domingo, 26 de junho de 2022

O Brasil não precisa destruir a Amazônia

Démerson Dias


Angeli impagável - fonte:internet
Quero dizer que o Brasil não precisa mesmo, destruir a Amazônia para seguir sendo o que é. Ao contrário. Poderá ser melhor se perceber a injunção histórica em que estamos nesse exato momento da vida da nossa espécie.


Às vezes temos ideias que não acreditamos como alcançamos. Anos atrás eu imaginei que se estivesse ao meu alcance criaria uma embaixada no brasil para ser o território livre no mundo para toda a informação e conhecimento. Um lugar com prerrogativa diplomática para uma espécie de “hackers sem fronteiras”. 

Assange e Snowden seriam os primeiros hóspedes com prerrogativas consulares e protegidos pela constituição brasileira. Não essa aí que sofre homicídio premeditado, progressivo e terminal, evidente.

Teríamos uma revista revista multidisciplinar e uma biblioteca. Poderíamos dar o nome de Elbakyan, para a revista e de Aaron Schwartz à biblioteca. Não sou radicalmente contrário ao lucro com o conhecimento, mas acho pra lá de extravagante acreditarmos que “pessoas jurídicas” efetivamente podem ter propriedade “intelectual” sobre o que quer que seja. E mais grave ainda é que alguém considere que privatizar o conhecimento que é herança evolutiva da espécie é algo decente. Afinal, quem “ensinou o alfabeto ao professor”?

Achei pertinente comentar isso para que ninguém se surpreenda demais com o que virá a seguir. Eu não imponho comedimento aos meus delírios.

O Brasil deveria definir uma área próxima da extensão que a Amazônia brasileira tinha intocada até meados de 2016 quando a esculhambação criminal institucional foi consagrada como usurpadora do país (tomou o poder, bem entendido). 

Melhor ainda, até antes da aprovação da revisão venal do código florestal.

Quer dizer, se dependesse efetivamente apenas da minha vontade e para não parecer muito pedante e pretensioso, eu proporia revisar tudo o que ocorreu tendo como ponto de partida crítico o artigo “A revisão do Código Florestal e o desenvolvimento do país” de Ima Célia Guimarães Vieira e Bertha Koiffmann Becker de 2010. Não se preocupem, não irei reivindicar que um marco temporal sobre o assunto tivesse Niède Guidon como árbitra sobre a ancestralidade territorial. Gostaria de fazê-lo, mas ela já lutou e contribuiu mais do que o país da atualidade merece.

Se houvesse honestidade, caráter e vocação pública por parte dos agentes políticos que exercem poder no país (em toda a república, união, estados e municípios), a Amazônia Brasileira já teria atendido mandato elementar dos povos originários em relação à preservação daquele território. E não me refiro apenas ao interesse mais ordinário que é a preservação dos rios voadores, que garantem que o Brasil seja o que é, inclusive em termos de produção agrícola.

Refiro-me à Amazônia Brasileira, mas poderíamos lançar um “consórcio” sulamericano e adequar algumas necessidades nos países vizinhos e as nossas mesmas, para suprir eventuais necessidades. Ninguém seria idiota de sugerir que todos morrêssemos de fome, ou à míngua para preservar florestas e biomas. Só as pessoas com absoluta indigência intelectual e má fé são capazes de contrapor preservação e desenvolvimento às portas do século 21.

Evidente que não proporia algo como a bestial negociata em torno de emissão de carbono. Se conseguíssemos esse feito no continente americano, assumiriamos também, junto com eventuais parceiros, o protagonismo sobre o debate "ambiental" no planeta.

Tenho ressalvas com as acepções que damos ao ambientalismo. Já aprendemos o suficiente com nossos povos originários. Não somos distintos da natureza, mas um subproduto dela. É claro que, se tivesse um discurso à disposição, o planeta já estaria amargamente arrependido por não ter abortado um subtipo específico de mutação genética que deu azo à humanidade. Ao menos essa seria a minha percepção a respeito, mas é evidente que o planeta é melhor do que a mais pretensiosa das espécies que nele habita.

A questão central é que nosso passado já nos condena o suficiente e nunca será cedo demais para criarmos vergonha na cara e provarmos que somos, de fato, uma espécie inteligente.

A Agricultura, a pecuária e o garimpo que são ricos e “pops”, estão destruindo não apenas o território, mas o futuro do país. Esse argumento só não é mais grave do que a denúncia das chacinas intermináveis, porque assassinato é instituto respaldado pela desonestidade judicial do país.

A rigor, não considero que essa região deveria ser absolutamente intocada. O que sugiro concretamente é uma moratória de cinquenta anos na destruição para que tentemos terminar de inventar a brasilidade (tudo bem, concedo que esse quesito pode exigir cem anos) e repensar o modelo de desenvolvimento e preservação da humanidade. Desenvolvimento E PRESERVAÇÃO.

