sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Black Blocs fora da ordem


“É melhor ser violento, se houver violência em nossos corações, do que colocar o manto da não-violência para cobrir a impotência. Violência é sempre preferível à impotência. Há esperança para um homem violento em tornar-se não-violento. Mas não esperança para o impotente.”
Atribuída a Mahatma Gandhi





Um tanto afastado das trincheiras, por razões alheias à minha vontade, decidi romper um jejum de análises pra mexer num vespeiro que vai me indispor com alguns dos meus companheiros a respeito dos Black Blocs (doravante BB).
Não se trata de fazer apologia, aliás, nem mesmo é um tema que me interesse a ponto de buscar aprofundar a discussão. Tenho como parâmetro minha própria experiência de militância em contato com práticas anarquistas.
Talvez devesse começar esse comentário corroborando que, nesses tempos de pré-história humana, a violência ainda é a parteira da história. Mas temo que isso iria suscitar um interminável debate hermenêutico sobre o sentido dado por Marx. Apresento, portanto, meus próprios argumentos a respeito.

Causa ou consequência?
Antes de entrar propriamente no tema, creio serem necessárias duas preliminares.
Uma situação de violência unilateral despropositada, nunca vai perdurar, sem reação, em ambiente social. O grau de tolerância em agrupamentos humanos não é uniforme. O uso sistemático e geralmente indiscriminado por parte de aparelhos repressores sempre será ambiente propício a retaliação. Como se diz, paciência nem sempre é virtude, muito menos eterna (e “paz sem voz é medo”).
Por mais que nossas convicções queiram crer no contrário, para toda ação haverá uma reação oposta e em igual intensidade. O ambiente social não está imune à terceira lei de Newton. A diferença está no ponto em que a ação encontra sua oposição.
A segunda preliminar deriva exatamente do conformismo com que alguns setores tratam o fenômeno da violência oficial. A ideia de movimento social “ordeiro e pacífico” é um mito ideológico criado pelos vencedores. A história do Brasil está coalhada de rebeliões e os momentos de alteração institucional ocorreram em meio a golpes em que o uso da força foi alavanca de transformação, ainda quando não tenha produzido vítimas notáveis, nem resultados imediatos.
Episódios como Palmares e Canudos não foram situações excepcionais. Algumas dezenas de revoltas quase nunca pacíficas lastrearam quase todas as mundanças importantes na história do país e mesmo as derrotadas em seus propósitos geraram repercussões. Considerando as promessas de democratização e as fábulas a respeito de uma democracia existente no país, mas que alcança, quando muito, apenas uma fração dele, temos um ambiente propício para fomentar reações que não se sujeitem ao ordenamento vigente.
Parte da sociedade é de uma geração que assistiu a derrota da luta armada e as trevas democráticas em que o país adentrou. Mas um olhar atento sobre a história, demonstra também que a reação à ameaça comunista era apenas parte da motivação da intervenção militar patrocinada por organismos internacionais.
Existe uma geração que não conviveu com essa experiência e não olha pela mesma perspectiva a paulatina degradação do ambiente democrático. A rigor os fenômenos “diretas”, “constintuinte” e “impeachment” foram elementos historicamente fugazes (há até um incerto ex-cara pintada que hoje, já grisalho, vai se parecendo demais com o collorismo político que supostamente repudiou).
Felizmente alguns desses insurgentes atentam para as causas efetivas e materiais. A ameaça das corporações econômicas, bem como da religião do mercado sobre a vida e até mesmo o bom senso nas relações sociais. Que as revoltas se misturem às causas envolvendo o Estado, não é mais do que a correta identificação de que o estado é apenas o administrador das crises do capital.
Some-se a isso um aspecto que coincidentemente está relacionado à atuação justamente de alguns dos segmentos de esquerda que repudiam as intervenções em bens corporativos. As causas dos movimentos por dentro da ordem cada vez mais perdem terreno diante de avanços cada vez mais avassaladores dos interesses do capital. Recentemente o planeta jogou fora, dezenas de trilhões em recursos que, se aplicados nas causas efetivamente públicas, teriam solapado de forma bastante razoável questões como a fome, a miséria, doenças e exclusões.
Não é preciso grande exercício analítico para deduzir que em algum ponto da periferia da sociedade, ou mesmo de seu centro, surgiriam repúdios mais veementes e que não se pautam pelas mesmas razões “civilizadas” da barbárie em curso.
A síntese é que barbárie por barbárie e diante da ausência de resistência efetiva, alguns se cansam de ter paciência. Contraditoriamente parcela significativa da esquerda parece se distanciar, cada vez mais, da “desobediência civil” às causas do capital.
A partir dessa perspectiva, eu prefiro não lançar pedras, mas se o fizer, prefiro seguir mirando os reais adversários. Não vejo ganho algum à causa progressista em abrir polêmica pública com os Black Bloc quando eles são, no máximo, reação ao status quo. Nada de novo há no rugir das tempestades. Nossos inimigos ainda são os mesmos.
O que me parece extravagante é que, diante de um agrupamento que se propõe a agir fora da ordem, alguns (ou vários) exijam deles, justamente que atuem por dentro dela. Ou seja que deixem de ser o que são.
Que coisa estranha!


