Latuff |
Uma emissora que se acha essencial ao país, que faz duvidosa
caridade com chapéu alheio e que sonegou mais de dois bilhões de
reais da segurança, das escolas e hospitais públicos, mostrou um
vídeo com dois criminosos investidos como policiais confessando
terem aplicado a pena de morte sumária de dois adolescentes.
As autoridades competentes já adotaram medidas contra os dois
policiais. Mas, só contra os dois?
Os números da sonegação da emissora variam, mas podemos pegar o
maior, pois é esse tipo de coisa é que faz seus profissionais
crescerem na “impresa”. Se é bom para eles, pode ser bom contra
eles, também. Na dúvida, podemos, como eles, reivindicar nossa
liberdade de expressão.
Parte da população se sente abençoada quando salafrários divulgam
informações privilegiadas sobre questões que possuem trâmite
sigiloso no Estado. Pelo menos enquanto essa prática não é usada
contra tais salafrários.
Numa democracia menos hipócrita que a brasileira, acesso a esse tipo
de informação pode derrubar presidentes, como foi o Caso Watergate.
Mas não é um processo simples.
No Brasil, esses vazamentos, tem sido cada vez mais correntes. A
mídia se apropria de informações às quais, os próprios acusados
nem sequer tiveram acesso, mas que, uma vez divulgadas, terão que
ser respondidas, existam ou não provas, a veiculação da à
informação conotação de verdade.
Ao contrário de um processo judicial em que se pode ouvir o
contraditório e fazer um juízo adequado, temos uma carnificina
moral e irrestrita. Se os bandidos de colarinho branco ficam impunes,
os corruptos que compram informações privilegiadas, apenas para
vender suas ideias como se fosse jornalismo, não apenas estão
impunes, mas são engrenagem vital desse ciclo de impunidades. Essa
celeuma tem ocorrido em clima de “delação premiada”.
Gente que se considera brasileira vibra quando as denúncias ocorrem.
Se esquecem que, por analogia, os consumidores desses vazamentos
poderiam ser considerados receptadores do produto de um crime, isso
apenas na remota possibilidade de se tratar adequadamente a
criminalidade no país. O crime é nossa velha a conhecida: a
corrupção. Pois como é possível ter acesso sistemático a
qualquer produto privilegiado originário do Estado?
O mais provável é que alguém esteja sendo beneficiado para
divulgar essas informações às quais o público, e às vezes, nem
mesmo as próprias autoridades, conseguiriam ter acesso, conforme
deveria ocorrer numa democracia saudável. A exemplo da mídia que
primeiro acusa, depois apura, se é que o faz, estamos autorizados
também a afirmar categoricamente que a alegada emissora pratica
corrupção para ter acesso às imagens, que, uma vem utilizadas em
processo disciplinar interno, estão sujeitas trâmite sigiloso. E há
quem aplauda e ache que isso se confunde com jornalismo de verdade.
Estamos de tal foram mal servidos em termos de veiculação de
informação, que nem houve um escândalo no país quando agentes
públicos divulgaram (não lembro se formalmente) que um doleiro, ou
seu advogado, além de cometerem o crime de vazar informações num
processo em segredo de justiça (isso pode dar demissão se ocorre
por dentro do serviço público), estariam falsificando as
informações que divulgavam. Ou seja, só divulgavam o que atendia a
determinada parte das investigações. Criminosos foram
deliberadamente poupados nas delações divulgadas. Falando em crime,
isso é nada menos do que a velha falsidade ideológica.
Não ocorreu a ninguém mandar-se apurar o envolvimento da mídia que
se serviu do resultado dessas falsificações. Mais cautela ainda
precisamos para não contestar a reputação ilibada do magistrado
responsável pelo caso que nada fez para apurar e coibir o vazamento
de informações. Tampouco podemos acusá-lo de favorecer ou estar
envolvido nesse conluio.
Se o fizermos e ainda anunciarmos que ele não é deus seremos
condenados a pagar multa, seremos fichados numa delegacia. Ou, muito
pior, execrados pela “opinião pública”, codinome espúrio dos
meios de comunicação de massa. Já que o “douto magistrado” é
tido com heroi da estirpe daquele ex-presidente do STF que inventou
uma peça de acusação por estar insatisfeito com o que julgou ser
incompetência do Ministério público federal. Nem sequer teremos a
sorte de sermos padrinho de um presidente do Supremo Tribunal
Federal, para que este calce suas pantufas às altas da madruga e nos
livre da prisão.
O enredo de horrores é vasto. Nem sequer podemos tentar cogitar
entender o que ocorre no tálamo do magistrado cuja esposa recebe
honorários da facção antagonista aos seletivamente delatados.
E então, os brasileiros que “morrem de amores” pelo país
comemoram indo gastar dinheiro em Miami, ficam efusivos e justificam
que os crimes menores servem a um bem maior. Perdão, somente a
ínfima parcela desses que possuem alguma capacidade cognitiva fazem
ilação a crimes menores. Os demais, são basicamente aberração
cognitiva fruto de algum capricho da natureza.
Menos dois? Caberia num ensaio a análise do discurso dos dois
policiais. Ambos demonstram estar convencidos de fazerem parte de uma
cruzada de extermínio. Serão os únicos? Passa totalmente ao largo
do discurso, seu papel e atribuições legais. Estão imbuídos de um
mandato moral muito superior às suas próprias fardas. Isso não
ocorre, nem por acidente, nem sem o patrocínio, ou imposição dos
superiores.
