Estávamos ali, todes, com nossos enganos e requintes. Somos xique-xiques!
Pessoas comuns, com vidas comuns, mas todas tocadas por alegrias incomuns. Em verdade alegrias extraordinárias e pessoas radiantes!
Esse encontro entre integrantes do Crisol ocorrido em 22/11/25 trouxe algumas notas distintas dos anteriores.
Voltando para casa, ainda encantado, uma ponta de curiosidade me sacudiu. Este não foi nem o primeiro encontro, nem o que contou com mais pessoas, ainda assim, algo nesses dez ou vinte e poucos mudou. Tenho meus palpites, mas vou priorizar aqui as constatações que me pareceram imanentes ao grupo.
Somos uma família moldada pelos incidentes do caminho. Enquanto a vida se instala previamente, nossa família foi sendo composta aos poucos e, surpreendentemente, foi se consolidando e nos conformando a cada novo capítulo. E como ocorre com a vida, que se instala sem anunciação, somos Crisol, sem saber, pela vida toda. Sem noção precisa disso, ora mais desatentos, ora mais lúcidos.
Em qualquer dos casos, nossas vidas tem valido demais pela jornada, Que, constatamos, aquela fração vida converteu o caminho todo.
Havia muito que eu não ria tanto e por tanto tempo como se afrontando o presente, o tempo afetivo se dobrasse para trás revelando adultos com crianças ainda vívidas dentro de si.
Desta vez, mais do que as anteriores, foi inescapável notar que mesmo não nos vendo há tempos, o tempo do afeto seguia prenhe de vínculos renovados, quiça (quizás, quizás), rejuvenescidos. Algo passou com o tempo, mas o que há em nós permanece intacto desde antes e não envelheceu.
Não eram apenas as lembranças – tive a certeza que todos nos disporíamos a reviver tudo, caso igual possibilidade se apresentasse. Talvez com erros novos, quem desperdiçaria a chance de tantas vivências encantadoras, transcendentais, irrevogáveis.
Percebemos que, independente da qualidade das agruras, sonhos e conquistas, há um liame sólido, quase tangível. Um passado que nunca nos deixou – que nunca renunciamos, nem se consumiu no desatino voraz das horas.
O Crisol foi o cadinho que consolidou, sonhos, esperanças, convertendo a realidade em promessas que trazemos conosco pela vida toda. Tantas reminiscências e me brotam da memória afetiva algumas canções especialmente empolgantes dentre nossas várias fases: Brilham palmeiras à luz do Luar1 enquanto el crisol de la palma2 se menea como el água en la batea3.
Como esse é um depoimento personalíssimo julgo pertinente compartilhar reflexões que me ocorreram e consolidaram esse encontro como uma espécie de consagração da vida e dos afetos.
Em meus estudos de religião comparada — herança viva do que aprendi com Crisol, Pedro e Eulália —, encontrei culturas que entendem o surgimento do mundo não como ato de um criador distante, mas como uma manifestação única, conjunta e interdependente.
Para além dos teísmos e deísmos, essa concepção floresceu em regiões como a América pré-colombiana, Ásia. Assim como ecoa em África também em filosofias como o Ubuntu, do tronco linguístico banto (evocado por figuras como Desmond Tutu e Nelson Mandela), que proclama: 'Eu sou porque nós somos'.
É esse arcabouço que me ajuda a nomear uma certa “Força estranha”. Uma centelha que se instala e espalha em todos nós e que nos trouxe até aqui. Algo que, em seus aspectos mais fundamentais, nos torna partes de um mesmo todo. E é essa parte, ainda que atravessada por percalços, distanciamentos e contradições dialéticas, que paradoxalmente nos protegeu e nos conformou numa base de sustentação distinta de nosso entorno.
Crisol foi um eixo em nossas vidas que transcorreu como tesselas de cristal, “dá volta ao mundo e torna a se engolfar na estranha ordem geométrica de tudo”4, cada qual com cores e formas próprias.
Ainda que cada caminho particular percorresse sua própria sina, dores, alegrias, realizações, uma parte sólida, íntegra nos habita, e convida nossas convicções “a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas”5.
Em meio a tudo que fomos, somos e seremos, semelhanças, diferenças, honras, erros, dignidades, desterros, grandezas, desvios; para além disso tudo, também somos parte umas dos outros, uns das outras, unos de todes.
Nos uniu esse tempo todo algo, como um mosaico da vida, dos quais Eulália e Pedro foram os principais artífices e operadores. Assim como nós, com o passar do tempo, também criamos um legado equivalente à nossa volta.
Nesse encontro entendi o que os vitrais queriam nos dizer.


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