Ressalva subjetiva
Antes mesmo de pensar se apoio ou não, preciso saber se, realmente, entendo. E não entendo algo se quero que ele seja o que não é. O nome disso é intolerância. Então, vamos condenar a intolerância (supostamente), nos somando às suas fileiras?
Como não pretendo ser porta-voz de nada, já antecipo que, desde sempre, considero incômodo o uso das máscaras. Elas, de fato, são um flanco que dificultam, por exemplo, a identificação dos infiltrados da polícia. Mas meu questionamento para por aí.
Não considero o anonimato o melhor caminho na luta política, mas daí a condenar de forma definitiva o uso de máscaras é uma atitude que me agrada muito menos. Palestinos os usam, bem como zapatistas, esses os que me ocorrem de pronto. Nesse sentido, preciso convir que entre questionar o uso e condenar o movimento, prefiro dizer que me incomoda, mas o pressuposto elementar no contexto da democracia é admitir que o outro tem o direito de atuar conforme suas convicções. Posso deixar de ser democrático com os BB porque considero que eles também o são?
E afinal, qual é o pressuposto necessário para que alguém queira cobrir o rosto?
Novamente recorro à conjuntura imediata. A reação que convencionou-se reconhecer por Anonymous utiliza as máscaras que estiliza (e eterniza) a imagem de Guy Fawkes para dispersar a atenção a esse ou aquele indivíduo. Curiosamente um período histórico que enaltece fetiches condena um movimento justamente por recorrer a um deles.


Black Blocs Sociedade Anônima
Seguindo adiante, a caracterização dos BB parece-me a primeira questão sobre a qual é preciso fazer considerações. Assim como o Anonymous, quem é que pode, de fato, dizer que os centraliza? Estamos diante de uma prática, não de um destacamento. Ainda que alguns se disponham a “colocar ordem no movimento”, a não centralidade é marca definidora. Será que nos institucionalizamos a ponto de renegar manifestações que não orbitem nossas convicções e ritos? Triste isso, está aí o germe do autoritarismo. A negação do outro em suas formas, condições e expressões.
A mim incomoda que “embarquem” nas “nossas manifestações”. Claro, mas daí a sugerir que, por exemplo, são o pretexto necessário à violência da polícia é de uma perversidade palpável. Desde quando a polícia precisa de pretexto pra descer a porrada? A PM está tão fora de controle que agora até ataca motoristas de ônibus em pleno exercício, largando passageiros no coletivo e obstruindo de forma absurdamente irresponsável o trânsito.
Pretos e pobres sabem muito bem que não precisam nem respirar pra levar bordoada da polícia. A primeira linguagem da polícia é a agressão. O idioma é de uso quase acessório. Se assim não fosse, nem existiria essa barbaridade chamada tropas de choque.
Acho que algum dia acreditei nessa tese de que nossa desordem era a responsável pelo recrudescimento da ação policial. Mas tenho ainda na memória as cenas de um longínquo 2000, em que durante o governo Covas, a polícia era lançada truculentamente contra os mesmos professores que hoje ainda seguem sua jornada por mais dignidade e respeito. Naquela oportunidade, talvez a primeira do pós-ditadura civil-militar a transformar a avenida Paulista numa praça de guerra, não foram os manifestantes, mas a bestialidade policial, ainda que sob a gestão de um devoto da democracia. Note-se que praticamente todos os atuais black blocs basicamente recém deixavam as fraudas.
A única finalidade da existência da tropa de choque é descer a porrada, seja nos bonzinhos, nos mauzinhos, nos tolos, nos bem intencionados, nos covardes e até mesmo em quem não tem nada a ver com isso. Vez ou outra chacinam presos.
O que me espanta atroz e profundamente é que pessoas esclarecidas acreditem e discorram sobre uma relação causal entre a as “depredações” e a violência policial. Até os irmãos Grimm são bem menos fantasiosos  que isso.
E o que me tranquiliza é que se o povo, de fato, se organizasse, não haveria choque ou exército capaz de detê-lo. Acho que excesso de ingenuidade é imprevidência. As pessoas estão assistindo o “movimento ordeiro” perder terreno ao longo da história recente.
Bem entendido, desde o marco histórico da constituinte (mitigado à época, lembram-se?) vimos sendo permanentemente acuados. Muito poucos resistiram aos avanços do neoliberalismo. e ao retrocesso democrático. Estamos aí, de volta aos sintomas da ditadura gorilesca (desculpem-me os símios) com bate-paus sedentos por hematomas.
Considerando que a coisa mais formidável que os governantes oferecem à plebe é o assistencialismo indutor do consumismo, por que negar a alguns o direito à impaciência? Só porque discordam do alcance estratégico da nossa mitologia política e paciência cívica?


