sábado, 21 de janeiro de 2023

Brasil, terra em guerra

Démerson Dias


Se um crime foi planejado, ordenado, compreendido e implementado, seus comandantes devem ser executados. Sumariamente. Considerei inverter um sentido mencionado numa das introduções da obra de Sun Wu (Sun Tzu), “A arte da guerra” para não deixar dúvida sobre o tipo de atitude que julgo cabível diante das reiteradas e ostensivas provas de desobediência à disciplina militar praticada pelos bandidos sucessores da ditadura de 1964. A bandalheira cívico militar e seus “cabeças” A essa altura, mais de 20 dias após a posse do novo governo e mais de dez após o mais surpreendente ataque a instituições republicanas, toda a cúpula atual das forças armadas deveria estar presa, bem como os da reserva que serviram ao atentado civilizatório que alguns ainda reconhecem como governo Bolsonaro. Não vivemos quatro anos de um governo. Tratou-se de um acinte civilizatório que negou toda a construção razoável que a humanidade vem tentando construir há séculos. Ainda que com percalços. AS recentes fotos de Yanomamis explicitam a degradação que menciono. Três nomes, em minha opinião, deveriam encabeçar a lista de punições, em particular por serem os mais indecentemente conhecidos: Sérgio Etchegoyen que recentemente, afronta publicamente o comandante em chefe das forças armadas. Assume abertamente o papel de porta voz da insubordinação. Eduardo Villas Bôas que, convenhamos, já está sobrando faz tempo, como um dos avatares desse golpismo e explicitamente apresentado como um dos mentores do movimento. E já o era desde a época da molecagem de Sergio Moro et caterva. E Augusto Heleno, último chefe do GSI que avalizou e viabilizou a destruição de patrimônio público na sede máxima da república. Como folclore podemos anuir que parece disposto a provar que múmias amaldiçoadas podem efetivamente caminhar à luz do dia. Destaco particularmente os criminosos usurpadores militares. Os civis ainda dependem de apuração, já os militares estão aberta, explícita e ostensivamente em insubordinação ao comandante e à constituição. São os mais conhecidos comandantes dos traidores. Dispensa desonrosa é o mínimo cabível para crime de sedição. No entanto, apenas após cumpridas as penas de detenção. Ok, são vetustos e velhacos, apliquem-se os dispositivos pertinentes. Seria irônico ressuscitar a Lei de Segurança Nacional, vomitada pelos depravados de 1964. Pela lei que a substituiu, todos estão enquadrados crimes contra o Estado Democrático de Direito, contra a soberania e contra as instituições, pelo menos. Observo que mesmo o Superior Tribunal Militar, como justiças entre pares, não é confiável a essa altura. É corresponsável por “isso tudo que está aí”, quando isentou o meliante terrorista Jair Bolsonaro em 1988 (por 9 a 4, diga-se). Pessoalmente tenho algumas boas referências sobre as autoridades do STM, inclusive as de patentes. Em todas as oportunidades que tive de interlocução com aquela corte, os diálogos sempre foram de alto nível e grau de respeito. Por vezes até mais francos do que com alguns membros da magistratura civil. Dura lex sed lex Mas vivemos tempos de excepcionalidades. E tudo o que se relaciona à vida militar está conspurcado pelos vândalos que dilapidaram qualquer resquício de civilidade nos últimos quatro anos. Como não houve coragem de insubordinação contra o vandalismo disciplinar, todos são coniventes. Ou seja, não existe militar no Brasil que não tenha parcela de responsabilidade, ainda que por omissão, com a bandalheira. Essa é uma convicção minha, política e civil, óbvio. O vandalismo institucional, em hipótese alguma é abonado pelo Código Penal Militar que rege a conduta do segmento. Um título inteiro desta lei trata dos crimes contra autoridade e disciplina. Trata do aspecto militar. Nem todos vão entender que militar, rigorosamente, não existe como expressão civil. Porque a disciplina é que os define. E a autoridade máxima é o presidente. Isso é o que reza a Constituição em vigor. Outros poderes, instâncias e disposições são cabíveis. Mas o chefe máximo e, praticamente, incontestável das forças armadas hoje é Luis Inácio Lula da Silva. Deixa eu repetir por que me dá prazer e quero provocar a bilis dos degenerados. Militar que não obedece Lula já é imediatamente, criminoso. Mais do que qualquer civil que o faça. Precisa desenhar? Militar que ousar dirigir a palavra a Lula sem que tenha permissão, tem que ir pra cadeia. Militar não tem voz. Bate continência e diz “sim senhor!” e só fala quando explicitamente lhe é dada a palavra. Pra constar ainda hoje tentamos discutir a extensão dos direitos humanos em sede militar. Não é um debate simples, nem fácil. Na justiça militar, funcionários civis ainda se debatem para ter seu status civil plenamente reconhecido, perante os rigores da disciplina militar. Estou assumindo que é um desafio para a sociedade encarar.

