Imagem de Rio 2096: Uma História de Amor e Fúria. Animação de Luiz Bolognesi. |
Démerson Dias
Em meio aos acontecimentos nos últimos meses, é possível notar um enfraquecimento pontual na base do bolsonarismo. As tendências protofascistas vão perdendo espaço, a derrota de Trump e o vergonhoso, mas necessário recuo nas relações com a China, a infinidade de tropeços e desencontros no discurso obscurantista e a perda, por incompetência, de qualquer protagonismo em relação a condução das políticas contra pandemia, minaram a "estratégia" do núcleo bolsonarista.
Com as divisões internas provocadas nas fileiras da gangue, setores da direita, e também do campo evangélico sem relações estreitas com o crime organizado, foram tomando distância do bolsonarismo, que padece de uma virulenta, mas previsível incapacidade de administrar relações para além do próprio umbigo.
E o umbigo do bolsonarismo são as milícias. Esse segmento se fortaleceu, mesmo adotando um discurso sub-reptício, é provável que esteja buscando, de forma consistente, uma articulação entre facções de diversas regiões no país, que chega a 2021 com agrupamentos consolidados em cerca de 15 Estados do país (Milícias e Poder, Parte 2: Alves e Soares Refletem Sobre as Múltiplas Faces e Fases das Milícias no Rio - RioOnWatch).
Esse movimento sustenta, também, o compromisso com setores neopentecostais, que permanecem fiéis, e/ou mancomunados, com as milícias.
Esse bloco, por si só, tende a alcançar projeção e expressão política, ainda inusitada na história do país. E também será a principal herança e espaço de intervenção do bolsonarismo, que pode até sair da alçada de controle da família bolsonaro, diante de sua peculiar incompetência para construir qualquer coisa consistente. Mas seus agregados crescem à sombra. Encobertos, principalmente, pela incontinência verbal e intelectual do núcleo bolsonarista.
Um segmento não deve ser subestimado. Está presente nas estruturas de estado, dos três poderes, além dos setores policiais, e dispõem de recursos financeiros, o quê, cedo ou tarde, os levará aos espaços decisórios centrais da burguesia brasileira. Se é que não estou defasado.
Se, de um lado, os empreendimentos governamentais do bolsonarismo se enfraquecem, como por exemplo a ampliação da tutela do centrão, seu poder nessas áreas "subterrâneas" se aprofunda. Esse fenômeno pode inaugurar uma nova fase do patrimonialismo brasileiro.
O sentido de urgência em relação a esse cenário parece escapar quase que completamente aos setores de resistência social, e aos agentes políticos principais da esquerda. Desde seu primeiro dia de governo, o bolsonarismo tem sido muito eficaz, como projeto de demolição de direitos e garantias sociais estruturantes. Cada pequeno passo dado nessa direção desconstrói décadas de ação política e de conquistas sociais.
Se a constituição brasileira de 1988 já havia se tornado um arremedo fantasmagórico, estamos numa fase em que decisivamente o caráter formal de estado social e estado democrático, vão deixando de constituir a matriz política do país.
Os exemplos mais flagrantes e visíveis envolvem as nações indígenas e questões ambientais. Em certa medida o bolsonarismo representa, praticamente, uma nova (e final) onda de genocídio da população indígena. Seja pelo descaso em relação à pandemia, seja pela negligência em relação a ocupação dos territórios, e ainda dando condições para consolidação de um projeto extermínio cultural.
Por essa perspectiva, os ensaios que se propõem a transformar a batalha contra a reeleição do bolsonarismo em 2022, no centro de uma estratégia de resistência no país, basicamente, estarão contribuindo para encobrir a guerra ideológica de amplo espectro, que está em curso no país, de forma explícita, desde 2013.
Os lutadores urbanos e classes remediadas não possuem real alternativa de sobrevivência se não articularem uma composição estrita de forças com todos os setores marginalizados pelo "status quo". Uma unidade que inclua cidade e campo, povos originarios, ambientalistas progressistas, assentamentos e quilombolas, organizações suburbanas e favelas.
Pelas características dos adversários eu não descartaria, nem mesmo, segmentos paramilitares antagônicos às forças da ordem. O Brasil está em guerra, e essa guerra está na iminência de subir de patamar. Os que são vítimas apenas por efeito colateral não tem direito de fechar os olhos para as chacinas, fuzilamentos, emboscadas que estão vitimando lutadores sociais, transeuntes, e a população pobre, em especial a negra.
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Xi, francisquinho, deitaram a língua na jabuticaba!