A sagrada mercantilização do uso dos aparelhos repressores
Uma das bases dos estados autoritários (desses todos que existem no mundo, inclusive o Brasil) é deterem monopólio do uso da força. Ação coercitiva. Eu acreditei nesse postulado teórico por muito tempo, até que soube, tempos atrás, que os gastos com segurança privada no país superaram o orçamento das forças armadas e o contingente é maior do que o conjunto das forças policiais estatais.
As milícias legalizadas, são, há muito, a maior fração do aparato de “segurança” no país. Os jagunços dos latifundiários são os sucessores do esquadrão da morte plutocrático.
Parece-me certo que a escalada da violência não é a melhor via para a confirmação dos nossos direitos. mas o que não que me parece nem mesmo lógico é supor que as vítimas dos jagunços não têm direito a responder fogo contra fogo. Para mim a questão é tática, não de estratégia. às vezes o empenho de argumentação de alguns companheiros me faz supor que acreditam que quem leva porrada não tem direito a se defender.
Todos nós assistimos bestializados a profissionalização dos antigos jagunços e capitães do mato. Não houve maior repúdio à instalação progressiva e paulatina dos aparatos privados de segurança. Mas somos capazes ser laudatórios quando insurgentes se movem no mesmo sentido, na direção oposta. Porque será que uma manifestação insurgente tão comum no passado torna-se inaceitável para alguns, quando a violência dos opressores adquire requintes de crueldade que cada vez a aproxima mais da recém superada ditadura civil-militar?
Prefiro nem entrar aqui nas minhas considerações a respeito da ditadura constitucional instalada atualmente no país. Acho que as afirmações de que vivemos, de fato, numa democracia são exageradamente otimistas.
Concordaria com o monopólio estatal da violência 1) se o Estado efetivamente garantisse a segurança de forma isonômica; 2) que ele não terceirizasse, ou concedesse essa prerrogativa ao mercado.
Não vou condenar os BB, pois em nosso país, nada é mais violento que as próprias ações do Estado. Alguns acusariam minha heresia, mas a vocação para a tortura e crueldade praticamente faz parte de sua natureza, no entanto, a obrigação formal, ou retórica do Estado é proteger e dar segurança.
Há gente paciente demais relevando o fato de que alguém rendido, sob a custódia do Estado é sua responsabilidade. E isso vale, inclusive para as situações na principal exceção de violência que são as guerras, como não valeria para um contexto de cidadania.
Posso até insistir e reiterar que responder a isso com violência é equivocado. Mas como parcela da própria cidadania, que condições tenho eu de negar às demais vítimas o direito de resposta conforme for seu entendimento. Violência não é uma situação de grande relatividade. Alguém moralmente atacado pode agredir fisicamente quem o ataca. Outro, em defesa própria pode exagerar na resposta e tirar a vida do agressor.
Condenar a barbárie pelos seus sintomas é prestar um desserviço à causa democrática. Não me parece legítimo querer subordinar todos a terem a mesma paciência que nós.
A novidade é supor que determinada violência, porque premeditada, deve responder a um conjunto de categorias racionais. Talvez isso fizesse sentido se a violência estatal fosse pontual e exceção e não contumaz e corriqueira.


Qual a raiz da violência?
Especificamente nesse debate creio ser cabível uma exigência categórica do debate legal. Considerando o papel, prerrogativas e responsabilidades do aparato policial, de antemão, e na medida em que a truculência e a inépcia são marcas definidoras da atuação policial, não considero descabido, atribuir exclusivamente à responsabilidade da corporação policial toda a responsabilidade por qualquer dano ou violência física.
Já que a polícia não apresenta à sociedade os infiltrados sob seu comando, não há porque conceder-lhe o benefício da dúvida. Esse benefício eu reservo aos BB.
Infiltração, ou melhor, espionagem (está em voga!) oficial em torno dos grupos insurgentes é quase mais antiga do que a própria insurgência. Nos meus quase 50 anos de vida, não creio existir algum momento em que a gorilagem oficial esteve um passo atrás sequer dos movimentos sociais em termos de táticas de ação.
Nas manifestações do meio do ano, não só os policiais infiltrados inauguraram  depredações, como emboscaram militarmente os manifestantes. Não tenho absolutamente nenhuma razão para confiar que exista alguma disposição na polícia que não seja fascista. O que não farei é ditar a cada um a forma como deve manifestar seu desagrado com a truculência.
A resposta necessária é a cessação da hostilidade oficial. O respeito aos manifestante. Num plano mais amplo, é o fim da exploração, da exclusão e da intolerância. Eu posso me contentar com uma resposta retórica sobre os passos necessários à revolução, mas hierarquizar teoria e prática nesse nível beira a leviandade.
Força policial que é lançada armada contra a população e mira na cara dos manifestantes é fascista. Simples assim, e o erro de um que fosse já condenaria toda a corporação.
Não posso obrigar que todos respondam a isso fugindo da polícia. A lista de agressões não é banal ou tolerável:
A repórter Giuliana Vallone, o jornalista Fábio Braga, o repórter fotográfico André Borges,  a professora Maria Bernadete de Carvalho, todos foram atingidos no rosto. NO ROSTO! Como a PM é ruim de mira, não? Ou é boa demais? Mas não para por aí.
O fotógrafo Sérgio Silva, está cego de um olho. A gari Cleonice Vieira de Moraes, morreu sufocada pelo gás lacrimogêneo. Isso e centenas de outros casos, sem falar nos garrotes, espancamentos, humilhações e até cantadas. Quanto falta para que ocorram estupros?
E temos tempo e paciência pra fazer ressalvas aos BB? Louvo a capacidade teórica dos camaradas.
Por falar nisso, não sei de notícia de algum ferido por ação dos BB. O que tenho visto é “dano a patrimônio” Aí outro tema instigante (Esse texto foi todo gestado até o pico das manifestações dos professores do Rio em meados de outubro. Alguns fatos reiteram o que eu já disse, mas há elementos ainda mais escandalosos. Para não prejudicar essa abordagem introdutória, deixo as considerações sobre as situações posteriores para outra análise).
Não me causa absolutamente qualquer comoção a quebradeira nas instalações corporativas. Nem mesmo saques são vistos com a frequência esperada. Acho que já estaria em tempo de evoluirem também para estilingues e bolas de gude. Porque não destacamentos de infantaria e artilharia?
Podem nem mesmo ser algo consciente, ou voluntário, mas os BB são, uma resposta às décadas de baixa efetividade dos movimentos por dentro da ordem. Dito de outra forma, BB são consequência, não causa. A linguagem da violência atinge a população, muito antes de retornar ao Estado que a origina, ou à civilização que a fomenta. Talvez caiba indagar porque só agora?
Surpreende-me a facilidade com que alguns companheiros deixam de lado a genealogia da violência em manifestações. A violência incontinente tem partido do Estado, sendo que sua função precípua seria proteger pessoas, não espancá-las. Não há outro responsável pela violência e as ações que dela decorrem que o próprio Estado em todas as esferas e poderes. Vide Pinheirinho!
A disposição do Estado em ser violento é que é absolutamente inadmissível. Quem autoriza e chancela a truculência está autorizando a vítima a adotar as medidas que considera cabíveis. Mas os BB não estão marchando contra os soldados, estão atacando instalações, símbolos do patronato da opressão.
E mesmo assim, nada que tenha ocorrido por ação de qualquer civil justifica tanta violência policial. Nem mesmo molotovs, se é que algum partiu de populares. Por precaução, devo lembrar que todos são inocentes até prova em contrário. Dúvida que já não alcança a polícia pois só eles usavam balas de borracha e, novamente, numa corporação militarmente hierarquizada o erro de um condena a todos.
As pessoas relevam com muita facilidade que esse Estado produziu Carandiru, Eldorado do Carajás, e sua omissão e leniência condenaram milhares na luta contra o latifúndio, Índios, retirantes, pequenos produtores, assentados.
Às vezes parece-me que a memória da esquerda anda perigosamente curta ou seletiva em relação a um dos incidentes cruciais da nossa história, a bomba no Rio Centro. Era pra ser um pretexto para um novo recrudescimento da ditadura, posto em prática pelos setores que discordavam do “abrandamento” da truculência.
Quem está ajudando a banalizar a violência é justamente quem acha que deixar que ocorram é a resposta adequada. Às vezes somos perversos, nós mesmos admitimos as baixas como efeito colateral.
As comoções que provocam à esquerda deveriam ter ocorrido reiteradamente a cada estrangulamento, cassetada, ou gás lançado pelo aparato repressor. Mas a mensagem que passamos é: a violência policial é inadmissível, mas é um fato. Então vamos tutelar e conter a resposta violenta dos meninos que ainda não entendem como os adultos fazem política. Espero nunca envelhecer a esse ponto.
Temo pavorosamente acabar ouvindo de algum companheiro que sabotagem ocorrida nos primórdios da organização de trabalhadores é tática inadequada ou não é válida.


