quarta-feira, 28 de abril de 2021

De que sabor vai ser?

Démerson Dias


Comemoramos a instalação da CPI, mas, além de tardia, é, não mais que uma resposta para restaurar a ordem, desconstruída pelo bolsonazismo. Nem sequer, trata-se de impulso de consciência dos donos do poder, muitos dos quais, refestelam-se na esbórnia da familícia.

É flagrante que a CPI só surge depois que diversos setores da comunidade internacional acusam o descalabro da situação brasileira. Não existe, por aqui, noção de identidade.

Na melhor das hipóteses, o que a encenação da CPI vai atestar é que um governo republicano mal conduzido pode trazer prejuízos irreparáveis à cidadania. Termos como crime humanitário serão adereços. Como o legislativo brasileiro é avesso à civilidade, até mesmo uma denúncia objetiva à Corte de Haia já é uma perspectiva extravagante. Não existe hipótese, dentro da ordem, que vá além de Mourão, ou antes de 2022.

A natureza das CPIs brasileiras circunscreve-se no arranjo institucional da conciliação entre idiotas e otários. Respectivamente, de um lado, seres sem qualquer resquício de vocação pública, de outro, pessoas com a indignação tão arrefecida que acreditam que o meio termo entre o nada e o quase seja uma solução politicamente válida. Bem entendido, esse nada para o social significa o tudo para os assaltantes oficiais da república. E não, os políticos oportunistas não são os assaltantes, apenas seus intermediários.

Quaisquer avanços ocorridos no parlamento nacional brasileiro, apenas inscreve as circunstâncias num verbete institucional que, para ter significância objetiva dependerá de exaustiva pesquisa de campo que, no máximo, apontará tendências. É o cotejo da mediocridade.

A tautologia desse raciocínio é necessária para constatar que as mudanças reais, ou efetivas, no país, decorrem exclusivamente do impulso social que as embale. Depois de 2013, mesmo impulsos destrutivos cabem na apreciação protocolar do parlamento.

A crise sanitária brasileira permite diagnósticos de praticamente todas as vertentes políticas e sociais existentes. Podemos examinar como se comportam o lúmpen, os mandatários, os empresários, os pobres, as mulheres, os ativistas etc.

Em larga medida, é possível perceber que, em seus diversos contornos, o país abriu mão de constituir-se enquanto sociedade civil. Delegamos, de forma tão absoluta, o poder às mãos da representação política formal, que, nem mesmo a realidade devastadora de meio milhão de mortos é capaz de mover algum impulso de lucidez.

Essa é a implicação de uma sociedade eficientemente domada pela instância da iniciativa privada da vida social (p.ext. mediação capitalista), enquanto todas as esferas do mundo político são oligopólio dos grupos que hegemonizam o país, com a anuência proverbial dos indignados cativos que lhes fazem oposição formal.

O Brasil não é território, que dirá nação. Por isso, a solução da CPI da COVID poderá ser mais condimentada, mais exótica, meio a meio, ou mesmo, com muito recheio. Mas não irá além de acomodar o necessário, ou suficiente, para que não exista país algum em perspectiva soberana. Consequentemente, será uma pizza tão difícil de deglutir que nos devolverá, prontamente, ao estado de inapetência cívica. Essa, a que fomos acondicionados mais ou menos, desde 1889, quando alguém inventou uma república dos marotos para reinar sobre uma multidão de desavisados abestalhados.


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