A Europa, o hipotético centro orbital da civilização ocidental já balizou um marco importante ao exigir que não existam mais carros movidos por combustíveis fósseis em 2035 (ou algo assim). Não existe mais dúvida plausível quanto à escassez de petróleo e água.

Se você ler ou ouvir algo diferente disso, note bem porque estão lhe tratando como otário. O aquecimento artificial do planeta, idem.

Mas se temos noção razoável sobre os limites da nossa imbecilidade predatória, o que nos impede de sermos animais racionais? Se alguém sugeriu que tem gente demais pensando com o bolso, está correto.

E não, bolso não é órgão do corpo humano, é algo situado entre as pulsões e os fetiches.

Um esboço para esse projeto compreenderia uma revisão histórica sobre a nossa humanidade. A começar por reivindicarmos que o ocidente não é, nem nunca foi, referência universal no planeta. E nem é o caso de condenar a tibieza moral e presunção civilizatória dos expansionistas. Se a humanidade evoluiu, é aconselhável que aceite as constatações que nossas descobertas nos trouxeram. O planeta é finito e se existe um mandato planetário para a humanidade é que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” como preconizou corretamente o Tio Ben, ou a ele foi atribuída a frase por Stan Lee, não importa, deveria ser uma verdade.

Se somos bons a ponto de nos considerarmos a espécie mais evoluída do planeta, deveríamos concluir que temos responsabilidade ímpar sobre ele em relação a todas as espécies, ou mesmo forças cósmicas, já que consideramos também que dominamos ciclos “poderosos” como o atômico.

O que é surpreendente é que toda essa supremacia pretensiosa deságua em atroz imbecilidade quando tratamos de exterminarmos uns aos outros e destruir inapelavelmente qualquer chance de durarmos mais do que cem anos enquanto espécie. Aliás, somos a única espécie com programas de extermínio premeditado e premeditadamente encoberto. Contra nós e quase tudo o que conhecemos, ou que a nossa vista alcança. Ainda bem que não alcançamos o centro da galáxia.

Em campanhas eleitorais, os que se apresentam como democráticos (grosso modo, demo = povo + cratos = poder) nunca revelam o que sabem sobre os infindáveis esquemas de corrupção da realidade política e econômica do mundo. E nós todos sustentamos modelos civilizatórios hipócritas, e há gente demais muito à vontade com isso.

No Brasil, ocorre um dos piores arremedos dessa situação, todos defendem a educação, menos o salário e a dignidade dos professores e demais profissionais da educação, uma política educacional crítica e libertadora e a escola como espaço de conhecimento e acolhimento. Defendem a saúde, menos, novamente o salário e a dignidade dos profissinais da saúde, um sistema universal e solidário e a promoção da saúde ao invés de programas de adoecimento compulsivo e enriquecimento das indústrias da morte. Fico só nesses dois porque resumem o destino de todo o resto.

Inclusive do nosso, por enquanto e ainda, maior patrimônio físico e geográfico.

Mas registro que também é peculiar da espécie humana ter sido capaz de criar profissões em que o mais importante não sejam os profissionais. Por isso, talvez, banqueiros sejam burgueses, proprietários, especuladores, ou filanhtropos, não profissionais de finanças. Ou ladrões, no popular.

Tentando contribuir com o fim do nosso cretinismo, é preciso declarar que seguimos destruindo o manancial amazônico, para além da proverbial imbecilidade, porque somos civilizatoriamente doentes. 

Nós não, o mundo todo, em especial o velho mundo que levou muito tempo para concluir que dilapidou suas riquezas naturais. E essa compreensão só surgiu quando percebeu que outros países “recém descobertos”, se não fossem impedidos de desenvolver soberania em seus próprios marcos civilizatórios, constituíam real ameaça à vocação parasitária do “progresso civilizado”.

A questão é que constatar é insuficiente.

Os idiotas estão nos vencendo com as políticas de apocalipse manifesto. E seguimos todos entoando loas a hecatombes, holocaustos e distopias. Como se ainda acreditássemos em sombras de deuses onipotentes.

Não precisamos ser como o passarinho heroico que faz sua parte levando água no bico para combater o incêndio na floresta. Pra ficar apenas numa das nossas principais jactâncias, se produzimos nos últimos cinquenta anos mais informação e conhecimento do que fomos capazes em todos os milênios anteriores, não era pra já estarmos nos ocupando de não cometer mais, tantos e mesmos, erros milenares?

Vida Longa e Própera. Se possível.



quarta-feira, 15 de junho de 2022

Algumas verdades sobre a urna verde e amarela

Démerson Dias


Latuff - 2022 para o Brasil247
Sou funcionário da justiça eleitoral desde 1987. Tenho críticas ao sistema eletrônico. Mas reivindico a "maquininha" como uma das inovações mais bem-sucedidas do país. Os funcionários da justiça eleitoral têm orgulho da urna eletrônica e dos avanços incontestáveis que o sistema possui desde a superação do sistema manual de voto e apuração. Novos ajustes sempre serão feitos com o tempo, porque a democracia é uma construção permanente.