O hipnótico conforto da barbárie.
Para mim o uso da violência contra o aparato dos opressores e eles próprios é e sempre foi mera questão de correlação de forças.
Admito que essa opinião deva ser cada vez mais minoritária. Ocorre que algumas críticas à guisa de atacarem as táticas dos Black Blocs passam, a meu ver, perigosamente próximas de legitimar o uso da força como exclusivo à defesa da ordem.
A mim soa aterrador que a insinuação de que a luta das massas deva seguir dentro de uma margem de conforto cívico institucional em que as violências policiais sejam tidas como mera contingência à qual devemos nos submeter passivamente (bem entendido, nem mesmo Gandhi cometeu tal leviandade, mas esse é um debate tangencial).
Não ignoro o risco de uma escalada de violência que pode levar a impasses. Mas alguém acredita realmente que o lado de lá vai esperar que reunamos condições ideais para apeá-los do poder?
Há pouco tempo, o campo progressista se estatelou contra uma muralha antireformista colocada em marcha antes mesmo que a Constituição Federal fosse aprovada. Ao longo desse tempo, temos visto antigos revolucionários cedendo táticamente ao reformismo. Embora o neoliberalismo tenha sido colocado em cheque, também nossa prática o foi. Agora, de reformistas, nos apegamos desesperadamente a uma pauta conservadora (ou mesmo formalmente reacionária, vide reversão da reforma da previdência). Quem avança é o campo politicamente reacionário. E não existe no horizonte qualquer vislumbre que iremos deter seu avanço.
Por que haveriam, novas gerações, de acreditar que os que seguem à frente das lutas sociais são capazes de apontar as melhores vias e métodos?
Também nesse contexto é apropriado invocar o tema da desmilitarização da polícia. A meu ver, é ela que justifica a violência e fomenta o crime organizado. Parte do que embala a existência da polícia é a exclusão política, social e econômica e ela existe para proteger o status quo que é venal, e não as liberdades.
Lamento que companheiros se entusiasmem em ponderar sobre erro e acerto de táticas violentas CONTRA COISAS quando temos um estado assassino que mata tanto ou mais que algumas guerras civis mundo afora. Violenta é a fome, dizia um amigo, o descaso, a corrupção, as discriminações, a criminalização dos movimentos.
Não pratico e não proponho uso da força (pelo menos por ora). Mas considero um contrassenso pautarmos como preliminar que Black Blocs e congêneres (exceto os bandidos “à paisana”) não podem depredar. Quantos desses agrediram pessoas que estavam se manifestando? Não soube de um caso, sequer. Então, podem não concordar com o que defendo, ou não estarem alinhados à minha luta pontualmente, mas estão longe, mas muito longe mesmo de serem meus adversários.
Parece até que o capitalismo no país não é predatório, violento. Essa leitura rasa de que violência material é tão grave quando as humanas é de uma infelicidade dolorosa.
BB são mais plausíveis que a luta armada, pois não está em questão a tomada de poder, apenas o transtorno cívico e material. Considerando a vocação absolutamente patrimonialista do capitalismo, não estão indo na veia, mas estão apenas falando uma língua que os opressores entendem muito bem. A tomar pelo pavor da mídia, braço ideológico da elite, entendem melhor do que a movimentação ordeira e pacífica que já faz parte da paisagem que está muito pouco preocupado com as prioridades efetivas da população.
Como uma dose quase inócua do próprio veneno do opressor que não vai destruir, mas gera contratempos e inconvenientes.
Pessoalmente, acho a tática dos BB menos nocivas e mais interessantes que as conciliações de classe à qual aderiram setores dos movimentos organizados, em particular o sindical.
Reações como Black Blocs existem, inclusive, porque as soluções "pacíficas e ordeiras" têm sido incapazes de produzir (ou conquistar) democracias saudáveis, livres da tutela e truculência.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Isso era mesmo necessário?