E se minha ignorância não me ilude, mencionaram também terem feito
de forma que a perícia teria dificuldades para elucidar o crime. Ou
seja, agentes da lei praticando conscientemente a obstrução da
justiça. Há que se perguntar se os paradoxos terminam em algum
ponto, ou se seguirão em círculos infinitos?
As imagens dos dois cabos comentando com alguma excitação o
assassinato dos adolescentes é chocante. Uma parcela da sociedade
quer que todos os “pretos, pobres e brancos pobres como pretos”
sejam exterminados sumariamente, e comemora. “É isso aí!” Por
eles, os policiais deveriam ser receber honras oficiais. Mas também
eles precisam ser mortos em serviço o mais breve possível , já que
não são exatamente branquinhos. Pobre bom é pobre morto, entoam os
mantras da prosperidade.
Voltemos à realidade: não é nada disso! Talvez a humanidade
devesse pedir credencial a essas pessoas para comprovar que pertencem
ao reino animal, do contrário seriam lançados rumo ao sol para
reciclagem.
James Clavell na introdução de Arte da Guerra, comenta que Sun Tzu
foi instado a comprovar a eficácia de seus métodos, e um mandatário
propôs que fosse aplicado nas mulheres do Palácio. Sun Tzu nomeou
duas concubinas do mandatário como generais das mulheres e deu uma
ordem, como essa não foi seguida, mandou decapitar as concubinas,
nomeando outras duas. Dessa vez todas obedeceram às ordens.
Vivemos absoluta inversão de valores. Agentes públicos e
principalmente mandatários não só deveriam dar exemplo, mas serem
os primeiros responsabilizados pelos equívocos de seus subordinados.
Principalmente em ambiente militar, a tropa tem que seguir
rigorosamente não só os comandos, como a própria linha
hierárquica.
Houve uma execução. Nem sequer havia um tiroteio, as vítimas
estavam rendidas nas mãos de agentes do Estado, que tinham por
obrigação preservar-lhes as vidas.
Nesse caso, acho que os policiais devem ser presos. Mas seus
superiores e também aqueles envolvidos na corrupção de tráfico de
influência que mencionei antes, devem pagar com penas maiores. Sorte
deles que, nem todos são como eles em defesa da pena capital. Seria
mais simples matá-los todos. Quer dizer, se vivessem na China,
teriam sérios problemas pois ali a corrupção é punida com a
morte.
A mídia cumpre dois papéis centrais na construção desse cenário.
Reiterar que os piores bandidos são os “pobres, pretos e brancos
pobres como pretos”. E clamar para que se acabe com a impunidade
contra os “pobres, pretos e brancos pobres como pretos”. Já que
as outras gangues da criminalidade incluem basicamente esses que
clamam por justiça, redução da maioridade penal e pena de morte.
Um colarinho branco punido ganha manchetes, coberturas fotográficas,
descrição de seu cardápio na prisão. Mas não existe, de fato,
impunidade no Brasil. É exata e rigorosamente o contrário. A pena
de morte é implementada à revelia da lei diuturnamente pelos
agentes públicos. Centenas, talvez milhares de pessoas estão presas
neste momento, sem julgamento que as condene, ou já tendo cumprido
suas sentenças. Mas a dor dessa gente não vende jornal. Até vende,
mas como grotesco espetáculo, como que num círculo de horrores em
que famosos anônimos, são sempre pretos e pobres, sempre párias.
Crianças são mortas como se fossem os soldados mirins do Estado
Islâmico. E não estamos nos referindo às epidemias que felizmente
estão escasseando no país. Vivemos por aqui uma chacina de guerra
civil. E as vítimas invariavelmente são “pobres, pretos e brancos
pobres como pretos”.
Um vídeo divulgado em rede nacional esconde as verdades, inclusive
que além dos assassinados e assassinos, existe um número execrável
de pessoas que vitima os mortos e seus assassinos. Esses pagam com a
vida, ou a liberdade. Os verdadeiros criminosos não apenas saem
impunes. São festejados como heróis, pessoas de bem, empresários
de visão e toda essa gente que ama o Brasil, desde que o Brasil seja
o país do “macho adulto branco e rico”.
Tão devotos da morte, deveriam recorrer a ela para entender de que
se trata, antes de prescrever à todos os demais “diferenciados”.
Longe das garras, olhos e desejos dos adoradores da morte alheia, os
brasileiros que pagam com suor, com a liberdade e a vida, para
sustentar, inclusive, as futilidades daqueles fanáticos higienistas,
talvez tivesse um pouco mais de paz, alegria e prosperidade.
Melhor não mencionar justiça. Para alguns, justiça é um capricho
restrito apenas a quem pode (já viram os honorários dos doutos
criminalistas?). Isso até que o povo comece a fazer, de fato,
justiça com as próprias mãos que não seja contra seus iguais.
Bárbaros são sempre os outros.
Em tempo: Existem ótimos policiais, torço pra que sejam maioria.
Infelizmente o que fazem os maus é gritante e encobre o esforço dos
demais.
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Xi, francisquinho, deitaram a língua na jabuticaba!