Em se tratando de militares, no entanto, o fato é que eles têm a letra de uma a lei muito rigorosa explicitando as exceções de direitos, em relação ao mundo civil. A saber: Militar não pode se reunir, agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la; recusar obediência a superior, assentir em recusa conjunta de obediência. Pena: “reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças”. Art 149. Insubordinação e incitação é crime punível com prisão. De insubordinação a motim, existe prescrição para uma quantidade grande de transgressões. como recusar obedecer a ordem do superior, regulamento ou instrução: Pena - um a dois anos, de detenção. Art. 163

Promover ou participar para discutir (contestar) ato de superior, de seis meses a um ano de detenção a quem promove e dois a seis meses apenas por ter participado da conspiração. Art. 165. Criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo: detenção, de dois meses a um ano. Art. 166. Oi, Etchegoyen! Você não sabe ler, ou a demência está batendo? Existem dois códigos penais em vigor para a disciplina militar. Não os cotejei, são assemelhados. Como não é minha praia, não sei porque ambos os códigos de 44 e de 69 seguem em vigência. Os termos mencionados são da lei de 1969. Tutela militar, ou soberania das leis? Alguém tem dúvida que esses militares desconhecem que estão em afronta explícita ao código penal militar? Alguém tem dúvida de que estão expressamente afrontando a lei e a autoridade presidencial? Porque a lei não está sendo cumprida e eles presos? Não acompanho a mídia burguesa, mas não vi uma citação sequer desses dispositivos penais. Já se disse que imprensa burguesa é, sobretudo, o que ela omite. São OBRIGAÇÕES. Se tem uma coisa inerente aos militares é o cumprimento da disciplina. Sem isso, ou afrontando isso, são, basicamente, criminosos armados, perigosos e predispostos a matar. Se uma pessoa com um guarda chuva pode ser assassinada, imagine pessoas armadas e treinadas, que tipo de reação deveria receber do poder constituído? E se isso não ocorre e porque nesse país a lei só vale para punir pretos pobres e brancos pobres como pretos. E esses militares são todos branquelóides. E seus mandantes, idem. Detalhe, como a disciplina é rigorosa, a aplicação das penas é basicamente imediata, tão logo constatada a transgressão. Demorô, como se diz. Uma exceção civil se faz necessária, trata-se da pessoa em função civil hoje da mais alta responsabilidade, depois dos bolsonaros: José Múcio tem acobertado absolutamente tudo. É mais um conspirador. Cadeia pra ele também. E há um detalhe que não sei como é recepcionado na Constituição de 1988. O código militar prevê pena de morte. A farsa da anistia em causa própria Gritos como Anistia nunca mais, sem Anistia, ou Anistia é o caralho ecoam por todos os cantos do país. O ultimo não me incomoda, mas nunca consigo decifrar o grau de machismo encerrado na expressão. Um debate ficou insepulto, mesmo com diversas iniciativas de comissões de memória e restauração quanto aos crimes da ditadura. Não existe hipótese de comparação a qualquer dos crimes cometidos pelos insurgentes aos crimes cometidos pelo Estado, ou a seu serviço. Isso é elementar no debate de direitos humanos. Quando inventaram a Lei da Anistia, o que prevalecia era o cinismo. Que anistia alcançou os mortos, assassinados e suicidados? E foram milhares. A ideia da anistia é procedimento de recuo tático, quando se sabe que a maré vai mudar e se pretende promover impunidade. Alguns setores da esquerda reivindicam como conquista. Não deixa de ser, mas enquanto resposta dos militares, a intenção era proteger os seus. Não houve nem sombra de intenção democrática na anistia pautada pelos militares. Foi um movimento tático que atestava o enfraquecimento do regime. Podemos ler como avanço nosso, mas foi um recuo deles. Militarmente há diferença entre esses dois movimentos. O que me leva a pensar o papel do atual governo. Farda, camisetas ou paletó? Lula é experimentado. Talvez não exista no Brasil político mais experimentado com ele. Ainda assim, não é infalível. E ele mesmo menciona a necessidade de ser cobrado. Vamos às cobranças, então! Registro dois possíveis erros na condução do governo em torno dessa questão. O primeiro e mais grave, pela minha perspectiva é tratar política como um jogo palaciano. Democracia sem povo é regime estéril, ou ditadura burguesa. O segundo é sua resistência em agir como comandante em chefe das forças armadas. Há circunstância em que isso pode configurar crime de omissão. Como já demonstrei, em termos republicanos militar não é poder e em termos militares insubordinação dá cadeia. Não cumpriu ordem, cadeia. Desobedeceu a autoridade, cadeia. Deixou de cumprir suas obrigações, cadeia. Falou quando não devia, cadeia. Lula está tratando militares como se tivessem direitos civis. Em relação ao comandante em chefe, militar só abre a boca quando autorizado. Fora disso a única coisa que pode dizer é sim senhor. No contexto de dimensão pública, militar é o polichinelo da democracia, defende com a