E se o PT tivesse cumprido a vocação história de sua criação? A pergunta pode parecer singela, capciosa ou equivocada. Só que no meu caso ela apenas revisa uma análise feita no início do governo Lula. Nos idos de 2003 já com a Reforma da Previdência de FHC em curso pelas mãos de Lula (via Ricardo Berzoini), como primeira medida oficial de seu governo, perguntei porque Lula, ao invés de cruzar a esplanada com os governadores não estava cruzando com o povo?

Outro companheiro pleiteava um “choque republicano”, eu, baseado nos mesmos questionamentos, preferia um “choque de democracia”.

Os acólitos apontarão para o Chavismo. Mas como comparar as obrigações do coronel paraquedista venezuelano com a do maior ícone político da esquerda no Brasil. O populismo não era a única possibilidade para Lula, porque todos temem a democracia, mesmo os que a defendem como valor universal?

Creio que todos estamos vibrando com as manifestações que percorrem o país, mesmo considerando suas contradições. Porém, como não perguntar se era preciso chegar a isso para que as centrais sindicais “se tocassem” da necessidade de retomar uma pauta classista comum?

Estive na primeira posse de Lula, um momento histórico para a maioria de nós. Naquela oportunidade companheiros que ainda acreditavam me entregaram um belo calhamaço chamado Programa de Segurança Alimentar, era o vulgo Fome Zero, cuja frustração afastou do governo todo um “staff” comprometido não apenas com um programa assistencial, mas um modelo de organização popular que já era maior, enquanto proposta política, do que os círculos bolivarianos. E o bolsa família era apenas a cereja do bolo.

A dúvida que ainda me ocorre é, porque Lula, com a estatura que possuía (o tempo foi lhe vergando inapelavelmente) abriu mão de seu maior patrimônio? Poderia ter superado o legado Vargas, ao invés de tentar revertê-lo.

Lembro que eu já chamei Lula de estadista e fui dura e severamente advertido por um companheiro. Nunca mais cometi esse equívoco. De fato, uma das características mais emblemáticas dele e seu governo foi o anti-estatismo, elegeu como um dos principais adversários os servidores públicos federais e, lamentavelmente estava muito mais habilitado do que seu antecessor para dinamitar as conquistas desse segmento, um dos poucos no mundo que deu combate diuturno ao neoliberalismo a ter vitórias pontuais e parciais importantes.

Enfim, tenho que agregar um novo questionamento ao rol de leviandades do lulismo. Teria sido necessária uma articulação autônoma da sociedade, para que o lulo-petismo tivesse um soluço democrático?

Articulação essa, aliás, que prefere alijar não apenas a esquerda, mas toda a esfera política do país para fazer com que um governo ambicionado pelas mobilizações sociais que foram fundamentais para botar abaixo a truculência civil-militar de 1964, lembrasse que o protagonismo das ruas não é um capricho democrático, mas o indutor efetivo de mudanças?

Uns acham que éramos nós, os movimentos obrigados a forçar o governo para a esquerda. Na minha reles ignorância política, sempre achei que um governo que precisa ser convencido a ser democrático, não pode ser considerado herdeiro da nossa história.
Sei lá, Lula, eu aceito o argumento do bolsa família, mas não subverta a democracia tanto assim. Veja se o país precisava chegar a essas cenas apenas pra que alguém lembrasse o que significa democracia?



domingo, 30 de junho de 2013




Quem são os covardes?

