Onde
foi parar a república?
Démerson
Dias
Ou acabou a eleição, ou acabou o Brasil. Terá que
ser refundado, com democracia, ou com sangue.
O fenômeno Bolsonaro nunca foi uma iniciativa de
militantes convictos, não é sequer iniciativa de militantes manipulados. É uma
manipulação de eleitores regada a dinheiro de corrupção. Deslavada e espúria
corrupção.
O filho de Bolsonaro esteve pessoalmente dedicado nos
processos de manipulação, chegou a divulgar foto junto com “grande expert”
Steve Banon que atuou na eleição de Donald Trump. Banon confirmou o
envolvimento, e foi amplamente divulgada a tática de empresas como Cambridge
Analitcs. Nos EUA isso levou Mark Zuckerberg a prestar contas ao congresso.
Se Bolsonaro não sabe o que seu filho anda fazendo
em prol de sua candidatura e em seu nome a situação familiar do candidato é
extremamente mais grave do que os problemas legais que podem ser enfrentados
por sua própria candidatura. Como diz Daciolo: Sabe sim, sabe do que a
mídia está falando.
Só que ao contrário do lema bíblico a verdade
libertará a verdade de Bolsonaro pode leva-lo à cadeia. Afinal, por muito
menos, Moro mandou Lula para lá. Sem qualquer flagrante. Bolsonaro será imolado
em carne viva por Moro, claro, o grande paladino do país. Já é possível
imaginar o powerpoint fabuloso que Dallagnol está elaborando com afinco.
Em seus quase trinta anos no parlamento Bolsonaro
pode ter deixado de perceber, mas sua posição é rigorosamente a mesma que levou
José Dirceu à cadeia, segundo a versão de “domínio do fato” inaugurada por
Joaquim Barbosa.
Provavelmente a facada no segundo cérebro afetou
seus sentidos, mas seu filho e todos o restante do país sabem porque empresas
investem dinheiro em campanhas eleitorais, chamamos de investimento, mas o nome
real é compra. Estão comprando um posto de poder para auferir vantagens e
lucros tão logo o posto for ocupado. O filho de Bolsonaro é apenas o
emissor da promissória do mandato do pai. Tem antecessores famosos como PC
Farias, Marco Valerio, Paulo Preto, dentre outros.
Antigamente, quando o financiamento privado era
permitido, sabíamos que grandes empresas, bancos, conglomerados investiram preventivamente
em diversas candidaturas, sobretudo as mais promissoras. Havia caixa dois, mas
era uma contingência do próprio mercado, que não podia demonstrar sobra de
recursos tanto para iludir acionistas quanto o fisco.
O financiamento privado agora é proibido. Quem
recorreu a esse expediente tem certeza absoluta que está atuando à margem da
lei. São corruptos no inteiro teor do termo e de forma iniludível como gosta de
asseverar a magistratura. Ocorre que não atuam apenas ajudando um candidato a
ganhar maior projeção, suas ações configuram também crime já previamente
tipificado na legislação eleitoral, trata-se do complexo e aterrador sistema de
manipulação do eleitorado, num patamar muito maior do que a mera compra de
votos.
Os currais eleitorais foram combatidos e quase que
debelados em sua totalidade a partir de intensa enorme campanha contra compra
de votos. Aquelas em que antigos coronéis ofereciam dentaduras, chinelos e toda
sorte de bugigangas e bens aos eleitores fieis. Por essa razão, aliás, o sigilo
do voto alcançou importância equivalente à própria garantia de lisura do voto
eletrônico. Essa prática foi superada pelo esforço da sociedade das
instituições, e também pelo arejamento partidário após a ditadura.
Chamávamos de compra de voto porque, fatalmente,
atingiam pessoas em condições precárias de subsistência. Condições que também
foram razoavelmente mitigadas ao longo da frágil democracia brasileira,
principalmente pelos programas sociais. Programas aliás, historicamente
condenados por Bolsonaro que só reviu sua posição para iludir eleitores nesse
segundo turno. Chegou ao segundo turno maldizendo e execrando tais programas.
Agora vemos um candidato que defende a ditadura
recorrer a procedimentos que só foram atacados após a superação daquele regime
do qual ele é saudoso. Impossível ser uma questão acidental, ou passageira.
