sexta-feira, 19 de março de 2021

Mais do mesmo somos nós

Démerson Dias


Aterradora profecia de Miguel Pau

     Existe um paradoxo entre discurso e prática na esquerda brasileira.

     Afirmamos ter derrotado a ditadura de 1964, supostamente, desde março de 1985.

     Se isso ocorreu, de fato, porque os esquadrões da morte seguiram atuando, converteram-se em milícias, elegeram um presidente da república e estão conduzindo o maior extermínio da história do território brasileiro desde a chacina das civilizações indígenas?

     A ditadura brasileira ressignificou miseravelmente nossa definição de democracia, chegou ao poder pelas urnas, rebaixou a patente de comando de general para capitão, e trocou Golbery e Geisel pelos seus cães de guarda mais depravados. Aqueles do tipo tão incompetentes que fazem explodir bombas no próprio colo no Rio Centro, ou brincam de espoleta na Adutora  do Guandu. No mais, só são “bicho feroz” com revólver na mão.

     O paradoxo entre nossa crença, em discursos e bandeiras, e a prática emancipatória, da qual afirmamos ser caudatários, se explicita pelas vertentes mais expressivas das esquerdas que se dividem em dois segmentos: um deles acredita que ainda existe uma constituição no país e que temos uma democracia em vigor. Como se fosse real, e saudável, uma democracia que admite a eleição de um fascista.

     Favor, não confundir com Trump, um especulador capitalista midiático, inspirando os fascistas. Trump é um capitalista boçal, seu arremedo brasileiro é quase igual, é fascista, só não é capitalista.

     O outro setor, embora se inspire e reivindique os heróis históricos que morreram por transformações no país, virou pacifista. Esse setor tem algumas ramificações, mas parece acreditar que quanto mais pessoas gritarem, o mais alto possível, "fora genocida", seremos capazes de instaurar um modelo radicalmente novo de mediação política, social e econômica no país.

     O que une esses setores não é a perspectiva do porvir, mas o fato de estarem nessa mesma posição nos últimos 36 anos.

     Como alguma autocrítica é recomendável, eu devo fazer parte de uma esquerda pueril e alienígena, que não entende como as coisas funcionam, e não acredita nas doutrinas.

     Alguns indignados com essa caracterização poderão aventar as milhares de greves realizadas, ou mesmo vitoriosas, nesse período. Todas foram guerrilhas pacíficas, consentidas, com efeitos fugazes, pontuais e que impulsionaram o aperfeiçoamento dos instrumentos de opressão, exploração e controle. Os ganhos dos capitalistas se mantêm e  aumentam, qual categoria, greve ou movimento, no mínimo, preservou suas conquistas? Foram 36 anos de fátuas vitórias e acossados, cada vez mais, ao abismo (400 mil já despencaram, só de Covid).

     Todos os setores da classe que vive do trabalho estão regredindo a condições sub democráticas e em praticamente todos os setores. Eu não quis dizer subumanas, desde a colonização, o país nunca deixou de ter trabalho e vidas em condições subumanas, apenas a percepção disso é refratada de tempos em tempos.

     Nenhuma de nossas conquistas perduraram. Aprovamos leis que não revertem sequer as situações pretendidas, mas o projeto de demolição do esforço constituinte de 88, praticamente, concluiu seus trabalhos com êxito aterrador. Com a auxílio luxuoso de governos de esquerda, diga-se.

     A situação sócio-institucional atual está aquém de 1946 ou mesmo de 1934. A reversão da lei Áurea é, basicamente, questão de tolerância estatística.

     Como o SUS parece ser a última pilastra que nos afasta da barbárie absoluta (ou alguém acredita existe realmente algum auxílio emergencial?), a pandemia talvez tenha surgido como um atalho conveniente para uma solução final, destinada a destroçar a ordem social que consideramos civilizada. O Brasil está por um triz, de voltar a condições sócio metabólicas medievais, com drones exibindo tudo ao vivo e a cores. Num "show de realidade" que promete, para breve, em primeira mão, imagens dos vermes trespassando cadáveres nas ruas.

     Se o capitalismo precisava de um laboratório para testar as distopias que induz, ganhou o Brasil como presente. E a isso damos o nome de democracia?

     Eu aqui, com minhas oscilações de humor, fico tentando decifrar quantas milhares de mortes serão necessárias para as esquerdas entenderem o que significa barbárie? E quantas mais até que decidam fazer algo a respeito (para transformar, não para entender, ou denunciar - a quem, mesmo?).

     O governo neofascista produz reciclagens com velocidade assombrosa. Cada declaração, ou gesto, não dialoga com a realidade, mas com os imaginários dos aderentes e das oposições. Acomoda, ou assimila um desconforto, um constrangimento. O único desgaste real do Bolsonarismo, se presta apenas a uma reciclagem burguesa. Jamais a qualquer átimo de evolução democrática.

     Por enquanto, vão vencendo no país, os gatilhos de ajustes infinitesimais da contra-revolução preventiva. Daqui a pouco, Bolsonaro se converte no bode na sala, a demolição que patrocinou, permanecerá incólume, enquanto o país, “como nunca na história" poderá respirar, aliviado.

     E as esquerdas seguem em sua missão revolucionária de assistir a tudo, bestializadas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Xi, francisquinho, deitaram a língua na jabuticaba!