Feliz, ou infelizmente, tenho alguns anos de trincheira em movimentos de rua. Agrego a esse vídeo impressionante algumas considerações pessoais.
A polícia possui uma área de inteligência, no caso do Brasil, é descendente direta do DOPS, DOI-CODI, aparelhos de insana repressão que tradicionalmente empregava sádicos, facínoras e sociopatas de vários quilates. Sabemos disso justamente pelos depoimentos de pessoas pertencentes a seus quadros que admitem a truculência e se recusaram a fazer parte, ou preferiam evitar as seções de sadismo.
Em várias dessas imagens vemos a polícía, perdão os bandidos, miram acima da cintura, geralmente o rosto. Se existe no poder público gente realmente preocupada com direitos humanos é preciso dar um basta e punir exemplarmente, não apenas esse banditismo fardado como seus comandantes. São inadmissíveis esses atos de covardia impune e explícita. Esses idiotas não estão numa guerra, contra pessoas armadas. Aliás, pra serem covardes assim, é de se supor que se a guerra não estivesse apenas nos delírios patológicos deles estariam simplesmente se borrando todos. São covardes mesmo!
Outro detalhe que me chama a atenção é quando a jornalista comenta que a violência começa numa linha de frente dos protestos. Alguém deveria apurar isso, pois essa não é a prática dos grupos que vão às ruas pensando em violência. Nos últimos 20 anos esse grupos sempre usaram os demais manifestantes como escudo. Cansei de ver pedras voando sobre minha cabeça, ombros e orelha, vindas de trás.
Quem, afinal se dispõe a encarar o aparelho repressor de frente e desarmado?
Simples, a própria polícia!
E o fazem com a pior das intenções. Querem mesmo insuflar violência para desmoralizar as manifestações, afugentar os manifestantes e torturar de forma sanguinolenta e bárbara qualquer um desavisado, desatento, ou simplesmente, como a repórter, pessoas que não creem estar diante de bandidos da pior espécie.
Um adendo em relação a esse vídeo específico da Folha. É significativo, inclusive porque esse veículo esteve materialmente vinculado aos assassinatos durante a ditadura. E as pessoas que aparecem dando opinião, Pondé e Dimenstain são expoentes reacionários. Ainda assim, reconhecem tanto a legitimidade (nesse detalhe, Pondé é mais cauteloso porque vende sua opinião a várias causas, ainda assim reconhece as manifestações).
Vamos nos calar diante dessas cenas de banditismo oficial?
Especialmente a respeito a polícia, deixo claro que considero necessário recuperar a dignidade do cargo, esses caras aí são escória, não políciais e seus comandantes são igualmente escória, o exemplo é uma doutrina escrita por sociopatas e que serve de regulamento da insanidade.

sábado, 29 de junho de 2013

Tremeluz de candeeiro

Si molesto com mi canto
A alguno que venga a oir
Le aseguro que es un gringo
O un dueño deste pais
Daniel Viglietti – A desalambrar

Bem diz a cautela histórica que não somos capazes de alcançar a envergadura das ações no momento em que transcorrem. Mas a quantidade de gente querendo se assenhorar dos últimos acontecimentos, de tão pródiga, nos obriga a lançar luzes sobre sombras para buscar, pelo menos, decifrar o que é real e o que segue sendo fantasmagórico no atual quadro.

É a política, idiota!

Sempre subestimei a iniciativa que contesta o tema passagens de ônibus. É evidentemente, um tema periférico. Custa a crer que o tema efetivamente empolgue estudantes. Mas eis que essa garotada do Movimento Passe Livre conseguiu fazer o que sindicalistas e militantes profissionais não conseguiram. Projetar a indignação de uma causa menor para os temas reais e candentes da sociedade.
De fato, transporte pago é uma ofensa ao direito de ir e vir. É, inclusive parte do custo do produto “mão de obra”. No entanto não existe real solidariedade da sociedade em relação a essa questão. Mas eis que um intervenção tão pretensiosa quanto todas as outras e não mais que isso, em dado momento, ganha corpo transcendente.
A mídia quer esquecer completamente o debate, mas parte daquelas pessoas que olharam com esperança as manifestações já tem como certo que o questionamento aos custos do transporte público é tarefa elementar da cidadania. Os que possuem condições não padecem dessa limitação de locomoção. Mas o trabalhador sem dinheiro estará obrigado a pedir emprestado até mesmo par achegar ao trabalho e continuar a receber seu salário mês a mês.
A locomoção na cidade não pode ficar refém daqueles que a operam com finalidade de lucro.
Em tempo, não me escapou um singelo cartaz afixado fugidiamente na avenida paulista com os dizeres “volta CMTC1”.

It's the Everything, Stupid!

Não tardou nada até que o levante contagiasse parcela expressiva da população, especialmente estudantes e a eles se unissem inúmeros descontentes, a exemplo dos Indignados espanhóis (se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir), ou dos Piqueteiros argentinos (“que se vão todos”)
A primeira perplexidade social surge exatamente em relação ao mote das manifestações. Concretamente o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus da cidade de São Paulo, surgiu como catalisador. Mas somaram-se aos manifestantes de primeira hora um conjunto de manifestantes para quem os R$ 0,20 era o menor dos problemas, se é que eram problema.
Mas se o processo epidêmico é bem-vindo nas causas políticas, não havia porque nos surpreendermos com a incorporação das transversalidades todas. Um movimento horizontal, plural e descentralizado não tardou 48 horas pra atrair descontentes de todos os matizes.
Inclusive os descontentes com os descontentes.
Eis a mais flagrante fragilidade de uma insurgência com essas características. Evidentemente não ficariam de fora os reacionários que ao longo de anos tentaram lotar as ruas, nunca indo muito além de uma centena.
Movimentos “pela paz” ou “anticorrupção” são expressivamente conservadores os primeiros porque ignoram o clamor dos excluídos para quem, “paz sem voz é medo”, os segundos porque só enquadram a corrupção passiva, quando não são acalentados justamente pelos corruptores para eximirem-se de suspeitas.
A esses todos, assim como aos confusos que apenas se contentavam em assistir de camarote, logo ocorreu a polêmica. “Tudo isso por apenas R$0,20?”. “Não é apenas por R$0,20, estúpido”. “R$0,20 é apenas o começo!”. “R$0,20 é o fim do mundo!” “R$0,20, ora os R$0,20!” “Nada é tão tudo quanto R$0,20”.
Não tardou, é claro para que surgissem bandeiras socialmente mais criativas: “Crack por R$0,20 o papelote”. “Saldão: Ocupai as lojas que cobram mais do que R$0,20!”