Bolsonaro já coloca em prática as formas de manipulação da realidade que, na ditatura,
em segunda instância levou à censura, tortura e morte. No dizer do candidato,
situações como a de Wladimir Herzog “suicidado” a um metro de altura por enforcamento.
Situação plenamente possível para um candidato que afirma que os povos
africanos impuseram a própria escravatura às nações escravocratas. Em todos os
sentidos a candidatura Bolsonaro é uma regressão aos piores tempos do Brasil.
É de se imaginar, com ele no poder, em quanto tempo regrediríamos aos
neandertais? Os brutais e animalescos ataques de seus eleitores que ocorrem às
dezenas país adentro, já colocaram em andamento essa missão, diante da negativa
e do silêncio sorridente de Bolsonaro diante da chacina.
A rigor a justiça eleitoral tem uma importante, porém
simples decisão pela frente (a legislação já prevê algumas circunstâncias). As
alternativas são suspender as eleições permitir que o peito se realize para
posteriormente anular a votação de Jair Bolsonaro, ou refazer o primeiro turno
das eleições, obviamente afastando Bolsonaro por inelegibilidade.
O primeiro grande problema a ser enfrentado e a
principal dificuldade da Justiça Eleitoral e do próprio judiciário, nos últimos
tempos, é provar que está disposto a perseguir (deveria garantir, mas tem se
escudado de fazê-lo em favor de holofotes) a Justiça de forma republicana. Ou
seja, com independência política entre os poderes. Caso o Judiciário não se
mostre capaz, estará constatada a dissolução formal da República, na medida em
que o poder que possui, como prerrogativa fundamental a preservação da institucional
da democracia. Importante notar que a legitimidade da magistratura, que não é
escolhida pelo voto, está fundada na defesa irrestrita, radical e plena da
legalidade e constitucionalidade.
Não se trata, portanto, de uma questão que possa ser
politicamente atenuada, não existe argumento formal, jurídico ou hermenêutico
que satisfaça uma necessidade fundante do estado brasileiro. Ao poder político
eleito pela sociedade compete cuidar da gestão do Estado, dos interesses nacionais
e garantir que a sociedade possa viver com dignidade. O poder político
atribuído ao judiciário como uma estrutura que não sofre a interferência da
vontade circunstancial da sociedade se origina no movimento constituinte que
dita e dá forma do estado-nação.
Vivemos ao longo das últimas décadas o vilipêndio
quase que absoluto do caráter social da Constituição de 1988. Os três
poderes da União bem como a quase totalidade dos governantes nos estados e
municípios fizeram vista grossa ao desmantelamento do estado social.
A educação sabotada deu margem ao surgimento de uma
sociedade que, em boa medida, pode ser manipulada por cordões digitais, na
medida em que não conta com um sistema de ensino que promova a cidadania, autonomia
e a liberdade como valores fundamentais. Os aparelhos de atenção à saúde bem
como suas políticas foram desmantelados para abrir espaço ao sistema privado de
saúde. E o setor financeiro e bancos foram regiamente remunerados ao longo
destes últimos 30 anos às expensas de toda a sociedade, inclusive os excluídos
e marginalizados.
Não há que se mencionar nesse contexto o tema da
segurança, na medida em que ele é, basicamente, consequência das escolhas
mencionadas anteriormente. A crise de segurança é a crise da ausência do
estado, não apenas nas áreas em que ele tinha obrigação de atuar. É também consequência
do descaso pautado como regra de política pública.
Cabe um parêntese oportuno, a mesma onda que colocou
Bolsonaro em primeiro lugar no primeiro turno carreou, pelo menos em nível
federal a segunda maior bancada do legislativo, além de agregados diversos, a
tempo ou oportunistas. Como lidar com esse contexto derivado?
Esses meus apontamentos nada mais fazem do que
tentar alinhar ainda que de forma superficial e ligeira o cenário em que o país
está atolado.
A aventura do neofascismo no Brasil. Conclui sua
primeira e talvez derradeira fase com um retumbante anticlímax. Para não
esquecer de um segmento que foi decisivo e tem sido determinante para socorrer
o futuro do país. Coube às mulheres, seguidas por crianças e homens (estes despidos
de seus machismos), despejar sobre a sociedade as advertências contra o grave
obscurantismo que ameaça a sociedade.
Agora, providencialmente ou não, cabe a uma Rosa
demonstrar se os espinhos irão defender as pétalas da cidadania, ou se deixará
que seja, mais uma vez, agredida e violentada.
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