Sempre será pertinente afirmar, reafirmar e proclamar, que a democracia e sobretudo o processo eleitoral é matéria intrínseca à sociedade civil. Não existe hipótese racionalmente válida em que as forças armadas, enquanto tais, sejam interlocutoras válidas nesse debate.

Nem mesmo constituem poder de estado. Só existem três poderes. As forças armadas são subordinadas a um deles, inclusive nos dias das eleições por dever de ofício, podem estar subordinadas à Justiça Eleitoral. A tutela militar sobre a democracia brasileira não possui respaldo constitucional. Algum dia será necessário depurar o artigo 142 da Constituição Federal de 1988, para evitar lapsos e arroubos. A tutela da ordem no país é civil, quando foi militar, patrocinou torturas e mortes.

Desde que o bolsonarismo desatou a falar bobagens a respeito do sistema eleitoral, assumi a defesa intransigente do sistema, bem como um silêncio em relação às críticas.

Com o surgimento das urnas eletrônicas instalou-se um debate saudável e democrático que visa aperfeiçoar o sistema.

A justiça eleitoral e o processo eleitoral conduzido a partir do poder judiciário é uma solução bastante adequada num contexto republicano. As forças armadas participam desse processo desde seu início. 

Bolsonaro já defendia torturadores e atacava as instituições muito antes de ser eleito presidente. E também nunca contestou o resultado de sua própria eleição para esse e para os outros cargos a que foi eleito.

Existem imbecilidades doentias e outras apenas oportunistas, geralmente oriundas da falta de caráter. Criticar o sistema eleitoral eletrônico para defender o obscurantismo, atacar as instituições democráticas e tumultuar o processo eleitoral, após ter sido eleito nesse mesmo sistema é uma atitude que embora não exclua causa clínica, constitui, fundamentalmente, desvio de caráter.

E as forças armadas, vergonhosamente, estão servindo de instrumento iníquo dessas imbecilidades. No entanto, ainda mais grave é reivindicarem qualquer tipo de protagonismo no processo que só existe porque a quartelada de 1964 foi historicamente derrotada.

As forças armadas não possuem status institucional suficiente para contestar a justiça eleitoral em qualquer de suas instâncias. Além do auxílio que prestam para segurança do sistema, seu apoio no processo eleitoral em termos de logística e segurança é, sem dúvida, muito bem-vindo. Aliás, a maioria absoluta dos militares que participam dessa empreitada nos dias das eleições são merecedores de elogios.

O mesmo não ocorre com o cidadão que veste farda para tentar usurpar um poder que não possui. Sem a farda, qualquer questionamento é válido e até mesmo bem-vindo.

Mas no momento em que o cidadão está fardado ele é um funcionário da sociedade, como eu e os magistrados. No entanto, ainda que tenha no presidente da república seu comandante máximo, em termos republicanos, e fora de contextos de guerra, deve obediência inclusive a juízes de primeira instância, que dirá aos ministros das cortes superiores em especial aqueles oriundos do Supremo Tribunal Federal.

Reconheço a paciência e complacência dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral em dialogarem com os inoportunos comentários militares. Entendo que responder a qualquer questionamento atende principalmente a vocação pública civil da justiça eleitoral.

Como ocupo cargo ininterruptamente na justiça eleitoral há mais tempo do que qualquer dos ministros, considero justo e importante, me somar ao diálogo em torno do sistema eleitoral, sobretudo quando se trata de responder a figuras que já demonstraram não possuírem qualquer compromisso ou vocação com a democracia brasileira. Especialmente por vocalizarem interesses de quem defende a tortura, o regime criminoso instalado a partir de 1964 e a absoluta e comprovada inépcia institucional para exercício de tarefas civis.

É fato que apenas a cortesia que costuma ser regra na ritualística judicante evitou que qualquer dos ministros tenha ordenado que os militares recolham-se aos quartéis e às suas obrigações institucionais.

Qualquer um desses militares precisa, antes de mais nada, bater continência, e pedir licença antes de dirigir qualquer palavra a um membro do poder judiciário brasileiro. Em sede de matéria eleitoral, militares devem pedir vênia e só usar a palavra quando autorizados. Eles estão solenemente proibidos, enquanto militares a manifestar qualquer tipo de contestação dirigida à justiça eleitoral, seja acerca de matéria eleitoral, seja ao sistema de voto, fora do escopo em que estão incumbidos de colaborar. 

O direito a livre expressão em relação a voto e democracia eles só possuem se, antes, tirarem a farda.

Por descuido inclusive de governo civis, as forças armadas acreditam que possuem qualquer prerrogativa em relação ao mundo civil ou às práticas democráticas. Para isso ser verdade eles precisam se despir da farda. Fardados, fora das condições e circunstâncias prescritas na constituição, devem obedecer ao ordenamento civil, inclusive do Poder Judiciário brasileiro e da cidadania.

Deu para entender, ou a gente precisa desenhar?


Démerson Dias, servidor público na justiça eleitoral de São Paulo há mais de 30 anos, ex- dirigente sindical.