¡Que se vayan todos!”

Partidos e vanguardas de esquerda por vezes se consideram com mandato divino para a indignação. Sobretudo aqueles que atiram em todas as direções, em algum momento haverão de ter incluído as passagens de ônibus urbano entre suas bandeiras históricas.
Afirma a filosofia futebolística que “quem não faz, leva”. Fato é que essas vanguardas nos esquecemos de notar que quanto mais tempo deixamos de viabilizar a ruptura da ordem, mas nos aproximamos, aos olhos dos cada vez mais excluídos, ou incluídos na pauperização da inclusão, entre os defensores do status quo. Com efeito, se tardamos demais com a revolução, a rebelião social, quando ocorre, é também contra nós.
O anonimato é mais nocivo às causas populares do que a auto-proclamação. Mas o azar é dos que deixaram de perceber que o modelo de partidarismo vigente é o burguês conservador. Por mais que sejamos controversos em relação a ele, nos subordinamos aos seus ditames. A banalização da política, mais que isso, sua “fulanização” é promissora aos oportunistas. Quando nos negamos a denunciar o formalismo instrumental da política, a detenção de poder nas mãos de poucos, enfim, as proclamações de elites detentoras de verdades, estamos, nesse quesito específico, nos alinhando ao status quo.
Não por acaso, Lutero realiza uma importante reforma no mundo cristão ocidental, quando anuncia a destituição de prerrogativas especiais na guarda do conhecimento e acesso à divindade por parte da escolástica, dos iluminados, ou dos delegados institucionais.
A fé, bem como a democracia, a riqueza que a humanidade produz, o espaço urbano etc pertencem a todos. Os que secundarizam essa simples constatação encontram-se alinhados, à vista dos não alinhados, como partes ou fragmentos de um todo unitário.

As faces do terror, ou a sua sombra?

É assustador. O crepitar das chamas no contexto social sempre parece agredir nossa benevolência com o ordenamento autoritário. Mas o fogo é rebelde por excelência. Existe enquanto não consome tudo o que lhe permite a sobrevida. Não é seletivo, cordato, ou submisso.
O que escapa à visão dos escandalizados é que fogo contra fogo apenas aprofunda o incêndio.
O fogo da rebeldia sempre será sagrado quando confrontado com o fogo premeditado da ordem. Tudo o que foi destruído em todas as manifestações por parte dos rebelados não se equipara a um único hematoma provindo da arma de um torturador do Estado. Não vale, aliás, uma só lágrima produzida por efeito do gás lacrimogênio.
Mas os hipócritas são muitos, inclusive os que sorriram e jactaram-se diante da emboscada urdida pelo aparato repressor paulista.
Vou lançar aqui a minha gotinha de denúncia do descalabro. Quem circulou pelas imediações da Av. Paulista no dia 12/06 pode conferir a TOCAIA DA TROPA DE CHOQUE preparando o bote aos manifestantes. Os estúpidos leem as mentiras de jornal e nem sequer raciocínio. Naquele dia, por exemplo, não haveria que se falar em transtorno ao trânsito na Paulista. Simplesmente porque POLÍCIA E CET ELIMINARAM TODO O TRÂNSITO. Ninguém conseguia acesso, no máximo cruzar a avenida.
Essa apenas a mais prosaica das mentiras.
OS MANIFESTANTES FORAM, SIM, EMBOSCADOS NA CONSOLAÇÃO. Imagino os idiotas de farda tendo orgasmos ao dizer coisas como “vamos da um pito nos meninos”. Um comentarista que até respeito postou no facebook que os manifestantes DEVEM ajudar na identificação dos vândalos e baderneiros. ALTO LÁ! NÃO DEVEM NADA!!!!!! É o estado que deve a nós todos.
Não sei desde quando a PM filma manifestações. Acho que desde sempre. Razão pela qual é um acinte ouvir que nós, o povo, é que devemos tomar precauções. ATÉ PODEMOS, mas o que eu duvido mesmo é que a polícia não tenha condições de identificar. Não há mesmo é interesse. E por que será?
Há uma resposta singela no vídeo abaixo:


Deu pra entender? Deu pra entender, ou é preciso desenhar?
Não há palavras para mencionar o cinismo das explicações oficiais. Não vou repetir, mas cada sílaba publicada em favor da razão coercitiva da política é tão criminosa quanto as ações da mesma. Alguns amigos e amigas confiam na neutralidade cívica da polícia. Fiquem à vontade, mas me incluam absolutamente fora dessa.
Aliás, antes que me esqueça, já que a mídia toda esqueceu. DIRETA OU INDIRETAMENTE AS RESPONSABILIDADES NOS CASOS EM SÃO PAULO SÃO DO GOVERNADOR GERALDO ALCKMIN. Seja pelo mando, seja pela negligência, ele é a autoridade coatora responsável por cada projétil de borracha, cada lágrima causada pelo gás pimenta.
A coisa do vinagre, então, é um momento das ficções de realismo fantástico que são despejadas na realidade. Pessoas presas por portarem vinagre.
As pessoas “da paz” podem dizer o que quiserem. Tanto quanto, na dúvida pró-réu, na dúvida, A CULPA É DO ESTADO. A culpa é da PM.
Divulguei ainda a pouco um depoimento que traz o seguinte: "Aproximou-se de mim um sujeito com o rosto tampado por uma camiseta. Ele descobriu parcialmente a face e me disse no ouvido que era policial e que pediria que não atirassem para que pudéssemos evacuar a vítima (penso ter visto esse autodeclarado policial perto de mim, quando eu tentava falar com um oficial, e depois correndo ao meu lado. Se for a mesma pessoa, ele era um dos exaltados que instavam à violência)." Isso ocorreu em Belo Horizonte.
Se os governantes fossem minimamente decentes entregariam seus cargos. Como não são, ao menos por competência deveria destituir todas as autoridades militares de seus postos e renovar a totalidade dos comandos. Mas certo mesmo seria acabar com essa gang de criminosos oficiais desmilitarizando a polícia.
Bem, eu iria seguir com os comentários, mas reviver algumas manifestações oficiais não me permitiriam mais que dizer impropérios. Vou poupar os bytes e a paciência geral.
 Se os humores me permitirem avanço na narrativa.


