascismo é preferível às mulheres assumindo seu protagonismo político na sociedade; para eles, as mulheres são o grande perigo #ele,não. É evidente que a polarização da principal eleição do país está fundada em um projeto que preserva o status quo de um lado e outro que piora as coisas, desconstruindo 50, 100, 300 anos de história. Por isso, o projeto conservador é simples: é tempo de destruir toda e qualquer conquista civilizada, exceto a expropriação aos indígenas, povos originários, que devem desaparecer, assim como descendentes dos escravizados que construíram sua liberdade à força. Por isso, dizemos #elenão. Não por acaso, e de forma inédita na história do país, todas as principais candidaturas de partidos importantes, indicando uma exigência simbólica importante no imaginário político, trazem uma mulher como vice. Exceto, é claro, #elenão. As eleições não irão tirar o país do atoleiro em que os homens enfiaram o país após arrancarem a primeira mulher na presidência do país. Para evitar suposto mal, aderiram, sem hesitar, ao que veio a ser o pior governo da história do Brasil. E agora deixam claro que aceitam qualquer coisa menos as mulheres despontando com coragem e determinação no horizonte da política. Inclusive #elenão. As eleições são a solução dos machos para perpetuarem suas mazelas à guisa de enganarem incautos, e tutelarem a sociedade através do ódio. O problema dessa plataforma é que o ódio é fundamentalmente destrutivo, não há alvorecer, não há amanhã, não há futuro nas promessas do ódio. É um horizonte que se resume a um #elenão. Não é nada surpreendente: tradicionalmente, meninos brincam de heróis, e meninas, de casinha. Heróis pressupõem vilões, casinha pressupõe família. E o país está mais para família, ou para heróis versus vilões tipo #elenão?

Foto: Daniel Arroyo/Ponte
Como homem, repudio o raciocínio escapista, covarde e preconceituoso que acha que protestar contra o ódio é tornar o ódio mais forte. A turma do ódio está tremendo de medo que as mulheres assumam o controle. Uma reação tão pueril que se confunde com #elenão. #elenão, finalmente, porque a única resposta séria, útil e consequente que surgiu desde a combalida redemocratização não foi o #elenão. Foi as mulheres indo às ruas por um país em que há uma única verdade intolerável. Por isso, #elenão!




Um comentário:

  1. Belíssimo texto, Démerson! Somemte2 um homem combativo, capaz de fazer as interligações entre as (des)informações postas e com consciência de classe poderia escrever um texto como esse em que exalta a mulher e o feminino! Gratidão!

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Xi, francisquinho, deitaram a língua na jabuticaba!