O mundo ia acabando, mas aí o Luis Fernando Verissimo deixou
o hospital e, redenção, tudo saiu dos eixos de novo. Estou convicto de que ele
sofreu um atentado de alguma liga em defesa da idiotice do mundo. O mundo não
suportaria mais uma ausência contra as recalcitrantes platitudes do cotidiano.
Já não teve graça nenhuma o Millôr. Chico Anísio, então, nada
a ver. Nem sequer deixou o Pantaleão pra constatar o trote. A questão é que
esse mundo não sobrevive muito tempo sem pessoas que nos apontem o que não faz
sentido. Pois o que faz sentido hoje em dia desafia qualquer postulado
científico, cármico ou milenar. OK, futebol não faz o menor sentido, mas pelo menos
milhões de pessoas compactuam com essa alucinação coletiva. Simão Bacamarte já
os redimiu a todos.
Diferente, por exemplo, da honestidade. Muito pouca gente,
quase ninguém, ninguém mesmo, acredita em honestidade. A palavra até que é
cultuada e tempos atrás era item de currículo para postular algum cargo eletivo.
Juro, era mesmo!
Não estou chamando de desonesto quem supôs, pela primeira
vez, que uma profecia maia vislumbrava o fim do mundo. Mas quase todos os que o
sucederam veiculando a informação padeciam de obliteração da honestidade. Isso grassa
mundo adentro.
Imagine, por exemplo: a maioria achou um barato as
“liquidações de fim de mundo”. A receita foi a mesma daquela tal de
“sexta-feira negra” (todas as aspas possíveis!): aumenta-se o preço em 80% na
véspera, então aplica-se um desconto de, digamos, 50%. Todos saem felizes, até
a próxima oportunidade. Principalmente quem ludibriou os trou..., digo, quem
saciou a libido consumista.
Confesso que sou excêntrico demais. Quando a paciência me
permitiu notar alguma liquidação de fim do mundo procurei atentamente por algo
que pudesse servir à ocasião. Além de excêntrico, limitado, evidentemente.
Esforçando-me para “entrar no espírito”, só descartei a priori, providencialmente, uma orgia
com anões besuntados. E, apesar de alguns itens tentadores, ainda assim não me animava
diante da incerteza do que de fato revestia o evento. Uma lanterna com dínamo,
achei por R$ 23,00. Vai que o fim do mundo será escuro, a gente se garante.
Infelizmente comprei as minhas por R$ 10,00 tempos atrás (os apagões valem como
exercício de simulação do apocalipse?). Inconsolável, quase odiei o camelô que
me fez perder, agora, essa oportunidade. Pra nossa sorte não me lembrei do
fulano.
Pensei seriamente numa bicicleta. Bem que poderia vencer
distâncias maiores. Ocorreu-me, então, o que se dizia tempos atrás: “o próximo
fim do mundo (decididamente somos escolados no assunto) seria em fogo”. Notei
que lanterna e bicicleta seriam de uma inutilidade desconcertante.
Tolices minhas, sei bem. Até que me dei conta da
oportunidade perdida, diante do fiasco do apocalipse. Suponha que alguém tenha
anunciado iates em liquidação de fim do mundo, desses como o Octopus do Paul
Allen, com direito a tripulação e tudo. Eu deveria ter comprado. Claro que não
dou um só nó de marinheiro, mas certamente algum dos mais de 50 tripulantes
daria conta dessas tarefas.
No dia seguinte bastaria voltar ao vendedor e reclamar que, como
parte do prometido não se realizara (o fim do mundo, evidentemente!), estava
devolvendo o produto. E nem pediria indenização, solidariamente tomaria os
custos do uso como suficientes para quitar o desassossego de ter que tolerar o
mundo por um pouco mais de tempo. Restaria, é claro, alguma mágoa, e eu
prometeria jamais voltar a consumir aquele produto naquele vendedor -
afinal, fora ludibriado.
Ainda assim há espaço para alguma simpatia pelo fim do
mundo. Ele é realizado dia a dia por quase todos nós, só que não chega nunca ao
ápice, e essa sim é nossa maior maldição (ou não, diria ilustre baiano).
Felizmente, gente como Luis Fernando Verissimo está aí pra
dizer o que não faz sentido:
“a sociedade ficou incapaz...
... De tudo.”
Até de fazer um fim do mundo que funcione.
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Xi, francisquinho, deitaram a língua na jabuticaba!