1 Antiga Companhia Municipal de Transportes Coletivos, criada em 1946 e extinta em 1995.

sábado, 19 de janeiro de 2013

A dezessete minutos do fim do mundo

O mundo ia acabando, mas aí o Luis Fernando Verissimo deixou o hospital e, redenção, tudo saiu dos eixos de novo. Estou convicto de que ele sofreu um atentado de alguma liga em defesa da idiotice do mundo. O mundo não suportaria mais uma ausência contra as recalcitrantes platitudes do cotidiano.
Já não teve graça nenhuma o Millôr. Chico Anísio, então, nada a ver. Nem sequer deixou o Pantaleão pra constatar o trote. A questão é que esse mundo não sobrevive muito tempo sem pessoas que nos apontem o que não faz sentido. Pois o que faz sentido hoje em dia desafia qualquer postulado científico, cármico ou milenar. OK, futebol não faz o menor sentido, mas pelo menos milhões de pessoas compactuam com essa alucinação coletiva. Simão Bacamarte já os redimiu a todos.
Diferente, por exemplo, da honestidade. Muito pouca gente, quase ninguém, ninguém mesmo, acredita em honestidade. A palavra até que é cultuada e tempos atrás era item de currículo para postular algum cargo eletivo. Juro, era mesmo!
Não estou chamando de desonesto quem supôs, pela primeira vez, que uma profecia maia vislumbrava o fim do mundo. Mas quase todos os que o sucederam veiculando a informação padeciam de obliteração da honestidade. Isso grassa mundo adentro.
Imagine, por exemplo: a maioria achou um barato as “liquidações de fim de mundo”. A receita foi a mesma daquela tal de “sexta-feira negra” (todas as aspas possíveis!): aumenta-se o preço em 80% na véspera, então aplica-se um desconto de, digamos, 50%. Todos saem felizes, até a próxima oportunidade. Principalmente quem ludibriou os trou..., digo, quem saciou a libido consumista.
Confesso que sou excêntrico demais. Quando a paciência me permitiu notar alguma liquidação de fim do mundo procurei atentamente por algo que pudesse servir à ocasião. Além de excêntrico, limitado, evidentemente.
Esforçando-me para “entrar no espírito”, só descartei a priori, providencialmente, uma orgia com anões besuntados. E, apesar de alguns itens tentadores, ainda assim não me animava diante da incerteza do que de fato revestia o evento. Uma lanterna com dínamo, achei por R$ 23,00. Vai que o fim do mundo será escuro, a gente se garante. Infelizmente comprei as minhas por R$ 10,00 tempos atrás (os apagões valem como exercício de simulação do apocalipse?). Inconsolável, quase odiei o camelô que me fez perder, agora, essa oportunidade. Pra nossa sorte não me lembrei do fulano.
Pensei seriamente numa bicicleta. Bem que poderia vencer distâncias maiores. Ocorreu-me, então, o que se dizia tempos atrás: “o próximo fim do mundo (decididamente somos escolados no assunto) seria em fogo”. Notei que lanterna e bicicleta seriam de uma inutilidade desconcertante.
Tolices minhas, sei bem. Até que me dei conta da oportunidade perdida, diante do fiasco do apocalipse. Suponha que alguém tenha anunciado iates em liquidação de fim do mundo, desses como o Octopus do Paul Allen, com direito a tripulação e tudo. Eu deveria ter comprado. Claro que não dou um só nó de marinheiro, mas certamente algum dos mais de 50 tripulantes daria conta dessas tarefas.
No dia seguinte bastaria voltar ao vendedor e reclamar que, como parte do prometido não se realizara (o fim do mundo, evidentemente!), estava devolvendo o produto. E nem pediria indenização, solidariamente tomaria os custos do uso como suficientes para quitar o desassossego de ter que tolerar o mundo por um pouco mais de tempo. Restaria, é claro, alguma mágoa, e eu prometeria jamais voltar a consumir aquele produto naquele vendedor - afinal, fora ludibriado.
Ainda assim há espaço para alguma simpatia pelo fim do mundo. Ele é realizado dia a dia por quase todos nós, só que não chega nunca ao ápice, e essa sim é nossa maior maldição (ou não, diria ilustre baiano).
Felizmente, gente como Luis Fernando Verissimo está aí pra dizer o que não faz sentido:
“a sociedade ficou incapaz...

... De tudo.”
Até de fazer um fim do mundo que funcione.