Dentro de mim mora um
bicho estranho,
Iracundo e meigo.
Não se deve culpá-lo.
A meiguice é para ocupar o tédio.
A fúria é um modo de saber-se vivo
quando há tantas tolices a nossa volta.
Dentro de mim mora um perdulário.
Entrega a coisas disformes parte
vital de suas riquezas, apenas porque o trabalho escravo e vão é o melhor
disfarce para um ocioso contumaz e convicto.
Quando faz frio, pensa em tolices.
Calor de mais, há muito o que não
fazer.
Nas horas vagas, se ocupa das coisas
mais importantes.
Há mais coisas importantes no mundo
que horas vagas na cabeça das pessoas desimportantes.
Dentro de mim mora uma criança.
Ela sonha.
Não há desafio que não supere,
porque são pretextos pra buscar alegria.
Se o desafio é enfadonho, deixa-o de
lado.
Não há alma grande o suficiente para
saciar e preencher a criança.
Dentro de mim mora um tolo.
Não se deixa cooptar pelas grandes
honrarias dos ignorantes.
O que lhe lacera a alma são as
perfídias sutis e fecundas,
Dessas que constituem o tecido mais
íntimo de nossa humanice.
A lágrima dos santos não exime as
mazelas de nossa mediocridade.
Por isso o tolo vai mudar o mundo
E morrer tentando é apenas incitação
para que os demais façam melhor.
Dentro de mim mora uma flor.
Ela não quer ser nada
E não precisa.
É apenas o desaguadouro das dores,
belezas e incertezas do mundo.