própria vida quando o país é atacado e morre se necessário. Será que é preciso desenhar? Paira ao largo da questão que deixar os ataques dos militares à Lula e à presidência sem resposta afeta a própria instituição do cargo, as instituições propriamente ditas, bem como a própria constituição. Lula não pode tratar a questão apenas como uma indisposição contra a sua liderança. No contexto do ataque à democracia, o país todo é alvejado. O povo, a história. A mentalidade que acha razoável ofender a autoridade presidencial é a mesma que considera a vida dano colateral. Falta ao governo alcançar a dimensão pública desses ataques. A impunidade desses atos “justifica” nas cabeças dementes dos insurretos, a liberdade para seguir torturando, matando, exatamente o lado vitorioso da democracia. Não se trata de jogo retórico. 700 mil pessoas são a prova material, que não podem ser esquecidas, nem negligenciadas. Observo outro erro de procedimento, no caso, bastante específido, quando Lula se comporta como magistrado, enviando ou confiando em interlocutores. Quem examina, sopesa e pondera em situações de relevância é o judiciário. No executivo, ordem, ou decisão adotada fora de hora costuma gerar desastres. Alguns dirão que exatamente por isso a cautela é necessária. Pode ser em outras circunstâncias e na vida civil. Insubordinação militar só possui um tipo de resposta válida. E isso é regra, é lei. Se um comandante admite ser desautorizado, ainda que esteja errado, está semeando a sublevação da tropa. Ninguém precisa concordar com o regimento militar, mas é a própria constituição que determina que o presidente deve ser o comandante máximo. Se ele não se comporta como tal, também está desrespeitando a constituição. Quanto mais tempo Lula demora para usar suas prerrogativas e atribuições, mais o fantasma da tutela se espraia pelos corredores da república. Não se trata de decidir que vestimenta manda no país, se a farda, o paletó, ou pijamas e camisolas. Estamos patinando em território em que as certezas são incandescentes. Quando nos esgueiramos por razões obtusas, como suspeitar se existe prerrogativa civil por parte dos militares, estamos afirmando que a tutela efetivamente se sobrepõe à constituição. Na dúvida, vamos chamar a Gaviões da Fiel, eles parecem ter disposição pra resolver impasses como esse. Não basta denunciar o fascismo, temos que ser antifascistas A disposição alemã de que se 10 não se levantam quando um fascista se senta, são onze fascistas não é anedota. Fascismo não se tolera. Quem tolera, o endossa. A burguesia brasileira endossa o fascismo. Hoje mesmo, não está rejeitando vandalismo do 8 de janeiro, o que rejeita é ser associada a ele. Quantos emitiram desagravo? Lemann o homem mais poderoso do Brasil repudiou a ação fascista ao longo dos últimos anos? Sendo o país capitalista, como se comportam as pessoas físicas que detém a quase totalidade da riqueza do país? O que o cretinismo pedagógico da burguesia vai prescrever em suas instituições de ensino sobre esses atos? É quase comovente que o grupo globo tenha descrito os atentados como terrorismo. O discurso, no entanto, não era a favor da democracia, mas em defesa da própria linha editorial que endossou quase tudo o que permitiu que isso ocorresse, a começar pela validação da política econômica totalmente blindada pelo grupo. Além da naturalização de uma campanha que em 2018 já era francamente fascista. Concretamente, Bolsonaro é descartado porque falhou. Não fosse sua incompetência, por mais mortes que tenham ocorrido na pandemia. ainda estaria sendo o plano A da burguesia. O mesmo ocorreu no regime inaugurado em 64. Caiu porque se enfraqueceu, não porque a burguesia queria a redemocratização. A mídia, um dos partidos da burguesia, já tem sua política de redução de danos preparada e não envolve os piores criminosos das forças armadas e milícias. Bolsonaro é mau militar, segundo Geisel. Não foi salvo pelo STM, ao contrário, foi inocentado exatamente para não fragilizar a autoridade militar, então sob ataque. Não pode atenuar os crimes do fascismo. A massa de manobra do fascismo em alguma parte é também vitimada pela manipulação. Mas por enquanto só ela está sendo alcançada pelo judiciário. No Brasil fascismo foi gestado por dentro das forças armadas, sem esquecer que as milícias envolvem precipuamente as polícias militares nos Estados. Uma organização criminosa que permitiu, tolerou e endossou não apenas toda forma de tráfico contrabando como também a entrada e organização de células neofacistas como batalhão azov. Claro que existem forças policiais que não coadunam com essas vertentes. Policiais e organizações anti-fascistas tem dado combate e garantido resistência em todos os espaços que podem. No momento, o governo Lula precisa entrar nessa guerra, não basta condenar o fascismo é preciso ser antifascista. Não posso concluir sem mencionar que, a despeito, ou em anuência a tudo o que escrevi pergunto-me se eu mesmo não estarei sendo condescendente, afinal, o paradigma que temos para punir fascistas é o Tribunal de Nuremberg.