Démerson Dias
Latuff - 2022 para o Brasil247 |
Sempre será pertinente afirmar, reafirmar e proclamar, que a democracia e sobretudo o processo eleitoral é matéria intrínseca à sociedade civil. Não existe hipótese racionalmente válida em que as forças armadas, enquanto tais, sejam interlocutoras válidas nesse debate.
Nem mesmo constituem poder de estado. Só existem três poderes. As forças armadas são subordinadas a um deles, inclusive nos dias das eleições por dever de ofício, podem estar subordinadas à Justiça Eleitoral. A tutela militar sobre a democracia brasileira não possui respaldo constitucional. Algum dia será necessário depurar o artigo 142 da Constituição Federal de 1988, para evitar lapsos e arroubos. A tutela da ordem no país é civil, quando foi militar, patrocinou torturas e mortes.
Desde que o bolsonarismo desatou a falar bobagens a respeito do sistema eleitoral, assumi a defesa intransigente do sistema, bem como um silêncio em relação às críticas.
Com o surgimento das urnas eletrônicas instalou-se um debate saudável e democrático que visa aperfeiçoar o sistema.
A justiça eleitoral e o processo eleitoral conduzido a partir do poder judiciário é uma solução bastante adequada num contexto republicano. As forças armadas participam desse processo desde seu início.
Bolsonaro já defendia torturadores e atacava as instituições muito antes de ser eleito presidente. E também nunca contestou o resultado de sua própria eleição para esse e para os outros cargos a que foi eleito.
Existem imbecilidades doentias e outras apenas oportunistas, geralmente oriundas da falta de caráter. Criticar o sistema eleitoral eletrônico para defender o obscurantismo, atacar as instituições democráticas e tumultuar o processo eleitoral, após ter sido eleito nesse mesmo sistema é uma atitude que embora não exclua causa clínica, constitui, fundamentalmente, desvio de caráter.
E as forças armadas, vergonhosamente, estão servindo de instrumento iníquo dessas imbecilidades. No entanto, ainda mais grave é reivindicarem qualquer tipo de protagonismo no processo que só existe porque a quartelada de 1964 foi historicamente derrotada.
As forças armadas não possuem status institucional suficiente para contestar a justiça eleitoral em qualquer de suas instâncias. Além do auxílio que prestam para segurança do sistema, seu apoio no processo eleitoral em termos de logística e segurança é, sem dúvida, muito bem-vindo. Aliás, a maioria absoluta dos militares que participam dessa empreitada nos dias das eleições são merecedores de elogios.
O mesmo não ocorre com o cidadão que veste farda para tentar usurpar um poder que não possui. Sem a farda, qualquer questionamento é válido e até mesmo bem-vindo.
Mas no momento em que o cidadão está fardado ele é um funcionário da sociedade, como eu e os magistrados. No entanto, ainda que tenha no presidente da república seu comandante máximo, em termos republicanos, e fora de contextos de guerra, deve obediência inclusive a juízes de primeira instância, que dirá aos ministros das cortes superiores em especial aqueles oriundos do Supremo Tribunal Federal.
Reconheço a paciência e complacência dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral em dialogarem com os inoportunos comentários militares. Entendo que responder a qualquer questionamento atende principalmente a vocação pública civil da justiça eleitoral.
Como ocupo cargo ininterruptamente na justiça eleitoral há mais tempo do que qualquer dos ministros, considero justo e importante, me somar ao diálogo em torno do sistema eleitoral, sobretudo quando se trata de responder a figuras que já demonstraram não possuírem qualquer compromisso ou vocação com a democracia brasileira. Especialmente por vocalizarem interesses de quem defende a tortura, o regime criminoso instalado a partir de 1964 e a absoluta e comprovada inépcia institucional para exercício de tarefas civis.
É fato que apenas a cortesia que costuma ser regra na ritualística judicante evitou que qualquer dos ministros tenha ordenado que os militares recolham-se aos quartéis e às suas obrigações institucionais.
Qualquer um desses militares precisa, antes de mais nada, bater continência, e pedir licença antes de dirigir qualquer palavra a um membro do poder judiciário brasileiro. Em sede de matéria eleitoral, militares devem pedir vênia e só usar a palavra quando autorizados. Eles estão solenemente proibidos, enquanto militares a manifestar qualquer tipo de contestação dirigida à justiça eleitoral, seja acerca de matéria eleitoral, seja ao sistema de voto, fora do escopo em que estão incumbidos de colaborar.
O direito a livre expressão em relação a voto e democracia eles só possuem se, antes, tirarem a farda.
Por descuido inclusive de governo civis, as forças armadas acreditam que possuem qualquer prerrogativa em relação ao mundo civil ou às práticas democráticas. Para isso ser verdade eles precisam se despir da farda. Fardados, fora das condições e circunstâncias prescritas na constituição, devem obedecer ao ordenamento civil, inclusive do Poder Judiciário brasileiro e da cidadania.
Deu para entender, ou a gente precisa desenhar?
Démerson Dias, servidor público na justiça eleitoral de São Paulo há mais de 30 anos, ex- dirigente sindical.
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